47 RACIONALIDADES MÉDICAS Uma breve contextualização Não há doença humana sem seu hospedeiro, ou seja, o indivíduo que a apresenta. As doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes — com suas doenças e sofrimentos — serão sempre únicos, exigindo uma atenção especial aos seus sintomas e concepções existenciais. Na prática clínica ou cirúrgica, os médicos — também diferentes entre si, com concepções, conhecimentos e experiências diversificadas — podem se valer de orientações padronizadas (protocolos), embasadas emdiretrizes clínicas ou estudos clínicos, e indicadas para um conjunto de casos similares. Ou então adotar condutas individualizantes e ajustadas em diferentes graus para cada paciente, em relação às condutas diagnósticas, como terapêuticas, sempre com a intenção de beneficiar da melhor forma os pacientes e protegê-los de eventuais danos durante as intervenções médicas. A cirurgia é o mais antigo método terapêutico, segundo alguns, existente antes mesmo da própria Medicina, que é quase inteiramente dependente da habilidade do operador para alcançar os seus resultados, exigindo, portanto, um treinamento prático muito intensivo. Como toda intervenção médica, exige um atento diagnóstico clínico, antes de sua realização, para que seja avaliada a sua real indicação para o caso e o momento mais apropriado para a execução do ato operatório. “Um cirurgião é um médico que sabe operar – e que sabe quando não operar”, conforme manifestou o médico suíço Theodor Kocher (1841-1917), citado por Moacir Scliar . Para o médico prudente, não pode deixar de ser primeiramente considerada a indicação médica da intervenção planejada para o paciente, ao mesmo tempo que consulta o doente sobre suas preferências, com preservação da autonomia dos dois principais envolvidos em decisões médicas. Moacir Scliar nota que o apartamento entre cirurgia e clínica teria se dado, segundo relatado por Andreas Vesalius (1514-1564) em sua obra De humanis corporis fabrica, após as invasões bárbaras, “quando as ciências foram atiradas aos cães, médicos famosos ficaram envergonhados de trabalhar com as mãos. Delegaram os cuidados com os pacientes aos escravos, o preparo dos remédios aos boticários, a cirurgia aos barbeiros”. Criticou, ainda, a fragmentação da arte de curar e o ensino da Medicina por professores que, do alto de seus púlpitos, “grasnam com egrégia arrogância coisas que não 4
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