CAPA
PÁGINA 1
Nesta edição
PÁGINA 4 a 9
Entrevista
PÁGINA 10 E 11
Crônica
PÁGINA 12 A 26
Dossiê/Vacinas/História
PÁGINA 27 A 29
Tecnologia
PÁGINA 30 E 31
Opinião
PÁGINA 32 A 35
Hobby
PÁGINA 36 A 39
Agenda Cultural
PÁGINA 40 E 41
Medicina no mundo
PÁGINA 42 A 46
Turismo
PÁGINA 47
Resenha
PÁGINA 48
Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
PÁGINA 12 A 26
Dossiê/Vacinas/História
Um marco da Medicina e da humanidade
Há cerca de 200 anos, o inglês Edward Jenner iniciava sua descoberta revolucionária que evitaria a morte de centenas de milhões, ou mesmo bilhões, de pessoas no mundo. Médico rural, ele percebera que as mulheres ordenhadoras de leite de vaca, que tinham se contaminado com a cowpox – vaccinia ou varíola das vacas (vacca, em latim) –, mantinham-se imunes à varíola humana, mesmo quando inoculadas com o vírus. Até então, a doença infectocontagiosa tinha sido responsável por inúmeras epidemias letais durante a história da humanidade. Há versões, inclusive, de que a doença tenha contribuído para a queda do Império Romano.
Bem antes de Jenner, muitos povos haviam tentado prevenir a varíola, provocando-a de modo mais brando, ao perceberem que sobreviventes da doença não voltavam a desenvolvê-la. Os primeiros registros desse método, denominado variolização, remontariam aos chineses. Porém, no lugar de inocular o vírus da versão animal, as tentativas eram feitas utilizando-se diretamente a versão do vírus oriunda de pacientes que desenvolveram formas mais brandas da doença, por meio de algodão com pó de crostas ou pus, inserido no nariz; vestindo roupas íntimas de infectados, picando a pele com agulhas contaminadas, entre outros. O método, entretanto, não teve avanços por ser pouco seguro.
PHIPPS
Já Edward Jenner, após seus estudos sobre a vaccinia, inoculou, em 14 de maio de 1796, um menino de 8 anos, James Phipps, com o pus retirado de uma pústula de uma ordenhadora contaminada por cowpox, um tipo de experimento que, por envolver teste em humanos, se fosse hoje deveria adotar diversos procedimentos que regem a ética em pesquisa. O garoto contraiu uma infecção benigna e, dez dias depois, estava recuperado. Meses após, o médico introduziu pus da varíola humana em Phipps, que, surpreendentemente, não adoeceu. Era a descoberta da vaccinia; em português, vacina, termo que permanece até hoje.
Satisfeito com sua conquista, Jenner começou a imunizar crianças com material retirado diretamente das pústulas dos animais. Mesmo com os resultados obtidos, a resistência e o ceticismo eram extremamente presentes na época, o que resultou em uma oposição atroz.
Contudo, a forte rejeição inicial não impediu que a descoberta logo se espalhasse pelo mundo. Em 1800, a Marinha britânica começou a adotar a vacinação contra a varíola. Napoleão Bonaparte introduziu-a em seus exércitos e imunizou seus filhos. Nas Américas, Benjamin Waterhouse, de Harvard, corroborou para sua popularização, quando, em 1801, o presidente Thomas Jefferson foi vacinado. O imunizante chegou a Portugal em 1799, e o futuro imperador do Brasil, Dom Pedro I, e seu irmão, foram inoculados. A vacina foi trazida para o Brasil em 1804, por meio do marquês de Barbacena.
MICROORGANISMOS ATENUADOS
Outro grande passo foi dado em 6 de julho de 1886, quando o cientista francês Louis Pasteur, que vinha desenvolvendo pesquisas na atenuação do vírus da raiva, injetou, em um garoto, material proveniente da medula de um coelho infectado. Após inúmeras experiências, a criança não contraiu a doença. Assim, em 26 de outubro, Pasteur comunicou à Academia de Ciências da França a descoberta do imunizante contra a raiva, que chamou de vacina, em homenagem a Jenner.
A descoberta de Pasteur abriu campo para o desenvolvimento de vacinas de vírus atenuados, que, ao contrário do imunizante contra a varíola – produzido com o vírus atenuado, que infecta naturalmente animais – foi cultivado em laboratório, artificialmente. O cientista desenvolveu suas pesquisas, primeiramente, com a bactéria que causa Anthrax. A téctécnica, extremamente importante, é utilizada, atualmente, em diversas vacinas como a contra a febre amarela e a contra a rubéola, entre outras.
PÓLIO
Outro avanço monumental na história das vacinas ocorreu em relação à poliomielite. A doença gravíssima, que afetou milhões de crianças durante o século 20, provoca sequelas incapacitantes, como, em alguns casos, a necessidade de viver em “pulmões de aço” pelo restante da vida, devido à paralisia dos nervos periféricos.
Dois médicos norte-americanos, Jonas Salk e Albert Sabin, foram os responsáveis pelo desenvolvimento da vacina contra a pólio, com diferentes técnicas. Salk utilizou o vírus morto, administrado, em versão atenuada, por via intramuscular. Já Sabin usou o vírus vivo, também atenuado, administrado pela via oral, inspirador do famoso “Zé Gotinha”, no Brasil.
Em decorrência de um programa de erradicação global da poliomielite, ao qual o Brasil aderiu, a doença permanece endêmica em apenas três países: Afeganistão, Nigéria e Paquistão, com registro de 12 casos. No Brasil, não há, segundo o Ministério da Saúde, circulação de poliovírus selvagem desde 1990.
NOVAS TÉCNICAS
Muitas outras técnicas para produzir vacinas vieram desde então, como a descoberta das vacinas conjugadas, que utilizam moléculas proteicas para produzir memória imunológica e as que usam engenharia genética ao produzir partículas virais recombinantes para induzir imunidade, como as vacinas para Hepatite B e HPV. E muitas outras certamente virão graças a grandes médicos e cientistas (confira artigo de Esper Kallas, à página 23 desta edição).
REVOLTA DA VACINA
Apesar da aceitação da vacina em vários lugares do mundo, a cidade do Rio de Janeiro foi palco, no início do século 20, de uma insurreição popular, conhecida como Revolta da Vacina. O estopim foi a campanha de vacinação obrigatória, posta em prática pelo sanitarista Oswaldo Cruz, a mando do então presidente da República, Rodrigues Alves. A demolição de cortiços e favelas, além da implantação de brigadas autorizadas a invadir, vacinar e deter à força os habitantes resistentes, fomentaram o sentimento de insatisfação da população.
A Lei da Vacina Obrigatória fora aprovada em 5 de novembro de 1904, provocando a criação da Liga Contra a Vacina Obrigatória. Dias depois, ao perceberem que o governo manteria sua proposta, estourou a insurreição.
A revolta durou 6 dias, de 10 de novembro ao dia 16. Durante esse período, lojas foram saqueadas, bondes queimados e trilhos arrancados. No último dia do protesto, o governo fingiu ceder à oposição popular e suspendeu temporariamente as brigadas de vacinação. Mas, ao mesmo tempo, declarou estado de sítio e cercou o Rio de Janeiro com tropas. Em 17 de novembro, as tropas adentraram a cidade e prenderam grande parte dos revoltosos. Assim que o município foi considerado seguro, a campanha voltou à ativa.
VITAL BRAZIL
Considerado um dos grandes nomes da história da ciência, o médico Vital Brazil, nascido em 28 de abril de 1865, foi um dos primeiros pesquisadores de toxicologia nas Américas e de medicina experimental no Brasil. Liderou frentes de combate a diversas epidemias que eclodiram no país, como a febre amarela, cólera e varíola. Suas pesquisas foram pioneiras na produção dos soros específicos contra venenos de animais peçonhentos que, até hoje, salvam milhares de vidas.
Preocupado com a saúde pública, Vital Brazil, quando recebeu a patente do soro antiofídico, em 1917, decidiu doá-la ao governo brasileiro. Dentre os numerosos legados deixados por ele destacam-se a criação do Instituto Butantan e do Instituto Vital Brazil. Ambas as instituições tornaram-se referenciais de excelência na produção de vacinas e na divulgação das ciências no país.
(Colaborou: Júlia Remer)
Panorama atual
Por Ana Marli Christovam Sartori e Marta Heloisa Lopes*
Desde as primeiras ações de vacinação para prevenção de varíola até hoje, as vacinas têm promovido grande impacto na epidemiologia das doenças infecciosas. Segundo Plotkin1, com exceção da água potável, nenhuma outra intervenção, nem mesmo os antibióticos, tiveram tamanho efeito na redução da mortalidade e no crescimento populacional.
A erradicação da varíola, o controle e até a eliminação, em grande parte do mundo, de doenças como poliomielite, difteria, rubéola e meningite por Haemophilus influenzae b, têm impulsionado a pesquisa sobre novos imunógenos. O crescimento da vacinologia tem sido extraordinário. O número de novas vacinas disponíveis nos últimos 40 anos é praticamente igual ao número de vacinas formuladas nos duzentos anos anteriores.
Os esforços, no mundo inteiro, para ampliar o acesso às novas vacinas, tanto em regiões desenvolvidas, quanto em regiões em desenvolvimento, com significante diminuição de doenças infecciosas preveníveis por vacinação, têm levado ao desconhecimento sobre essas doenças e menor temor em relação a elas. Enquanto existiam muitos casos de poliomielite paralítica, não havia hesitação em relação à vacinação. Quando esses casos não são mais visíveis, a adesão à vacinação decresce. Entretanto, enquanto o agente causador de doença não for erradicado do mundo, é necessário manter as coberturas vacinais elevadas para evitar sua reintrodução em regiões onde ele não circula mais.
“Brasil enfrenta, nos últimos dois anos, queda das coberturas vacinais”
BALANÇO PRELIMINAR DA CAMPANHA NACIONAL DE VACINAÇÃO - 2018
Legenda
roxo: Poliomielite
rosa: Sarampo
Exemplo recente dessa situação está ocorrendo na região Norte do Brasil. As Américas receberam o certificado, conferido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de região livre de sarampo, em setembro de 2016. Entretanto, o vírus do sarampo continua circulando em várias regiões do mundo, como na Europa, Ásia e África. Vírus do sarampo, genótipo D8, linhagem MVi/HuluLangat.MYS/26.11, o mesmo que circula na Europa, foi reintroduzido na Venezuela em julho de 2017, onde se disseminou em razão de cobertura vacinal inadequada.
Posteriormente, foram confirmados casos no Brasil, Colômbia, Equador, Peru e Argentina. Com a migração de venezuelanos para Roraima, no Brasil, o vírus foi introduzido nessa região encontrando expressiva população suscetível. Desde o início do ano até 23 de outubro último, foram notificados 8.091 casos confirmados de sarampo, com 85 mortes, nas Américas. Na Venezuela, 5.525 casos, com 73 mortes. No Brasil, até 30 de outubro último, foram confirmados 2.564 casos, com 14 mortes, predominando na região Norte, responsável por 97% deles, sendo 345 casos (145 em indígenas) e quatro mortes, em Roraima; 2.126 casos e oito mortes, no Amazonas; e 17 casos e duas mortes, no Pará.
Enquanto não havia circulação do vírus, as pessoas não vacinadas não adoeciam, mesmo sendo suscetíveis. Quando o vírus do sarampo foi reintroduzido, elas passaram a adoecer e a transmitir o vírus a outras pessoas suscetíveis, mantendo a cadeia de transmissão da doença. Na Venezuela, a epidemia já dura mais de um ano, sendo considerado que a transmissão endêmica foi reestabelecida naquele país. Se a cobertura vacinal é alta, a maioria da população está protegida e a disseminação da doença não ocorre. Para se obter o controle do sarampo, que é uma doença altamente transmissível e potencialmente fatal, é necessário que pelo menos 95% da população esteja imunizada.
No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI), iniciado em 1973, disponibiliza gratuitamente grande número de imunógenos. Em seus 45 anos de existência tem tido ações muito abrangentes e de grande sucesso, que se refletem na grande diminuição da morbimortalidade das doenças prevenidas pelas vacinas que fazem parte do programa. Atualmente, o programa disponibiliza 25 imunobiológicos (vacinas e imunoglobulinas) contra 20 doenças infecciosas, constituindo um dos calendários mais completos do mundo, e ofertando todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Mesmo assim, vem enfrentando, nos dois últimos anos, queda das coberturas vacinais.
As coberturas da primeira dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola, recomendada para ser administrada aos 12 meses de idade), em todo o Brasil, foram 95,41% e 84,97%, respectivamente em 2016 e 2017. No Estado do Amazonas, essas coberturas foram 83,56% e 80,36%, e, em Roraima, foram 90,77% e 87,30%,portanto, em ambos os Estados abaixo da meta de 95%.
Em relação à vacina tetra viral (sarampo, caxumba, rubéola e varicela, recomendada para ser administrada aos 15 meses de idade), as coberturas vacinais foram ainda mais baixas. No Brasil: 77,37% e 79,05%, em 2016 e 2017, respectivamente. No Estado do Amazonas, 77,43% e 75,80%, e, em Roraima, 92,53% e 83,64%. A maioria das unidades da Federação não conseguiu atingir a meta de 95% de cobertura das vacinas tríplice e tetra viral nos últimos dois anos. Por outro lado, a campanha de vacinação com a tríplice viral, realizada em todo o País, em agosto e setembro de 2018, como medida de contenção da disseminação do sarampo, conseguiu atingir a meta de vacinar 95% das crianças <5 anos de idade, em todos os Estados.
Muitos outros fatores influenciam a adesão à vacinação, além do menor temor em relação às doenças, interferindo nas coberturas vacinais. No Brasil, temos de considerar o acesso limitado à vacinação nas Unidades Básicas de Saúde, condicionado por horários pouco flexíveis, não contemplando demandas atuais da população, como atendimento noturno, em domingos e feriados. Há também eventuais faltas de produtos nas salas de vacinação, que desestimulam retornos posteriores. Além disso, o atual calendário de vacinação infantil brasileiro é bastante complexo, e é muito difícil ler os cartões de vacinação, podendo ocorrer atrasos do esquema vacinal simplesmente porque os pais desconhecem quais vacinas estão disponíveis e quando devem ser administradas. Mas a adesão à vacinação depende fundamentalmente da confiança da população nos benefícios da vacinação como meio eficaz de prevenção de doenças.
“O ato de vacinar é individual, mas o benefício é coletivo.”
Essa confiança pode ser abalada pela ampla e imediata divulgação de eventos adversos atribuídos às vacinas, o que é justificável. Um indivíduo saudável que recebe uma vacina para se prevenir de uma doença e apresenta um evento adverso que se relaciona à vacina, tem sua confiança abalada. Entretanto, as vacinas são bastante seguras. Antes de estarem disponíveis para a população, passam por rigorosos estudos de avaliação de eficácia e segurança. As vacinas podem causar efeitos adversos leves, como dor e sinais inflamatórios no local da aplicação, febre nos primeiros dias após a vacinação, que são, na grande maioria das vezes, autolimitados. Eventos adversos graves, como reações alérgicas, são muito raros.
Há muito mito envolvendo situações que ocorrem pós vacinação. Os eventos adversos atribuídos às vacinas têm, em sua maioria, relação temporal, mas não causal com a vacinação. É o caso de acometimentos diversos, que iriam ocorrer, por outras causas, mas que por se manifestarem após a vacinação, a ela são atribuídos. Ou seja, estão temporalmente relacionados às vacinas, mas elas não são, na quase totalidade dos casos, a causa do evento. A ampla e imediata divulgação desses eventos adversos – propiciada pelas modernas redes sociais de comunicação – contrasta com a “lentidão” necessária para sua investigação. A rigorosa investigação desses eventos adversos e a divulgação de seus resultados raramente atenuam o temor e a desconfiança inicialmente gerados. Tais informações têm que ser amplamente divulgadas tanto à população quanto aos profissionais de saúde.
O Programa Nacional de Imunização é uma bem-sucedida estratégia do SUS para garantia do direito à saúde. Quando um indivíduo não é vacinado, além do risco individual de adoecer, ele pode ser fonte de infecção para muitos outros indivíduos. O ato de vacinar é individual, mas o benefício é coletivo.
Os benefícios decorrentes das vacinações, principalmente em países em desenvolvimento, são extraordinários. As dúvidas relacionadas à vacinação, quer sejam de crianças, adultos ou idosos, precisam ser amplamente discutidas e esclarecidas, para assegurarmos altos índices de cobertura vacinal e impedirmos o ressurgimento de doenças que podem ser prevenidas.
IMUNIZAÇÃO DE CRIANÇAS COM 3ª DOSE DA VACINA CONTRA PÓLIO
Legenda
azul: >= 90% (126 países ou 65%)
roxo: 80-89% (36 países ou 19%)
rosa claro: 50-79% (22 países ou 11%)
rosa escuro: < 50% (10 países ou 10%)
FAKE NEWS
- As vacinas têm vários efeitos colaterais prejudiciais e de longo prazo que ainda são desconhecidos. A vacinação pode ser até fatal
- A vacina combinada contra a difteria, tétano e coqueluche e a vacina contra a poliomielite causam a síndrome da morte súbita infantil
- Aplicar mais de uma vacina ao mesmo tempo em uma criança pode aumentar o risco de eventos adversos prejudiciais, que podem sobrecarregar seu sistema imunológico
- As vacinas contêm mercúrio, que é perigoso
O QUE DIZ O MINISTÉRIO DA SAÚDE
- Não é verdade. As vacinas são muito seguras. A maioria das reações é pequena e temporária, como um braço dolorido ou uma febre ligeira. Eventos graves de saúde são extremamente raros e cuidadosamente monitorados e investigados. É muito mais provável que uma pessoa adoeça gravemente por uma enfermidade evitável pela vacina do que pela própria vacina. A poliomielite, por exemplo, pode causar paralisia; o sarampo pode causar encefalite e cegueira; e algumas doenças preveniveis por meio da vacinação podem até resultar em morte.
- Não é verdade. Não há relação causal entre a administração de vacinas e a síndrome da morte súbita infantil (SMSI), também conhecida como síndrome da morte súbita do lactente. No entanto, essas vacinas são administradas em um momento em que os bebês podem ser acometidos por essa síndrome. Em outras palavras, as mortes por SMSI são coincidentes à vacinação e teriam ocorrido mesmo se nenhuma vacina tivesse sido aplicada. É importante lembrar que essas quatro doenças são fatais e que os bebês não vacinados contra elas estão em sério risco de morte ou incapacidade grave.
- Não é verdade. Evidências científicas mostram que aplicar várias vacinas ao mesmo tempo não causa aumento de eventos adversos sobre o sistema imunológico das crianças. Elas são expostas a centenas de substâncias estranhas, que desencadeiam uma resposta imune todos os dias. O simples ato de comer introduz novos antígenos no corpo e numerosas bactérias vivem na boca e no nariz. Uma criança é exposta a muito mais antígenos de um resfriado comum ou dor de garganta do que de vacinas. As principais vantagens de aplicar várias vacinas ao mesmo tempo são: menos visitas ao posto de saúde ou hospital, o que economiza tempo e dinheiro; e uma maior probabilidade de que o calendário vacinal seja completado. Além disso, quando é possível ter uma vacinação combinada – como para sarampo, caxumba e rubéola – menos injeções são aplicadas.
- Não existe evidência que sugira que a quantidade de tiomersal utilizada nas vacinas represente um risco para a saúde. O tiomersal é um composto orgânico, que contém mercúrio, adicionado a algumas vacinas como conservante. É o conservante mais utilizado para vacinas fornecidas em frascos multidose.
MITOS E INFORMAÇÕES EFICAZES
Um dos principais mitos envolvendo vacinas envolve a MMR, ou tríplice viral, e deu-se após estudo publicado, em 1998, pelo ex-médico britânico Andrew Wakefield, na revista Lancet, que propôs uma associação entre a vacina, a presença do vírus do sarampo nas crianças vacinadas e quadros de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Após investigações mais detalhadas, no entanto, pesquisadores que trabalharam com Wakefield, no estudo, revelaram que os resultados foram forjados e não foi identificada a presença do vírus nessas crianças, o que levou a Lancet a fazer uma retratação. Além disso, o Conselho de Medicina britânico concluiu que Wakefield apresentava conflitos de interesse importantes, como ter patenteado uma alternativa à vacina MMR. Isso levou à cassação de seu registro de médico no Reino Unido.
A melhor informação sobre como comunicar isso aos pacientes e desconstruir os mitos ainda não é bem estabelecida. Um estudo1 avaliou as seguintes estratégias: repassar informações de autoridades desmentindo a associação da MMR com TEA, dar explicações sobre a gravidade do sarampo, mostrar fotos de crianças doentes ou relatar a história de uma criança que quase faleceu por conta do sarampo. Embora os pais submetidos à intervenção tenham se mostrado menos crentes na associação com TEA, não houve aumento em sua intenção de vacinar os filhos.
No entanto, outro estudo2 avaliou intervenções semelhantes, porém separando estratégias de apresentação aos pais de material governamental, focando nos benefícios da vacinação à criança, comparado a informações do benefício à sociedade. Apenas a primeira, com enfoque na criança e não na sociedade, demonstrou impacto positivo no aumento da intenção dos pais de vacinar seus filhos. Esse achado sugere que a melhor mensagem a ser transmitida pelos médicos deve conter informações que promovam a vacinação, ressaltando o benefício à criança, utilizando um tom positivo e não alarmista. No entanto, mais estudos são necessários para elucidar a melhor forma de comunicação, considerando a heterogeneidade dos pacientes, especialmente em um contexto de diferenças sociais, econômicas e culturais importantes no Brasil. (Edoardo Filippo de Queiroz Vattimo)
Referências
1) Nyhan, B et al. Effective messages in vaccine promotion: a randomized trial. 2014. Pediatrics 133(4): e835-e842. 2) Hendrix, KS et al. Vaccine message framing and parents’ intent to immunize their infants for MMR. 2014. Pediatrics, 134(3): e675-e683.
*Professoras Associadas do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
Referências
1)Plotkin SL & Plotkin AS. A short history of vaccination. In: Vaccines 6ª edição. Elsevier. pág 1 a 13, 2013.
2)MS. Situação do Sarampo no Brasil – 2018. Informe 29. Disponível em http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/outubro/31/Informe-Sarampo-29-30out18.pdf
3)MS.http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/sarampo-situacao-epidemiologica
O futuro que já se pode entrever
Por Esper G. Kallás*
Quando pensamos em vacinas, duas constatações não devem ser menosprezadas: o enorme impacto que têm em saúde pública, pelo grande alívio que trazem ao sofrimento humano, e a situação absurda que atingiu o alcance de grupos antivacinas.
Considero que as vacinas sejam a descoberta com maior impacto no aumento da sobrevida em toda a história da medicina. Basta lembrar que romances da literatura norte-americana do século 19 e começo do século 20 tinham, com frequência, personagens que apresentavam sequelas de poliomielite. Grande parte dos colegas médicos, atualmente, sequer conhece um caso de paciente com paralisia infantil.
A lista de agraciados com o Prêmio Nobel em Fisiologia e Medicina não fez jus a essa realidade, sendo que somente dois prêmios foram destinados diretamente à descoberta de vacinas (poliomielite e HPV). Por outro lado, um grande número de prêmios foi concedido a descobertas relacionadas aos imunizantes. Um dos muitos exemplos foi o primeiro prêmio, em 1901, outorgado ao médico polonês Emil Adolf von Behring pelas descobertas que levaram ao uso do soro antidiftérico.
Quanto aos movimentos antivacinas, também o Brasil reúne um número de ativistas mal intencionados ou que ignoram os aspectos científicos, baseando-se em boatos ou teorias conspiratórias para tentar “provar” que vacinas fazem mal. Essa não é uma história que começou nos dias de hoje. Desde o início da vacinação contra a varíola, já havia uma grande reação contrária por parte de um segmento da população. Alguns desenhos e resenhas de jornais da época faziam galhofa ao combate da doença, sugerindo que a vacina iria transformar as pessoas em animais ungulados e bizarros. Não foi diferente com a Revolta da Vacina no Brasil, que ocorreu em 1904 (recomendo aqui a leitura do excelente A revolta da vacina, por Nicolau Sevcenko).
É ilusão achar que tais movimentos irão desaparecer do cenário nacional e mundial, pois sobrevivem há séculos, alimentando-se de provocar a desinformação e a ira irracional nas pessoas, independentemente de qualquer fundamentação científica. Cabe a nós ridicularizá-los, única medida que parece surtir algum efeito.
Defender as vacinas faz parte do esforço para dar respaldo às novas descobertas. Estamos somente pisando a areia da praia, à beira de um mar imenso de novas possibilidades. Este é um passo inicial para um salto quântico no desenvolvimento de novos imunógenos.
NOVAS VACINAS
Até os anos 80, as vacinas foram desenvolvidas por técnicas que envolviam muita tentativa e erro. O componente do poliovírus 1 atenuado na vacina oral Sabin, por exemplo, foi resultado da passagem da cepa Mahoney 1 por 24 animais, seguida de 43 passagens em meios de cultura de células de rim de macaco, purificação de cepa não neurotrópica, mais 5 novas passagens em culturas de células de rim de macaco e, finalmente, 3 purificações em placa. Hoje, dominamos técnicas muito mais sofisticadas de biologia molecular e dispomos da capacidade para determinar quais pontos da molécula do patógeno são responsáveis pela indução de resposta imune ou responsáveis pela patogenicidade. A engenharia genética permite construir diferentes produtos, com potencial de se tornarem novos compostos vacinais.
Há uma longa lista de novas vacinas sendo testadas. A Organização Mundial da Saúde disponibiliza acompanhamento do desenvolvimento de vacinas contra HIV, malária, tuberculose, dengue, vírus sincicial respiratório, rotavírus, Shigella, Escherichia coli, vírus Lassa, Coronavírus, vírus Nipah, Zika, Ebola, Marburg, e Pneumococcus (https://www.who.int/immunization/research/vaccine_pipeline_tracker_spreadsheet/en/). Estima-se que tenhamos mais de 150 diferentes produtos em desenvolvimento para o enfrentamento de doenças infecciosas.
Novos adjuvantes estão fazendo outra revolução nesse campo de desenvolvimento. Um exemplo é a nova vacina contra herpes zoster HZ/sucombinada com o adjuvante AS01B – ainda não disponível no mercado brasileiro –, que conferiu proteção extraordinária contra casos da doença em pessoas acima de 50 anos de idade. É importante ressaltar que alguns dos centros que pesquisaram essa vacina são brasileiros.
Em 2013, o Instituto Butantan iniciou os estudos clínicos para uma nova vacina contra a dengue, que conta com a participação do nosso grupo na USP. É um exemplo de vacina que foi concebida usando técnicas modernas de identificação de cepas atenuadas dos quatro sorotipos do vírus da dengue, por meio da modificação das sequências genéticas da porção terminal do genoma viral. Com isso, foi possível construir uma vacina atenuada tetravalente, que pode ser usada em dose única. O ensaio clínico fase II já encerrou e os resultados foram submetidos para publicação. O ensaio clínico fase III está concluindo a inclusão dos quase 17 mil voluntários, de 2 a 60 anos de idade, em 16 centros brasileiros, e está na fase de documentação de casos de episódios febris agudos e diagnóstico de dengue.
A determinação da eficácia vacinal será avaliada após cinco anos de seguimento dos participantes, com proporção de dois pacientes vacinados para um paciente que recebeu placebo. Os estudos para desenvolvimento da vacina foram realizados por iniciativa de uma instituição pública (Instituto Butantan), financiado com recursos federais e estaduais (...), e executado em 16 instituições públicas distribuídas pelas cinco regiões do Brasil. Se provar eficácia, será uma vacina que pertence aos brasileiros.
“O Brasil está inserido ativamente no desenvolvimento de novas vacinas”
O Brasil também está inserido ativamente no desenvolvimento de outras vacinas. Junto com colegas da UFMG, nosso grupo participa de uma força-tarefa para pesquisar uma vacina candidata contra a Zika, constituída de um plasmídeo de DNA, que codifica parte do envelope viral. Vacinas de DNA são extremamente seguras, o que possibilitaria seu uso inclusive em mulheres grávidas.
A USP também está iniciando um estudo para determinar se uma nova vacina contra a gripe aviária H7N9 induz a formação de anticorpos neutralizantes. Essa vacina também está sendo produzida pelo Instituto Butantan. Embora o influenza H7N9 ainda não tenha sido transmitido entre humanos, esse esforço faz parte de uma estratégia mundial de preparação contra uma possível epidemia por esse vírus, que causou a morte de 40% das pessoas que desenvolveram a doença, a partir de aquisição de aves no sudeste asiático. Esse parece ser o caminho mais eficaz na abordagem contra doenças emergentes e reemergentes e, também, na antecipação do combate às ameaças à saúde pública global.
´*Médico infectologista, Professor Titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (nomeação pendente)