CAPA
PÁGINA 1
Ponto de partida
PÁGINA 4 a 9
Entrevista
PÁGINA 10 e 11
Crônica
PÁGINA 12 a 15
Conjuntura
PÁGINA 16 a 19
Vanguarda
PÁGINA 20 a 26
Debate
PÁGINA 27 A 29
Em foco
PÁGINA 30 E 31
Giramundo
PÁGINA 32 E 33
Ponto com
PÁGINA 34 E 35
Hobby
PÁGINA 38 a 40
Cultura
PÁGINA 42 A 46
Turismo
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Médicos que escrevem
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Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
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Médicos que escrevem
Viver é saber aproveitar a viagem
Rebeca Bedone*
Seu voo foi cancelado.
– Como assim?
– Seu voo foi cancelado.
– Mas eu preciso embarcar agora.
– Desculpe, senhora. Esse voo não existe mais.
Ao meu redor, havia um tumulto de pessoas com malas e sonhos prontos para seguir viagem. Alguns já estavam irritados pela demora no atendimento, enquanto os funcionários da empresa aérea corriam aflitos de lá para cá.
– Eu tenho compromisso em Brasília! – esbravejou um homem.
– Vou perder minha conexão. – Um rapaz estava preocupado.
– É um absurdo esse país! – gritou alguém.
– Não posso perder esse voo – uma mulher disse para o atendente do guichê ao meu lado.
– Perderei o passeio que já paguei… – suspirou a senhora atrás de mim.
Pessoas diferentes, que nunca haviam se visto na vida, de repente ficaram encurraladas pelo mesmo destino: a imprevisibilidade. De dentro da minha própria angústia, fiquei observando o comportamento humano e sua vulnerabilidade perante contratempos:
– Vou processar vocês!
– Ei, aguarde seu lugar na fila.
– Quero falar com o supervisor!
– Senhor, é a minha vez de ser atendido.
– Essa companhia aérea é uma merda!
– Não adianta gritar com o funcionário, não é culpa dele.
– Vão nos colocar em um ônibus?
– Eles disseram que não há mais voo disponível para hoje.
Contrariada, fui colocada em um ônibus com cerca de outras 50 pessoas insatisfeitas, e a viagem, que era para ser de uma hora, durou mais de seis. Desprovidos de qualquer outra opção, os desconhecidos se acomodaram e, aos poucos, começaram a conversar entre si. Uns contaram o que tinham perdido com o voo cancelado, outros trocaram palavras de consolo, e alguns ficaram apenas de ouvintes.
O senhor a meu lado, já bem idoso, me disse que estava voltando para casa depois de uma longa estadia na cidade:
– Terminei ontem a minha última sessão de radioterapia.
– Teve câncer de quê? – perguntei.
– No cérebro. Operei duas vezes, mas cresceu de novo.
Fiquei sem saber o que dizer, então ele completou:
– Já cheguei até aqui, é isso que importa. Vamos aproveitar a viagem, menina.
Os olhos dele estavam fixos na janela ao seu lado. Do meu assento, o do corredor, eu não via direito o que ele enxergava. Chovia e estava escuro lá fora, mas a expressão no sorriso daquele homem fragilizado era a de quem assistia à mais bela das paisagens em dia de Sol.
Meu coração se acalmou. A certa altura da vida, nossa bagagem de derrotas e vitórias nos torna seletivos para com os nossos próprios tormentos. Para que ficar sofrendo de raiva por causa de um voo cancelado se tenho toda essa estrada pela frente?
Não temos o poder de evitar que transtornos nos acometam, mas podemos escolher entre ter ou não ter esperança. E o resto é aproveitar a viagem.
Médica endocrinologista e cronista da Revista Bula
(https://www.revistabula.com/autor/rebeca)