CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Mauro Gomes Aranha de Lima - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág. 4)
Rubens Belfort Jr.
CRÔNICA (pág. 10)
Mariana Kalil
SINTONIA (pág. 12)
Tempos Líquidos
ESPECIAL (pág. 16)
Agrotóxicos
EM FOCO (pág. 22)
Sarcopenia
CONJUNTURA (pág. 26)
O maior de todos os vazios
GIRAMUNDO (pág. 30)
Arte, genética e ciência
PONTO COM (Pág. 32)
Mundo digital & tecnologia científica
HISTÓRIA DA MEDICINA (pág. 34)
Freud, Sherlock Holmes e Coca-cola
CULTURA (pág. 38)
A escola que revolucionou o design e a arquitetura
TURISMO (pág. 42)
Dubrovnik, a pérola do Adriático
MÉDICOS QUE ESCREVEM (pág. 46)
Música barroca e psicanálise
FOTOPOESIA (pág. 48)
Como nossos pais
GALERIA DE FOTOS
EM FOCO (pág. 22)
Sarcopenia
Precisamos falar de sarcopenia
Alteração da massa e força muscular
Limitação funcional
Incapacidade física
Apesar do aumento acentuado do número de idosos no País, pouco se fala em sarcopenia, mesmo entre os médicos. Combatê-la fará a diferença na qualidade de vida durante o envelhecimento.
Aglaé Silvestre*
À medida que a idade avança, uma série de adversidades ligadas à saúde, tais como perda de mobilidade, força e equilíbrio, começam a surgir, podendo resultar em quedas, fraturas, hospitalização, invalidez e até em morte. Apesar do processo de envelhecimento da população e da importância de um diagnóstico preciso para a prevenção ou tratamento desses males, a atenção de médicos e pacientes recai sobre os problemas relacionados aos ossos, e os músculos são esquecidos ou negligenciados.
Com essa preocupação, o geriatra João Toniolo Neto quer alertar os colegas de diferentes especialidades sobre a importância do diagnóstico precoce para a prevenção da sarcopenia, processo degenerativo que envolve a perda de massa muscular, força e performance física.
À frente de uma equipe multidisciplinar, Toniolo desenvolveu uma pesquisa sobre o tema por meio do Núcleo de Estudos Clínicos em Sarcopenia da Universidade Federal de São Paulo (NECS/Unifesp), visando conhecer o impacto da doença no envelhecimento e determinar o manejo clínico dos pacientes.
A sarcopenia é caracterizada pela perda da massa magra e função do músculo esquelético, o que pode levar à incapacidade física e piora da qualidade de vida. O declínio de massa muscular ocorre em função das alterações em redes hormonais, na regeneração muscular e na síntese de proteínas. Esse processo – que tem início a partir dos 40 anos, tanto no homem como na mulher, e vai se intensificando ao longo da vida – pode atingir 1% a 2% ao ano. Por isso, quanto antes o médico efetuar um exame clínico para observar esse aspecto da saúde em seus pacientes, visando à prevenção, melhor. “O principal sintoma da doença é o RG”, brinca Toniolo.
Na avaliação do geriatra, “os médicos subvalorizam o músculo”. De fato, não existem especialistas para cuidar do músculo, tampouco medicamentos para esse fim, embora suplementos de aminoácidos e proteínas específicos para aumento de massa muscular comecem a chegar ao mercado. “Infelizmente não é só a população que não presta muita atenção à perda de massa muscular, boa parte de nós, médicos, desconhece a sarcopenia”, alerta.
Uma explicação para essa lacuna nas hipóteses diagnósticas é que, até há algumas décadas, a expectativa de vida da população brasileira era bem menor, não ultrapassando os 50 anos, e as pesquisas sobre o tema são ainda muito recentes. “O termo sarcopenia (sarx = músculo; penia = perda) foi descrito pela primeira vez por Irwin Rosemberg, em 1989, e esse tempo, para a ciência médica, é ontem”, diz Toniolo.
Questão de saúde
A pesquisa do NECS revelou que homens e mulheres passam a se preocupar com a perda muscular e a osteoporose entre os 50 e 64 anos. “Mas eles só vão notar a perda quando os músculos deixarem de ser uma questão estética para se tornarem uma questão de saúde”, alerta Toniolo.
Outro resultado revelador é que menos de 7% dos entrevistados já ouviram falar em sarcopenia. Ao passo que, quando se fazia referência à perda muscular, 88% conheciam a doença. “O médico deve falar em perda muscular, até que o termo sarcopenia se torne conhecido. Mesmo entre os médicos, poucos sabem o significado desse nome”, acredita o geriatra.
A pesquisa mostrou que, no País, a doença ocorre em 30% da população acima de 65 anos; e em mais de 50% na população acima de 80 anos. Como consequência, as mulheres sarcopênicas têm risco duas vezes maior de apresentar déficit funcional de mobilidade, força e equilíbrio; e os homens, três vezes mais.
Nas mulheres esse processo se acentua próximo à menopausa. “Mas se a mulher manteve um estilo de vida saudável, com atividade física, alimentação adequada e controle do peso, a perda de massa será menor em relação àquela vitimada por doenças crônicas, como diabetes, hipertensão e obesidade”, afirma a nutricionista e também coordenadora do núcleo, Myrian Najas.
Segundo ela, a perda de massa envolvendo um processo fisiológico, natural do envelhecimento, é denominada sarcopenia primária. Já a decorrente de hospitalização, com longos períodos de inatividade, leva à sarcopenia secundária.
Com a diminuição dos músculos, o organismo também perde em força e mobilidade, principalmente nos braços e pernas. De acordo com a European Working Group on Sarcopenia in Older People, para diagnosticar a doença é recomendável utilizar a seguinte equação: perda de massa muscular + perda de força muscular + perda de performance física = sarcopenia.“Quando há perda em dois desses três fatores, já se tem instalado um quadro de sarcopenia”, diz Najas.
Toniolo conta que muitas vezes os pacientes chegam felizes ao consultório, dizendo que há anos vêm mantendo o peso. Nada mais enganoso como indicador da saúde muscular. Segundo ele, esses pacientes não têm noção de que pode ter havido uma mudança na qualidade de distribuição da massa, com inversão entre a quantidade de músculo e gordura. “Isso acarreta uma carga de peso maior para menos quantidade de músculos, podendo levar a prejuízos na coluna e articulações”, observa.
Na avaliação de Najas, a questão da obesidade sarcopênica, com redução da massa e aumento de gordura, e dinapênica, com diminuição da força, requer uma intervenção multidisciplinar, envolvendo o trabalho do médico, fisioterapeuta, educador físico e nutricionista.
Métodos diagnósticos
Quatro modalidades de métodos diagnósticos estão disponíveis para avaliar a composição corporal. O mais comum envolve o uso de dados antropométricos, como o Índice de Massa Corporal (IMC) e a Circunferência da Panturrilha (CP), medida de reserva de tecido muscular mais fácil de ser mensurada e indicador mais sensível de alterações musculares, segundo a Organização Mundial de Saúde. Se a medida de circunferência da panturrilha em mulher for menor que 32; e, em homem, menor que 34, há indicativo de perda de massa muscular.
Por meio da Bioimpedância – um aparelho que mensura o índice de massa muscular esquelética –, é possível verificar a distribuição global entre músculo, gordura e água. Já o Handgrip é uma modalidade que mede a força de pressão palmar, com ponto de corte <30 kg para homens e <20 kg para mulheres, como indicativo de perda de força muscular.
Finalmente, a Absorciometria de Raios-X de Energia Dual (DXA) – exame que pode ser realizado juntamente com a densitometria óssea, e que permite quantificar o conteúdo de gordura, massa muscular e massa óssea corporal com maior precisão. “Poucas pessoas o fazem, e os médicos não o solicitam por puro desconhecimento. Bastam mais dois minutos no aparelho da densitometria óssea, para conhecer a composição corporal total”, orienta o médico.
A atenção à perda de massa muscular não deve ficar circunscrita às preocupações de um geriatra, mas envolver todas as especialidades médicas, alerta Toniolo. “O cardiologista, na hora de indicar exercícios para tratar problemas relacionados ao coração; o pneumologista, que sabe da importância do músculo na movimentação da caixa torácica; ou ainda, na ortopedia e reumatologia, quando a quantidade de músculos envolve o fortalecimento de toda a estrutura óssea”, exemplifica. “A perda de massa muscular leva a uma tendência maior de osteoporose”, alerta. “Mesmo não existindo a especialidade de ‘muscologia’, é preciso inserir a cultura da preservação e ganho da massa muscular em todas as especialidades”, argumenta.
Dieta e exercícios
A boa notícia é que se pode ganhar massa muscular em qualquer idade, mas o ideal é não perdê-la. “O grande problema não é a dificuldade de ganho muscular, mas sim a velocidade de perda quando não se faz nada”, alerta Toniolo. Segundo o geriatra, para retardar a perda e envelhecer de forma mais saudável, é importante – além de uma dieta equilibrada e, se necessário, suplementos alimentares – manter a atividade física. “Os exercícios não precisam ser progressivos, com cargas muito grandes, mas de média intensidade e feitos de forma regular, ao longo dos anos”, observa.
Najas alerta que quanto menos massa muscular, pior a qualidade de vida no envelhecimento. Por isso, é preciso chegar aos 60 sem excesso de gordura corporal e uma massa muscular mais desenvolvida. Mas fazer dieta não é simplesmente trancar a boca, comer só carne com salada ou fazer regimes malucos. Segundo ela, as dietas de moda são o fator que mais preocupa hoje em dia, pois “são responsáveis por uma perda de massa muscular fisiológica mais intensa, quando a pessoa perde músculo; e, se voltar a engordar, ganha gordura”.
A necessidade de um prato colorido é verdade, observa a nutricionista. Ela ensina que uma dieta adequada para não perder massa envolve a quantificação de alimentos – e não sua retirada do prato –, com distribuição equilibrada entre proteínas, gorduras saudáveis (poli-insaturadas e monoinsaturadas), carboidratos e grãos integrais, saladas e frutas, a cada duas ou três horas.
*Jornalista do Cremesp e mestre em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP)