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Mauro Gomes Aranha de Lima - Presidente do Cremesp


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Rubens Belfort Jr.


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Mariana Kalil


SINTONIA (pág. 12)
Tempos Líquidos


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Agrotóxicos


EM FOCO (pág. 22)
Sarcopenia


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Arte, genética e ciência


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Mundo digital & tecnologia científica


HISTÓRIA DA MEDICINA (pág. 34)
Freud, Sherlock Holmes e Coca-cola


CULTURA (pág. 38)
A escola que revolucionou o design e a arquitetura


TURISMO (pág. 42)
Dubrovnik, a pérola do Adriático


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Música barroca e psicanálise


FOTOPOESIA (pág. 48)
Como nossos pais


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Edição 79 - Abril/Maio/Junho de 2017

SINTONIA (pág. 12)

Tempos Líquidos

Tempos Líquidos

Nossa sociedade de “indivíduos por fatalidade” vive em um interregno
em que os laços inter-humanos tornam-se cada vez mais frágeis e temporários,
afirmou o sociólogo Zygmunt Bauman, que faleceu no início deste ano,
deixando uma vasta e importante obra

Fátima Barbosa*

Economia, política, relações humanas, consumismo, mídias sociais, amor, dentre muitos outros temas – nada escapava ao olhar agudo, perspicaz e reflexivo do sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, morto aos 91 anos, em 9 de janeiro último. Autor de mais de 50 livros, ele cunhou o termo “modernidade líquida” para expressar a efemeridade dos tempos atuais. Segundo ele, as comunidades de cada país parecem cada vez mais destituídas de substância. “Os laços inter-humanos, que antes teciam uma rede de segurança digna de um amplo e contínuo investimento de tempo e esforço, e valiam o sacrifício de interesses individuais imediatos, tornam-se cada vez mais frágeis e reconhecidamente temporários”, alertou.

“Estamos em um estado de interregno, em que não somos uma coisa nem outra. (...) As formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais. As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam direito mais. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando”, enfatizou Bauman.
Não temos ainda, de acordo com o escritor, uma visão de longo prazo e “nossas ações consistem principalmente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando”. Elas também são líquidas, afirmou. “Vêm e vão, uma é substituída por outra, as manchetes, de hoje, amanhã já caducam, e as próximas manchetes apagam as antigas da memória, portanto, é a desordem”. O foco na construção do poder baseado na solidez das instituições, das indústrias etc, que vigorou até meados do século 20, transformou-se no contrário: na cultura do imediatismo, do prazer, da individualização, na identificação da visão da felicidade com o aumento do consumo, disse.

Na economia, a modernidade líquida manifesta-se, segundo ele, principalmente na globalização, em que o poder se move com a velocidade do sinal eletrônico, tornando-se verdadeiramente extraterritorial. A maioria das populações assentadas nos países é dominada pela “elite nômade”, apontou Bauman. “Fixar-se ao solo não é tão importante se o solo pode ser alcançado e abandonado à vontade, imediatamente ou em pouquíssimo tempo”.

O fato de a “elite nômade” não estar mais confinada a um território lhe traz ainda outras vantagens, como ficar livre dos complicados compromissos de administração e manutenção da ordem nos territórios onde atua. Assim, ela “pode dominar sem se ocupar com o gerenciamento e o bem-estar dos países e suas populações”. Até mesmo as guerras, observou, são pelos ares, com drones e ataques de mísseis, e cada vez menos com tropas terrestres.

Classe média

A “modernidade líquida” está acabando, também, com a divisão entre classe média e proletariado da era industrial. Estamos testemunhando o processo denominado “precariado”, ressaltou Bauman, citando o também sociólogo Guy Standing. A classe média, que era parte da sociedade mais bem sucedida e confiante, está se transformando muito rapidamente no precariado, termo que combina “precário” e “proletariado”. “As pessoas estão inseguras em relação à sua posição”, observou.

Há, aparentemente, mais liberdade, pois a iniciativa pessoal ganhou mais peso. Porém, no lugar de cidadãos, a sociedade passou a ser integrada por indivíduos, mas “indivíduos por fatalidade”, não por escolha, pois, citando Herbert Sebastian, Bauman lembrou que “a verdade que torna os homens livres é, na maioria dos casos, a verdade que os homens preferem não ouvir”.

uncia, contudo, tormentos mentais e a agonia da indecisão, complementou ele, citando o cientista político Charles Murray, e acrescentando: a ‘responsabilidade sobre os próprios ombros’ prenuncia um medo paralisante do risco e do fracasso, sem direito a apelação ou desistência.

Na sociedade de indivíduos, se eles “ficam doentes, supõe-se que foi porque não foram suficientemente decididos e industriosos para seguir seus tratamentos; se ficam desempregados, foi porque não aprenderam a passar por uma entrevista, ou porque não se esforçaram o suficiente para encontrar trabalho ou porque são, pura e simplesmente, avessos ao trabalho; se não estão seguros sobre as perspectivas de carreira e se agoniam sobre o futuro, é porque não são suficientemente bons em fazer amigos e influenciar pessoas, e deixaram de aprender e dominar, como deveriam, as artes da autoexpressão e da impressão que causam”, comentou o sociólogo.

O abismo entre a individualidade como fatalidade e a individualidade como capacidade rea­lista e prática de autoafirmação está aumentando, destacou o sociólogo, acrescentando que o indivíduo é o pior inimigo do cidadão. Segundo ele, “o cidadão é uma pessoa que tende a buscar seu próprio bem-estar através do bem-estar da cidade – enquanto o indivíduo tende a ser morno, cético ou prudente em relação à ‘causa comum’, ao ‘bem comum’, à ‘boa sociedade’ ou à ‘sociedade justa’”.

É desse abismo que emanam os eflúvios mais venenosos que contaminam as vidas dos indivíduos contemporâneos, afirmou Bauman. Na sua opinião, “transpor o abismo é a tarefa da Política com P maiúsculo, na qual os problemas privados são traduzidos para a linguagem das questões públicas; e soluções públicas para os problemas privados são buscadas, negociadas e acordadas”. O espaço público está cada vez mais vazio de questões públicas, ressaltou, para lembrar que o “indivíduo por fatalidade” não pode se tornar “indivíduo de fato”, sem antes tornar-se cidadão. “Não há indivíduos autônomos sem uma sociedade autônoma”, observou.

Ser moderno
A sociedade dos “indivíduos por fatalidade” levou à sociedade do consumismo. Contudo, ressaltou Bauman, não se compram apenas comida, sapatos, automóveis ou itens de mobiliá­rio etc. Há “uma busca ávida e sem fim por novos exemplos aperfeiçoados e por receitas de vida” que são uma variedade do comprar. “Ser moderno passou a significar ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo ‘adiamento da satisfação’, como sugeriu Max Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação”, afirmou.

O amor tampouco escapa da liquidificação da sociedade, na visão do sociólogo. Para ele, no mundo de furiosa individualização os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. “Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam, embora em diferentes níveis de consciência. Os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência. Por isso, escreveu, os “relacionamentos” transformaram-se no cerne das atenções dos indivíduos modernos e líquidos. É, aparentemente, o único jogo que vale a pena para elas, “apesar de seus óbvios riscos”.

Para transformar os “indivíduos por fatalidade” em “indivíduos de fato” e, portanto, em cidadãos, Bauman opinou que a educação ocupa um lugar central. Mas, ressalvou, nosso sistema educacional atual é uma das vítimas da cultura do imediatismo. “Educação e imediatismo são termos contraditórios. Ou se tem uma educação de qualidade ou se tem o imediatismo. E este é um problema terrível”.

O sociólogo desconfiava do ativismo digital, que quer mudar o mundo por meio da internet, e relativizava o poder que se atribui às redes sociais. Defendia que o verdadeiro diálogo só se realiza nas interações com os diferentes, e não nas “zonas de conforto”, nas quais os internautas debatem com quem pensa igual a eles, as chamadas “bolhas ideológicas”.

Contudo, Bauman não era pessimista em relação aos rumos da humanidade. Ao analisarmos nossa história, observou, a perspectiva é animadora. Apesar dos fatos terríveis e ultrajantes que acontecem hoje, a humanidade é menos cruel e sórdida do que já foi, opinou. “Houve muitas crises na história da humanidade, muitos períodos de interregno, nos quais as pessoas não sabiam o que fazer, mas elas sempre acharam um caminho”. Sua única preocupação, destacou, é o tempo que levarão, agora, para achar o caminho. “Quantas pessoas se tornarão vítimas até que a solução seja encontrada?” – indagou.

Bauman foi um dos mais importantes pensadores contemporâneos

Zygmunt Bauman é considerado um dos mais importantes pensadores das últimas décadas. De família judia não praticante, ele tinha 13 anos quando, juntamente com ela, escapou da perseguição nazista na Polônia e se refugiou na União Soviética, onde se alistou na divisão polonesa do Exército Vermelho. Sua atuação durante a Segunda Guerra lhe valeu uma medalha, em 1945.

Posteriormente, retornou a Varsóvia, onde passou a estudar sociologia. Casou-se com Janina Lewinson, sobrevivente do gueto da capital polonesa, também escritora, e sua companheira até a morte, em 2009. O casal teve três filhas.

Trabalhou como professor emérito da Universidade de Varsóvia até 1968, quando se viu, mais uma vez, vítima de antissemitismo, após uma série de protestos estudantis, de artistas e de intelectuais contra a censura do regime comunista, e no contexto internacional da Guerra dos Seis Dias. 

Abandonou, então, a Polônia e, após morar por um tempo em Israel, mudou-se para a cidade de Leeds, na Inglaterra, onde passou a lecionar na universidade local. Lá viveu até sua morte em janeiro último. Escritor profícuo – escreveu cerca de 50 livros, além de inúmeros artigos – permaneceu ativo até os últimos momentos de vida.

Fontes:
1.    Modernidade líquida – Editora Zahar
2.    Tempos líquidos – Editora Zahar
3.    Amor líquido – Editora Zahar
4.    Entrevista a Marcelo Lins/Programa Milênio/Globonews
5.   El País (http://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/09/cultura/1483979989_377259.html)
6.    Wikipédia – acesso em 29 de maio/2017

*Editora da Ser Médico

 

 


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