CAPA
EDITORIAL
Ponto de Partida
ENTREVISTA
Pierre Lévy: Medicina & Internet
CRÔNICA
Luis Fernando Veríssimo
EM FOCO
Gêmeos
TELEMEDICINA
Raul Cutait
DEBATE
A Medicina e os Laboratórios
SINTONIA
Wilson Luiz Sanvito
COM A PALAVRA
Aureliano Biancarelli
LIVRO DE CABECEIRA
"A Linha de Sombra"
CULTURA
Arte Naif
HISTÓRIA DA MEDICINA
Cirurgias das Amígdalas
GOURMET
Penne ao contadino
CARTAS & NOTAS
Comentários e agradecimentos
POESIA
Gregório de Mattos
GALERIA DE FOTOS
TELEMEDICINA
Raul Cutait
O alcance e os impactos da TelemedicinaRaul Cutait*
Diz a história (ou a lenda) que, em 490 a.C., Pheidippides correu sem descanso uma distância de mais de 40 quilômetros, de Marathon até Atenas, a fim de levar a notícia da vitória grega sobre os persas. Com o correr dos tempos, a maneira e a velocidade de se comunicar mudou radicalmente. Alguns passos foram decisivos: a criação do alfabeto, a imprensa de Guttenberg e a descoberta das ondas sonoras e eletromagnéticas, que permitiu a criação e o desenvolvimento da telegrafia, da telefonia, do rádio e da televisão. Mais recentemente, tudo mudou com os computadores e, em especial, com a Internet, que permite o acesso à informação de forma impensável até poucos anos atrás.
As novas tecnologias de telecomunicações, utilizando ondas de rádio, cabos e satélites, possibilitaram a transmissão de informações à distância, inclusive com interação em tempo real entre pessoas em localidades geográficas distintas. Todos os setores da atividade humana sentiram o impacto das telecomunicações, inclusive a Medicina, que agregou a abrangente denominação telemedicina.
A telemedicina compreende várias áreas de atuação: educação à distância, atendimento à distância, segunda opinião, pesquisa e conexão de centros médicos. Em todas essas áreas, a relação entre as pontas pode ser com ou sem interatividade, na dependência de três aspectos: o interesse na interatividade, o acesso à tecnologia apropriada e os custos. Atualmente, a interatividade é factível por Internet, em especial por banda larga, e via satélite, permitindo a transmissão de textos, voz e imagens. Os custos são variáveis, mas ainda muito altos para transmissões via satélite.
A utilização dessas tecnologias tem maior impacto na área de educação à distância, devido à atual conjuntura do exercício da medicina: médicos mal remunerados, que têm dificuldades em participar in loco de cursos e congressos; e grande volume de novos conhecimentos que devem ser agregados à prática médica.
Nesse cenário, a telemedicina pode facilitar enormemente o acesso do médico e de outros profissionais de saúde a informações e experiências de quaisquer centros médicos, trazendo benefícios à formação individual e, conseqüentemente, à qualidade das ações médicas. Por meio de teleconferências é possível administrar aulas e cursos, promover discussão de casos, transmitir seminários e congressos, além de programas de educação continuada. O atendimento à distância é mais abrangente e compreende consultas, avaliação de exames diagnósticos e procedimentos terapêuticos. Em algumas situações, a interação é fundamental; em outras, é opcional ou mesmo desnecessária.
As teleconsultas podem ser realizadas por meio de voz e imagem. Em algumas situações, há o interesse de interatividade e, em outras, não, o que diminui os custos. Certamente haverá um importante crescimento dessa modalidade, em função da integração de centros médicos, tanto no setor público quanto no privado, uma vez que podem melhorar a qualidade de atendimento e a efetividade de sistemas.
O telediagnóstico – ou a avaliação de imagens radiológicas, endoscópicas, histológicas e de exames gráficos cardiológicos ou de lesões dermatológicas – pode ser efetuado à distância por imagens transmitidas por Internet de banda larga ou via satélite. Pode ser realizado por um médico em particular ou por um grupo de profissionais de um determinado centro. Entretanto, as reuniões interativas para discussão de casos de maior complexidade, cada vez mais freqüentes, agregam um aspecto educacional aos encontros.
A transmissão ao vivo de procedimentos cirúrgicos, com especialistas orientando no diagnóstico e tratamento, é um campo ainda pouco desenvolvido e que pode ser de grande importância para casos mais complexos, frente à pouca experiência de um cirurgião – em especial nas urgências – ou quando o paciente ou sua família expressa o desejo de um outro cirurgião acompanhar a operação. A transmissão de cirurgias ao vivo é feita via satélite, com uma limitação técnica – a imagem chega ao outro lado com cerca de quatro segundos de atraso, o que pode ter importância em algumas circunstâncias.
Já o telemonitoramento é uma área que vem se desenvolvendo rapidamente e permite desde a monitorização cardíaca ou pressórica ao controle de diversos parâmetros de pacientes de UTI, à distância e em tempo real. Para tanto, utilizam-se desde linhas telefônicas normais até, preferencialmente, redes de banda larga.
Telecirurgia
Existem situações em que o paciente pode requerer atendimento sem a presença de um cirurgião devidamente treinado para o procedimento proposto. Sem a barreira geográfica, pode-se proceder à cirurgia com controle dos instrumentos à distância, isto é, o cirurgião local opera e o cirurgião à distância controla os equipamentos. Ou, então, o cirurgião opera à distância, auxiliado pelo cirurgião local. Embora esta segunda opção seja atraente, do ponto de vista prático, tem limitações porque requer equipamentos onerosos e equipe cirúrgica para auxílio local. No entanto essa proposta é representativa para atuar em locais remotos, como a Antártida. Os equipamentos mais desenvolvidos para essas cirurgias são o Zeus e o da Vinci, com tecnologia acoplada à videocirurgia.
Segunda opinião
Por videoconferência, pode-se estabelecer a conexão com centros ou profissionais que podem emitir suas opiniões em casos de maior complexidade, de dúvida quanto ao diagnóstico ou conduta ou, então, quando se pretende compartilhar a responsabilidade da decisão. A segunda opinião requer interatividade e, ao contrário da discussão de caso, é uma maneira formal de se consultar. Por meio de teleconferências, também é possível facilitar a interação entre equipes que trabalham em pesquisas de maneira cooperativa, reduzindo custos relativos a viagens e hospedagem.
Com a criação de redes ou associação logística entre grupos de hospitais, aliada à tendência de padronização de condutas, torna-se cada vez mais comum a realização de videoconferências para discussões clínicas, programas integrados de ensino ou pesquisa, bem como para reuniões administrativas. Apesar da interatividade ser desejável, nem sempre é factível ou necessária, o que permite a utilização da Internet por banda larga, minimizando os custos.
A telemedicina cria novas questões quanto a aspectos éticos e legais relacionados à prática médica. A transmissão de informações não pode deixar de proteger a privacidade do paciente e de seus dados médicos. Um outro aspecto importante é quanto à posse das informações que transitam: são elas do médico ou da instituição de onde provém o paciente ou o lado consultado pode também se utilizar das informações obtidas? Finalmente, cabe um questionamento sobre a atuação de profissionais estrangeiros, quer dando segunda opinião, quer realizando diagnósticos ou procedimentos à distância: devem eles responder às leis do país de origem do paciente? Essas perguntas têm gerado amplas discussões em diferentes fóruns, inclusive nos nossos Conselhos de Medicina e é importante que as definições sejam sempre em favor dos direitos dos pacientes.
Graças à tecnologia de telecomunicações e custos cada vez mais aceitáveis, tem sido possível observar uma rápida incorporação da telemedicina à cultura médica, de modo a atuar como um importante instrumento de ensino, atendimento e pesquisa.
* Raul Cutait é cirurgião do aparelho digestivo, professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e diretor geral do Centro de Oncologia do Hospital Sírio Libanês.