CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Bráulio Luna Filho
ENTREVISTA (págs. 4 a 9)
Göran Hansson
CRÔNICA (págs. 10 a 11)
Sady Ribeiro*
EM FOCO (págs. 12 a 15)
Oliver Sacks
DEBATE (págs.16 a 21)
Ética e Bioética
SINTONIA (págs. 22 a 24)
Tudo em excesso é veneno!
CARTAS & NOTAS (pág. 25)
Espaço dos leitores
DEPOIMENTO (págs. 26 a 29)
Por dentro de um CAPSad
GIRAMUNDO (págs. 30 a 31)
Curiosidades da Medicina
PONTO.COM (págs. 32 a 33)
Ciência no mundo digital
HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 34 a 37)
Stefan Cunha Ujvari*
CULTURA (págs. 38 a 42)
Coleção de arte
+CULTURA (págs. 42 a 43)
Galeano & Grass
TURISMO (págs. 44 a 47)
Ouro Preto e Diamantina
FOTOPOESIA (pág. 48)
Eduardo Galeano
GALERIA DE FOTOS
SINTONIA (págs. 22 a 24)
Tudo em excesso é veneno!
Quando os remédios são venenos
Prescrição excessiva faz com que pacientes estoquem medicamentos em casa, facilitando intoxicações químicas
Anthony Wong*
A diferença entre remédio e veneno é a dose e o motivo do uso do primeiro. Prova disso são as alarmantes estatísticas nacionais e internacionais da exposição indevida a substâncias químicas. Dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas (Sinitrox), do Ministério da Saúde, mostram que ocorreram 99.035 relatos de intoxicação humana, em 2012, no Brasil. Desse total, calcula-se que 45,3% devem-se a medicamentos, com pelo menos 20 mortes por erro de medicação e automedicação.
Estatísticas mais confiáveis, e preocupantes, vindas dos Estados Unidos indicam que eventos adversos e erros decorrentes do uso de remédios causam um prejuízo de mais de US$ 117 bilhões, anualmente, ao sistema de saúde local, além de resultar em mais de 106 mil óbitos, sendo a quarta ou quinta maior causa de morte.
Os números não mentem, existem graves problemas que levam a essas estatísticas alarmantes. Em nosso país, o primeiro deles é o fato de os brasileiros acumularem estoques de remédios em suas casas sem conhecer o enorme risco representado por essa prática. Mas, se muitos medicamentos possuem venda controlada, como as pessoas os estocam? As respostas são várias e vão desde equívocos do paciente a médicos que receitam indevida e excessivamente, em decorrência, entre outros fatores, da má formação e do bombardeio de novos remédios por meio da propaganda e do agressivo marketing da indústria farmacêutica.
O estoque de medicamentos induz a uma situação corriqueira muito comum entre os pacientes, mas que representa um perigo: grande número deles guarda as caixas desses remédios muito próximas umas das outras, o que pode confundir, principalmente, os idosos, na hora de tomá-los. Infelizmente, é também comum que, por esquecimento, eles acabem tomando doses repetidas do mesmo remédio. Acontece ainda de pais darem medicamento errado aos filhos.
Muitas vezes, os pacientes recorrem ao seu estoque de remédios por não conseguir agendar consultas médicas. E chegam até mesmo a indicá-los a amigos e familiares que apresentam “sintomas parecidos”.
Embora a quantidade de cosméticos e produtos de higiene em uma residência padrão brasileira seja, em geral, maior que a de remédios, eles representam um percentual menor nos casos de intoxicações, cerca de 20%. Isso porque têm menor toxicidade, e, ao contrário dos medicamentos, não possuem atrativos para ingestão oral, que aumentam os riscos.
Prescrição médica
Para diminuirmos o número de intoxicações, a excessiva prescrição de medicamentos por parte dos médicos precisa ser revista. Os pacientes chegam a uma consulta e, quase invariavelmente, saem com uma receita na mão para algo que, não necessariamente, é um sintoma. Há profissionais que sequer perguntam se o paciente já está tomando outros remédios, para evitar interações medicamentosas.
Muitas vezes, o médico prescreve o tratamento apenas em decorrência da reclamação do paciente, ao invés de levar em consideração a alteração fisiológica e funcional do medicamento. Em breve, a pessoa terá vários produtos farmacêuticos à disposição e irá ingeri-los de acordo com a “dor” que sentir, sem um controle específico.
As causas da prescrição desenfreada começam lá atrás. O aluno de Medicina depara-se, atualmente, com um cenário no qual há muito mais conhecimento científico que há 10 anos. Porém, o curso continua tendo a mesma duração de seis anos. Os médicos saem da faculdade sem ter tido tempo suficiente para aprender o necessário do básico, nem para assimilar os novos e constantes avanços tecnológicos. Acabam não aprendendo a examinar, de maneira adequada, o paciente que chega ao seu consultório.
Ao invés de tratar a doença, deve-se tratar o doente que, por vezes,
não precisa de remédio, mas de uma palavra de conforto
A formação insuficiente é compensada com excessivos pedidos de exames. Por vezes, os profissionais têm, até mesmo, pouca habilidade em interpretá-los. Logo começam a ter problemas em fazer diagnósticos corretamente e, consequentemente, em prescrever tratamentos.
Não bastassem esses fatores para o aumento da probabilidade de prescrever em demasia, há também a influência da indústria farmacêutica sobre os estudantes, recém-formados e, mesmo, médicos com experiência. Contudo, incompreensivelmente, não há na grade das escolas médicas orientações sobre os efeitos adversos e as interações de medicamentos, nem sobre as consequências do uso prolongado deles, embora essas informações sejam essenciais para a formação profissional.
Basta refletir: quantos antidepressivos, soníferos e outros diversos medicamentos foram lançados nos últimos anos? Qual a diferença entre as novas medicações e as antigas? Será que aumentou, realmente, a qualidade desses remédios? Muitas vezes, não.
Por isso, é importante que o médico respeite um dos primeiros mandamentos da profissão, primum non nocere, ou seja, antes de tudo, não cause mais danos. Essa deve ser a meta da conduta médica. A prescrição de medicamento deve ser feita com cautela. Um médico melhor prescreve menos remédios. É preciso compaixão. Ao invés de tratar a doença, deve-se tratar o doente que, por vezes, não precisa de remédio, mas de uma palavra de conforto.
*Diretor Médico do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Fmusp de São Paulo, médico assistente do Instituto da Criança e assessor da Organização Mundial de Saúde