CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Bráulio Luna Filho
ENTREVISTA (págs. 4 a 9)
Göran Hansson
CRÔNICA (págs. 10 a 11)
Sady Ribeiro*
EM FOCO (págs. 12 a 15)
Oliver Sacks
DEBATE (págs.16 a 21)
Ética e Bioética
SINTONIA (págs. 22 a 24)
Tudo em excesso é veneno!
CARTAS & NOTAS (pág. 25)
Espaço dos leitores
DEPOIMENTO (págs. 26 a 29)
Por dentro de um CAPSad
GIRAMUNDO (págs. 30 a 31)
Curiosidades da Medicina
PONTO.COM (págs. 32 a 33)
Ciência no mundo digital
HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 34 a 37)
Stefan Cunha Ujvari*
CULTURA (págs. 38 a 42)
Coleção de arte
+CULTURA (págs. 42 a 43)
Galeano & Grass
TURISMO (págs. 44 a 47)
Ouro Preto e Diamantina
FOTOPOESIA (pág. 48)
Eduardo Galeano
GALERIA DE FOTOS
EM FOCO (págs. 12 a 15)
Oliver Sacks
O adeus de Oliver Sacks
Em carta pública, que repercutiu no mundo todo, o médico neurologista e escritor consagrado, em estado de saúde terminal, fala sobre a vida e a morte
Era para ser uma carta de despedida, mas é um tributo à vida, singelo, comovente e, ao mesmo tempo, profundo, à altura de seu autor, Oliver Sacks, um dos neurologistas com produção literária mais significativa da contemporaneidade. Publicado no The New York Times, em fevereiro último, o texto intitulado Minha própria vida repercutiu no mundo todo. Aos 81 anos, o escritor e cientista encontra-se em estado de saúde terminal devido a um melanoma raro no olho direito, com metástase. A carta recebe o mesmo título – e é por ela inspirada – da autobiografia do filósofo escocês David Hume (1711-1776), citado por Sacks.
“Não posso fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Amei e fui amado; recebi muito e dei algo em troca; li, viajei, pensei e escrevi”, registrou o médico, que luta contra a doença desde sua descoberta, em 2006. Em seu livro O Olhar da Mente (2010) conta casos de pessoas com diferentes males, a maioria oculares, e se apresenta também como paciente. No capítulo “Persistência da visão: um diário”, o autor faz uma reunião de relatos cotidianos sobre sua doença, desde a percepção de sua existência – em uma ida corriqueira ao cinema –, passando pelo diagnóstico e tratamento, até a cegueira que o atingiu no olho afetado.
“É difícil estar mais separado da vida do que eu estou no presente”, afirma o neurocientista. Mas, completa, ao se distanciar da vida, olhando-a “como uma paisagem”, sente maior conexão com a própria existência. “Isso não quer dizer que terminei de viver. Pelo contrário, eu me sinto intensamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento”, escreveu. “Isso vai envolver audácia, clareza e, dizendo sinceramente: tentar passar as coisas a limpo com o mundo. Mas vai haver tempo, também, para um pouco de diversão (e até um pouco de tolice)”.
O médico reflete sobre sua jornada, mas em nenhum momento em tom de luto. “Estou agora com uma rápida deterioração. Sofro muito pouca dor com a minha doença; e, o que é mais estranho, nunca sofri um abatimento de ânimo. Possuo o mesmo ardor para o estudo, e a mesma alegre companhia de sempre”.
Contudo, declara que não vai mais dedicar seu tempo para as notícias sobre política ou mudanças climáticas. “Isso não é indiferença, mas desprendimento – eu ainda me importo profundamente com o Oriente Médio, com o aquecimento global, com a crescente desigualdade social, mas isso não é mais assunto meu; pertence ao futuro. Alegro-me quando encontro jovens talentosos – até mesmo aquele que me fez a biópsia e chegou ao diagnóstico de minha metástase. Sinto que o futuro está em boas mãos.”
Doença e identidade
Falando sobre a perda dos amigos, o médico demonstra sabedoria ao lidar com a morte. “Minha geração está de saída, e sinto cada morte como uma ruptura, como se dilacerasse um pedaço de mim mesmo. Não vai haver ninguém igual a nós quando partirmos, assim como não há ninguém igual a nenhuma outra pessoa. Quando as pessoas morrem, não podem ser substituídas. Elas deixam buracos que não podem ser preenchidos, porque é o destino – o destino genético e neural – de cada ser humano ser um indivíduo único, achar seu próprio caminho, viver sua própria vida, morrer sua própria morte”, escreveu.
Em entrevista ao jornal El País, em 1997, Sacks falou sobre como interpretava a relação de seus pacientes com as enfermidades que os acometiam. “Para mim é fundamental a relação que se estabelece entre doença e identidade, e a forma como a pessoa reconstrói seu mundo e sua vida a partir dessa doença”. Para ele há um fenômeno de se descobrir uma vida positiva, diferente, após certos diagnósticos. “Mas não quero parecer sentimental perante a doença. Não estou recomendando que se tenha de ser cego, autista ou sofrer da síndrome de Tourette, de forma alguma, mas em cada caso surgiu uma identidade positiva após algo calamitoso. Algumas vezes, a doença pode nos ensinar o que a vida tem de valioso e nos permitir vivê-la mais intensamente”.
Vivenciando sua teoria, Sacks irá deixar, além de uma obra importantíssima para a medicina e para a popularização da neurologia, uma bela mensagem de despedida. “Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal pensante nesse planeta maravilhoso, e isso, por si só, tem sido um enorme privilégio e aventura”, finaliza.
Neurologia e literatura
Oliver Sacks nasceu em 1933, filho de físicos. Formou-se médico em Oxford, mudando-se para os Estados Unidos nos anos 60, onde estudou em São Francisco e se especializou em neurologia na Universidade da Califórnia de Los Angeles. Indo para Nova Iorque em 1965, começou a trabalhar como professor assistente de neurologia na Escola de Medicina Albert Einstein, na Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque, e como consultor de neurologia em uma instituição de caridade.
O autor, que dominou com precisão a mescla da escrita descomplicada acerca de ciência com a erudição necessária para uma grande obra literária, declara na carta que está prestes a lançar uma biografia e tem obras a concluir.
Tempo de despertar, seu livro de 1973, inspirou o filme de Penny Marshall, 1990, com Robin Williams e Robert de Niro nos papéis de médico e paciente, respectivamente, e ficou conhecido pelas indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro. A obra é baseada em relatos de um grupo de pacientes com encefalite letárgica, a “doença do sono”, que vivia em estado catatônico, atendido por Sacks no hospital Mount Carmel, nos EUA. Ao descobrir que os enfermos eram sobreviventes de uma epidemia da doença, ocorrida entre 1915 a 1926, ele conseguiu, entre 1969 e 1972, despertá-los com o uso de uma nova droga, acompanhando-os durante todo o tratamento.
Em 1985, o neurologista fez sucesso com O homem que confundiu sua mulher com um chapéu, que reúne casos raros e verdadeiros de doenças neurológicas – entre elas a Síndrome de Tourette, cujo estudo levou o médico a ganhar um prêmio da Fundação Guggenheim, em 1989.
Um antropólogo em Marte foi lançado em 1995 e, nele, Sacks relata sete histórias nas quais os pacientes têm de lidar com realidades diferentes das consideradas normais, desenvolvendo e explorando o potencial criado em seu corpo e mente, a partir dos males com os quais sofrem. Os casos acompanhados pelo médico são relatados com os detalhes e a sensibilidade de quem conhece seus pacientes a fundo, indo além do simples diagnóstico e conquistando suas confianças.
Ao longo de sua carreira publicou também Enxaqueca (1970) – seu primeiro livro, menos conhecido do público geral –, Com uma perna só (1984), Vendo vozes: Uma viagem ao mundo dos surdos (1989), A ilha dos daltônicos (1997), Tio Tungstênio: Memórias de uma infância química (2001), Oaxaca Journal (2002), Alucinações Musicais (2007) e A mente assombrada (2012).
(Colaborou: Natália Oliveira)