CAPA
PONTO DE PARTIDA (pg. 1)
Renato Azevedo Júnior - presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág.4)
Marcia Angell
HISTÓRIA (pág. 9)
Estados Unidos, por Gore Vidal
CRÔNICA (pág. 12)
Luis Fernando Verissimo*
ESPECIAL BOLÍVIA 1 (págs.14 a 25)
A realidade precária dos cursos de Medicina particulares
ESPECIAL BOLÍVIA 2 (págs.14 a 25)
Depoimentos sobre a formação médica em escolas particulares
CABECEIRA (pág. 27)
Por Reinaldo Ayer*
CONJUNTURA (págs. 28 a 31)
Longevidade e cuidados com o idoso
GIRAMUNDO (págs. 32-33)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades
PONTO COM
Informações do mundo digital
SUSTENTABILIDADE (pág. 36)
Idec, 25 anos
CULTURA (pág. 38)
A flauta encantada do mago do choro
HOBBY
Campeonato de Futebol de Equipes Médicas
GOURMET (pág. 44)
“Cozinhando eu relaxo”
FOTOPOESIA (pág. 48)
Paulo Leminski
GALERIA DE FOTOS
CULTURA (pág. 38)
A flauta encantada do mago do choro
Altamiro Carrilho foi um dos maiores instrumentistas da música popular brasileira. Com impressionante talento na flauta transversal, ao longo de 66 anos de carreira levou alegria e descontração a todos os locais onde se apresentou até dois dias antes de seu falecimento, em 15 de agosto último
Jean Pierre Rampal, que era tido como o mais importante flautista internacional, o considerava o melhor do mundo. Autor de mais de cem gravações em discos, fitas e CDs, compositor de cerca de duzentas canções, Altamiro Aquino Carrilho foi o expoente do Choro brasileiro em cerca de 40 países. Recebeu diversos prêmios e honrarias nacionais – entre eles o Troféu Villa-Lobos, de melhor disco por Clássicos em Choros; o Disco de Ouro pelo Clássicos em Choro nº 2; e a Ordem do Mérito Cultural –, em reconhecimento ao seu talento e luta incansável em prol da música brasileira, entre outras gratificações importantes que evidenciam seu talento e peso no cenário musical.
Incrivelmente, foi numa flautinha de lata (presente de Natal aos cinco anos) que Carrilho mostrou seu potencial aos pais. A destreza com o brinquedo os convenceu de que o garoto precisava de aulas para lapidar seu talento. Com o passar dos anos, ele fazia suas próprias flautas de bambu para tocar sozinho em casa, sob influência de Pixinguinha, Benedito Lacerda, Anacleto de Medeiros, Dante Santoro e outros.
Prêmios com programas de calouros renderam apresentações com grandes músicos como Pixinguinha
Um dia, Joaquim Fernandes – carteiro que trabalhava pelas ruas de Niterói, onde o músico morava aos 11 anos – ouviu uma bela melodia ao passar em frente à casa dos Carrilho. Ao descobrir o garoto, ofereceu-lhe aulas gratuitas. Nelas, o jovem aprendeu teoria musical, conciliando o aprendizado na escola com o trabalho na farmácia do tio. Economizou e conseguiu comprar o primeiro instrumento que, segundo o próprio artista, “era uma flauta velha, mas muito velha, eu acho que era de milésima ou coisa parecida”.
Foi com essa flauta que ele ganhou prêmios de calouros, inclusive o do programa Calouros em desfile, de Ary Barroso. Sua participação lhe trouxe um bom dinheiro, com o qual comprou uma flauta de melhor qualidade e auxiliou a família. A premiação deu-lhe, também, visibilidade, rendendo apresentações e contatos, como o que fez com Moreira da Silva. Aos 14 anos, após convite de Silva, gravou em estúdio seu primeiro disco, acompanhando o conjunto de Benedito Lacerda – que, devido à doença, deu lugar a Carrilho.
Carreira internacional
Em paralelo, tinha aulas com professores como Moacir Lisserra, Celso Woltzenlogel e Ari Ferreira, todos de primeira linha. Com tanto conhecimento e talento, os convites para viajar ao exterior não demoraram a surgir. Apresentou-se em mais de 40 países, entre eles Estados Unidos, União Soviética, México, Portugal, Espanha, Alemanha, França e Inglaterra, integrando um grupo de músicos patrocinado pelo governo brasileiro para divulgar a música nacional. Tornou-se conhecido internacionalmente, aproveitando para tocar e aprender ainda mais com os maiores músicos do Brasil e do mundo.
Gravou canções de Cartola (As rosas não falam e O mundo é um moinho) e Chico Buarque (Meu caro amigo), além de tocar com Elis Regina, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Nara Leão, entre outros. Apresentou-se em diversos festivais, como o Festival de Música de Londrina, em 1999. Aldo Moraes – músico e coordenador de projetos como o Batuque de Caixa, que atende mais de 5,6 mil crianças – esteve com Carrilho nos dois dias em que o artista participou do evento. Conversaram sobre música, choro e a importância do legado da cultura brasileira chegar aos jovens. “Em todos esses anos, desde que nossa equipe teve essa profunda ligação com Altamiro, o músico tem sido inspiração e modelo. Tanto que mantínhamos contato permanente, a ponto de ele nos enviar material e dicas sobre ensino da música para nossos projetos”, comentou.
Em 2009, com então 84 anos, Carrilho se apresentou duas vezes no Sesc Pinheiros, na capital. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o artista disse estar numa fase “bem moderada, pois o médico anda em cima”. Dois anos antes, havia recebido duas pontes de safena. “Tenho de tomar cuidado porque a flauta exige muito”, disse. Mesmo assim, afirmou que não pensava em interromper a carreira. “Ainda dependo do trabalho para sobreviver, pois aposentadoria de músico é muito baixa. Eu não soube guardar dinheiro quando tocava com frequência no exterior. Mas não me arrependo porque a vida é feita para ser vivida”. Os shows aconteceram por ocasião do lançamento oficial da caixa Poesia do Choro, com três CDs de Altamiro. “O resultado é uma boa mostra do que foi a minha carreira”, garantiu.
Virtuosismo
Dias antes de falecer, em decorrência de um câncer de pulmão, em 15 de agosto deste ano, fez duas apresentações em Brasília, exibindo técnica e virtuosismo com sua flauta nas três músicas tocadas, acompanhado do Grupo Choro Livre. O último show foi em Uberlândia, em julho.
Rubens Antonio da Silva, o famoso Caçulinha, comentou sobre o músico à agência de notícias Reuters: “Ele ajudou a difundir a bossa nova e era um gênio, um virtuoso. Tocava vários instrumentos, era muito dedicado e estudava mais de duas horas por dia”. O guitarrista Andreas Kisser, da banda de heavy metal Sepultura, prestou singela homenagem ao músico em sua conta no Twitter: “Descanse em paz, foi uma honra ter tocado ao seu lado!”.
A marca de Carrilho foi ser plural, sintetizando vários estilos e escolas em um instrumentista só, além de criar suas próprias linguagens e identidade. Com ele, todas as notas soavam com expressividade e extrema limpidez. Aldo Mo¬raes afirma: “ele assistiu a todas as fases da música brasileira no século 20, sempre mantendo seu foco nas formas instrumentais que deram fama à nossa música. Mas também interpretou a obra de clássicos europeus e se aventurou por ideias contemporâneas em suas composições. Com sua genialidade, bom humor e criatividade, Altamiro Carrilho se tornou grande referência instrumental em seu país e um destacado e reverenciado flautista em todo o exterior. Deixou um legado que ainda nos vai dar muito orgulho”.
Discografia básica
Altamiro Carrilho gravou mais de cem discos em toda sua carreira. Entre os principais, estão:
• Altamiro Carrilho e sua bandinha na TV (1957)
• Altamiro Carrilho e sua flauta azul (1957)
• Era só o que flautava (1960)
• Desfile de Sucessos (1961)
• Choros imortais (1964)
• Clássicos em Choro (1979)
• Clássicos em Choro Vol. 2 (1980)
• Flauta Maravilhosa (1996)
Colaborou: Jonas Carvalho