CAPA
EDITORIAL
Ponto de Partida
ENTREVISTA
Lygia da Veiga Pereira
CRÔNICA
Heloísa Seixas
CONJUNTURA
Hélio Sader
COM A PALAVRA
Carlos Alberto Pessoa Rosa
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Cremesp cria Centro de Bioética
DEBATE
Medicina Defensiva
LIVRO DE CABECEIRA
A Morte de Ivan Ilitch e O Livro de San Michele
CULTURA
Adriana Bertini
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Egito Antigo
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Patagônia: terra de contrastes
POESIA
Carlos Vogt
GALERIA DE FOTOS
EM FOCO
Cremesp cria Centro de Bioética
Cremesp cria Centro de BioéticaEspaço real e virtual para discussão, reflexão e promoção do desempenho ético da medicina.
O Centro de Bioética do Cremesp inicia suas atividades com o desafio de imprimir um enfoque mais conceitual aos dilemas éticos da medicina. Desde a sua criação, nos idos dos anos 50, por meio da Lei Federal n° 3.268, o Conselho Federal e os Con-selhos Regionais de Medicina têm, entre suas atribuições fundamentais, a de supervisionar a ética profissional e, ao mesmo tempo, julgar e disciplinar a classe médica, “cabendo-lhes zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente”. Não parece redundante, então, a iniciativa do Cremesp de implementar um espaço dirigido só à valorização dos – inúmeros – dilemas bioéticos, relacionados à prática médica?
“É como se fosse preciso colocar na porta de uma padaria a placa “aqui tem pão”, brinca o professor Gabriel Oselka, coordenador do Centro de Bioética do Cremesp, criado em janeiro de 2002. Neste caso, o “reforço” no óbvio além de válido, é necessário. Ainda que haja constante preocupação ética no dia-a-dia dos conselhos de medicina, suas atividades fins — de caráter judicante; de fiscalização e administrativa — absorvem tanto as instituições e seus conselheiros, que acabam fazendo sombra a importantíssimas reflexões.
Esforços e interesse não faltam, como comprovam inúmeras iniciativas, por exemplo, a Revista Bioética, do CFM. “Mas, se olharmos para o conjunto de ações dos conselhos de forma quantitativa, a área bioética, mais conceitual e relacionada à elaboração de diretrizes, fica para segundo plano”, opina Oselka, durante anos conselheiro do CFM e Cremesp. “Quando meus mandatos terminaram, esteve entre minhas frustrações o fato de não haver conseguido – porque não se conseguia – enfatizar esse assunto de forma merecida”.
Mentalidade bioética
De modo geral, os médicos brasileiros não desenvolvem ou estimulam o hábito de lidar com os complexos problemas bioéticos relativos à Saúde individual ou coletiva. “A atenção a esses dilemas é, às vezes, mais importante no atendimento aos pacientes do que na discussão técnica a que estamos habituadíssimos a fazer”, argumenta Oselka. Mesmo para os “iniciados”, é missão impossível dominar a totalidade dos desdobramentos bioéticos, que vão de minúcias na rotina clínica, ao mapeamento do genoma humano.
Por isso, figura entre os desafios do Centro de Bioética, colaborar para a mudança de uma mentalidade médica, hoje excessivamente focada em conceitos meramente técnicos e científicos. “Não pretendemos centralizar nada e, sim, agir como uma espécie de catalisadores e parceiros dos programas existentes dedicados à ética e bioética, seja no âmbito acadêmico, associativo ou de Organizações não-governamentais (Ongs)”, explica o coordenador. Os meios empregados — constantes da Resolução Cremesp n° 101, que originou o Centro — incluem incentivo à realização de encontros, simpósios e seminários, além de elaboração, aperfeiçoamento e divulgação de diretrizes a respeito do tema, ao lado da Câmara Técnica de Bioética do Cremesp.
Neste sentido, a intenção inicial é atuar em, pelo menos, duas vertentes. Uma, destinada aos médicos formados: “Penso que ‘educação continuada’ talvez não seja um bom termo. Para muitos, vai ser ‘educação começada, porque não fomos educados e nem temos vivência nesse universo”, acredita Gabriel Oselka. A segunda refere-se à educação médica em si: o Cremesp, através da criação do Centro de Bioética, pretende reforçar sua atual tendência de participação ativa no processo de melhoria do ensino – a exemplo de projetos como o da Cinaem (Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico). Manifesta, assim, seu profundo interesse filosófico em incentivar o estudo da Bioética nos primeiros anos da faculdade e ao longo da residência médica. A parceria com as universidades, prioridade absoluta do Centro de Bioética no início de 2003, visa ajudar as instituições a superar carências relacionadas a recursos operacionais, e, mesmo, à falta de motivação.
Avanços científicos e tecnológicos
O aprofundamento nas questões bio-éticas pode beneficiar a todos os médicos, independente da especialidade. Decisões éticas relacionadas ao final de vida, por exemplo, não são raras e justificam reflexões não aprendidas em compêndios técnicos. O que fazer? “Muitos acabam optando pela inércia, empenhando-se em um prolongamento desnecessário e doloroso ao paciente. Não têm o hábito de buscar outras alternativas lícitas para suas indagações”, diz o médico. Falta espaço e preparo.
Recentemente estruturada no Brasil, a área da Bioética ainda não possui alcance idêntico à correspondente em países europeus e nos EUA que há décadas vêem procurando soluções para meditações amplas, como as que envolvem a bioética perante aos avanços científicos e tecnológicos. “É preciso pensar não apenas sobre o impacto dessas inovações na atenção à saúde, mas no que vão acarretar à vida da população” argumenta o professor Oselka. Ou seja, a sociedade está realmente preparada para absorver as novidades e pagar o preço por elas?
Bem longe das – modernas – ponderações a respeito da possibilidade de se clonar um ser humano e suas implicações, a grande discussão bioética do século XXI deve esbarrar na alocação dos recursos de Saúde, prevê o coordenador do Centro de Bioética. “É menos atraente, por ser mais complexa, mas tenho absoluta convicção de que se não assumirmos a vanguarda da discussão, seremos atropelados por ela”. Segundo Oselka, até países do chamado Primeiro Mundo – antes, nada afeitos a abordar a justiça distributiva – demonstram inquietação.
Prova disso: “cinco anos atrás, lendo um artigo em uma revista bioética, me deparei com a maravilhosa posição de um conhecido autor que, partindo de um caso concreto, declarou que se recusava a discutir restrições financeiras no atendimento, pois, na opinião dele, ‘qualquer limitação de recursos na área da Saúde é antiética’. Que ótimo se vivêssemos nesse mundo ideal”, divaga o professor. “Quem dera”.
Multidiciplinar por excelência
As duas primeiras metas estabelecidas quando da criação do Centro de Bioética encontram-se em fase de finalização: o curso de Capacitação de Comissões de Ética Médica (CEMs) e o site de bioética.
O “desenho” dos módulos integrantes do curso é claro: divide-se em parte teórica – dedicada a demonstrar aos membros das comissões seu papel nas instituições e o que os CRMs esperam deles – e prática – relativa à discussão de casos médicos cuidadosamente escolhidos, a partir de situações verdadeiras.
Dentro do possível, pretende-se fornecer uma ferramenta estruturada para aprimorar a atuação das CEMs. “Não temos a ilusão de que iremos resolver todas as dificuldades ligadas ao desempenho das comissões”, explica Gabriel Oselka que, ao lado do cardiologista Max Grinberg, coordena o trabalho. Basicamente, o objetivo é aproximar os conselhos das instituições e, em especial, dos usuários.
“A idéia do site de Bioética (http://www.bioetica.org.br/) não é simplesmente apresentar o Centro. Mais importante é a sua filosofia, sua intenção de se transformar em referência de consulta em bioética, dinâmica e atraente o suficiente, ao ponto de cumprir seus propósitos educacionais e de difusão”, pondera Oselka. Vale a lembrança: apesar de ser destinado essencialmente a médicos e demais profissionais de saúde, o site é aberto a leigos. “Bioética que não seja multidisciplinar e não entenda que suas fronteiras ultrapassam o simples ato médico, que não se preocupa com o bem-estar do indivíduo, decididamente não é bioética”, termina Oselka.
Íntegra da Resolução que criou o Centro de Bioética
Diário Oficial do Estado; Poder Executivo, São Paulo, SP, n. 24, 6 fev. 2002, Seção 1, p. 63
Cria o Centro de Bioética do CREMESP e dá outras providências.
O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso das atribuições que lhe conferem a Lei 3.268/57, regulamentada pelo Decreto 44.045/58, e
CONSIDERANDO que a Bioética dedica-se "ao estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisões, condutas e políticas das ciências da vida e dos cuidados da saúde, utilizando uma extensa variedade de metodologias éticas, num contexto interdisciplinar";
CONSIDERANDO a abrangência temática da Bioética, a busca de um consenso mínimo, o pluralismo crescente em relação às questões cruciais da vida e da saúde;
CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária realizada em 29/01/2002,
RESOLVE:
Artigo 1º: Criar o Centro de Bioética do CREMESP, que será coordenado por um profissional indicado em Sessão Plenária da entidade.
Artigo 2º: O Centro de Bioética terá a seguinte finalidade:
a) conjuntamente com a Câmara Técnica de Bioética do CREMESP, propor debates e difundir assuntos pertinentes à matéria;
b) produzir e divulgar conhecimentos em Bio-ética, por meio dos periódicos do CREMESP, publicações específicas e outros meios de divulgação;
c) implementar projetos e atividades na área de Bioética por meio de parcerias e convênios com Universidades, Conselhos Profissionais, Sociedades de Especialidades, Fundações, Entidades e Organizações Governamentais e não Governamentais nacionais e internacionais;
d) promover, participar e apoiar eventos, congressos, cursos de capacitação e educação continuada na área de Bioética, desde que autorizados previamente pela Diretoria do CREMESP;
e) contribuir conjuntamente com a Câmara Técnica de Bioética para a elaboração, aperfeiçoamento e divulgação de diretrizes, códigos, leis, declarações e recomendações - nacionais e internacionais - na área de Bioética;
f) contribuir para a educação em Bioética e Ética Médica, colaborando com os cursos e Faculdades de Medicina e da área da saúde;
g) contribuir para a realização de julgamentos simulados de caráter didático, autorizados previamente pela Diretoria do CREMESP;
h) atuar como centro de estudos de referência em Bioética, incluindo a manutenção e atualização do acervo da Biblioteca do CREMESP sobre o tema;
i) através de decisão da Plenária do CREMESP, incentivar a pesquisa na área de Bioética, com oferta de bolsas para estudantes de Medicina e parcerias com universidades e sociedades científicas e de especialidades médicas;
j) atuar na capacitação das Comissões de Ética Médica e promover intercâmbio com os Comitês de Ética em Pesquisa;
k) acompanhar, desenvolver estudos e reflexões, bem como opinar junto aos Conselheiros e Delegados do CREMESP de forma consubstanciada sobre as implicações éticas, jurídicas e sociais da Medicina e da Ciência.
Artigo 3º: O CREMESP proverá o Centro de Bioética com recursos humanos necessários para o desenvolvimento das atividades e provisionará os demais recursos para a cobertura das respectivas despesas, devidamente autorizados pela Diretoria e Plenária.
Artigo 4º: Esta Resolução entrará em vigor na data da sua publicação.
São Paulo, 29 de janeiro de 2002.
APROVADA NA 2722ª SESSÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 29/01/2002.