PESQUISA  
 
Nesta Edição
Todas as edições


CAPA

EDITORIAL
Ponto de Partida


ENTREVISTA
Lygia da Veiga Pereira


CRÔNICA
Heloísa Seixas


CONJUNTURA
Hélio Sader


COM A PALAVRA
Carlos Alberto Pessoa Rosa


EM FOCO
Cremesp cria Centro de Bioética


DEBATE
Medicina Defensiva


LIVRO DE CABECEIRA
A Morte de Ivan Ilitch e O Livro de San Michele


CULTURA
Adriana Bertini


HISTÓRIA DA MEDICINA
Egito Antigo


TURISMO
Patagônia: terra de contrastes


POESIA
Carlos Vogt


GALERIA DE FOTOS


Edição 21 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2002

CONJUNTURA

Hélio Sader

Será o fim da era dos antibióticos?

Hélio Sader*

As estratégias utilizadas para controlar a resistência bacteriana aos antibióticos não estão sendo eficazes. Os microrganismos se mostram mais ágeis e rápidos que a indústria farmacêutica.

A descoberta dos antibióticos é descrita como a mais importante da história da medicina na área terapêutica. Essa classe de drogas revolucionou a capacidade do médico de salvar vidas e controlar doenças causadas por microrganismos. Devido à capacidade de cura de doenças anteriormente fatais, especialmente quando a penicilina foi descoberta, essas drogas foram denominadas “milagrosas”. Na verdade, ainda hoje merecem destaque no arsenal terapêutico devido ao impacto positivo no tratamento de doenças infecciosas. Paradoxalmente, esse grande sucesso tem sido responsável, pelo menos em parte, pela progressiva falência dessas mesmas drogas e de seu potencial terapêutico; as drogas milagrosas estão destruindo o milagre.

A extrema eficácia dessas drogas na cura das infecções promoveu uma utilização extensiva durante várias décadas, inclusive acreditou-se que levariam à erradicação de doenças infecto-contagiosas. Porém, os pesquisadores não previram a grande variedade genética dos microrganismos. As bactérias, por exemplo, apresentam um ciclo de vida muito curto e estão presentes em grande número no sítio infeccioso. Além disso, a ocorrência de mutações genéticas é relativamente freqüente. Dessa maneira, a chance de aparecimento de um mutante resistente à droga que está sendo utilizada para tratar o paciente é alta. Além de levar à falha terapêutica, esse mutante poderá ser transmitido para outros indivíduos, determinando, assim, a resistência adquirida.

As mutações que levam à resistência bacteriana podem ser divididas em dois grandes grupos. No primeiro, incluem-se aquelas que provocam alto grau de resistência em relação aos níveis de antibióticos necessários para inibir o crescimento da bactéria (concentração inibitória mínima ou MIC), exigindo concentrações do antimicrobiano que não seriam toleradas clinicamente. Os genes carreados por elementos genéticos móveis (plasmídios e transpossomos) representam os principais exemplos desse tipo de mutação, como a resistência à vancomicina em amostras de enterococos.

O segundo grupo inclui aquelas mutações que não levam a uma “proteção completa”. Nesse caso, irão ocorrer mutações subseqüentes que provocam elevação progressiva do MIC, até que alcance níveis que exigirão doses do antimicrobiano que não serão toleradas pelo paciente. O exemplo típico desse tipo é a resistência à penicilina em amostras de pneumococo. Inicialmente, as amostras de pneumococo eram tão sensíveis à penicilina que eram utilizadas doses bem baixas do antimicrobiano. Porém, o MIC do pneumococo para a penicilina (e demais beta-lactâmicos) foi aumentando lenta e progressivamente. Hoje são normalmente necessárias doses de beta-lactâmicos bem mais elevadas para tratamento de infecções pneumocócicas.

Para implementar medidas eficazes de controle da resistência, é preciso entender os fatores que levam à disseminação da resistência. A resistência bacteriana se dissemina de duas formas principais: transmissão horizontal (ou clonal) e seleção contínua de clones resistentes. A primeira é decorrente da transmissão de cepas resistentes de um paciente para outro. Os mecanismos de resistência relacionados à aquisição de genes complexos e difíceis de serem encontrados na natureza normalmente se disseminam dessa forma.

A segunda forma está relacionada ao surgimento de mutantes resistentes em decorrência da pressão seletiva exercida pelo uso de antimicrobianos. Pequenas mutações em genes já presentes no microrganismo, muitas vezes mutações pontuais, levam ao surgimento de mutantes resistentes, os quais poderão perpetuar a infecção. Como esses eventos podem ocorrer em uma freqüência relativamente alta, o aumento na prevalência desse tipo de resistência estará diretamente relacionado ao uso do antibiótico; quanto mais o antibiótico for utilizado, maiores serão as taxas de resistência.

As bactérias têm capacidade infindável de se tornarem resistentes aos antibióticos. Esses mecanismos surgem e se disseminam rapidamente logo que um novo antibiótico é lançado no mercado. Esses fatos indicam que as estratégias utilizadas até o momento para controlar a resistência bacteriana aos antibióticos não estão sendo eficazes. Vários pesquisadores e algumas instituições (como a Sociedade Americana de Microbiologia e a Sociedade Americana de Epide-miologia Hospitalar) têm definido diversas estratégias para controle da resistência bacteriana. Não há dúvida sobre a importância da implementação de medidas de barreira para pacientes infectados por bactérias “resistentes” no controle da disseminação da resistência.

Essas medidas incluem desde lavagens das mãos até o isolamento dos pacientes, e têm sido amplamente implantadas de diferentes formas em hospitais de todo o mundo, inclusive no Brasil. Porém, não têm sido suficientes para controlar o problema. Maior precisão e rapidez na detecção de patógenos resistentes também auxilia no controle. Isso exige uma constante atualização e a implementação de rígidos controles de qualidade nos laboratórios de microbiologia. Nessa área o Brasil ainda precisa evoluir bastante. Além disso, os microrganismos desenvolvem mecanismos cada vez mais complexos e difíceis de serem detectados em laboratórios de rotina de qualquer lugar do mundo.

O desenvolvimento de novas drogas cada vez mais potentes e eficazes, parecia, inicialmente, ser a solução para o problema. Porém, os microrganismos se mostraram mais ágeis e rápidos que a indústria farmacêutica. O aparecimento de bactérias e outros patógenos resistentes a todos os antimicrobianos disponíveis comercialmente é cada vez mais freqüente. Os principais exemplos de espécies que se tornaram amplamente resistentes a antimicrobianos são Micobacterium tuberculosis, Plasmodium falciparum, Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter e Enterococos. Mais recentemente, o aparecimento do Staphylococcus aureus com alto grau de resistência à vancomicina deixou claro que o problema se tornará cada vez mais complexo. O lançamento de novos antimicrobianos, especialmente antibióticos (antibacterianos), é cada vez menor e os compostos lançados acrescentam cada vez menos ao arsenal já disponível.

Uma outra estratégia seria o melhor uso dos antimicrobianos disponíveis. Também já está muito bem definido que quanto mais se utiliza um antimicrobiano, maiores serão as taxas de resistência a ele e outros compostos da mesma classe. O aumento do uso provoca uma rápida elevação nas taxas de resistência. A diminuição no uso, ou mesmo a parada completa da utilização de um determinado antimicrobiano, poderá levar a um restabelecimento de sua atividade; porém, quando isso ocorre, o processo é bastante lento.

O uso inadequado de antimicrobianos é o principal fator que leva ao aumento da resistência de outros patógenos. A falsa idéia de que os antibióticos são drogas milagrosas que solucionam o “problema” do paciente e do médico parece estar solidamente estabelecida na cabeça de ambos. Os pacientes acreditam fielmente que quando o “problema é sério” deve ser utilizado um antibiótico. Por outro lado, a maioria dos médicos acredita que, “na dúvida, é melhor entrar com antibiótico”. Muitos pensam da seguinte maneira: “mal não vai fazer, o paciente ficará mais contente e não procurará outro médico”. Além disso, no Brasil e em muitos outros países, o paciente pode simplesmente ir à farmácia e comprar o antibiótico indicado pelo amigo, vizinho ou pelo próprio farmacêutico, utilizando-o da maneira que lhe parecer mais conveniente. É claro que nem todos os médicos e pacientes pensam ou agem dessa maneira, mas, infelizmente, isso é freqüente.

Cabe a nós, médicos, a fundamental tarefa de utilizar os antimicrobianos disponíveis da forma mais racional possível, pensando não só no paciente que tratamos mas também no controle da resistência bacteriana. Para isso, será necessário reeducar pacientes e profissionais de saúde quanto à importância do uso apropriado dessas drogas. O uso inadequado de antimicrobianos contribui de forma importante para o progressivo aumento da resistência, dificultando cada vez mais o tratamento das infecções.

*Hélio Sader é infectologista, professor da Disciplina de Doenças Infecciosas e Diretor do Laboratório Especial de Microbiologia Clínica da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, coordenador regional do Programa Sentry de Vigilância da Resistência aos Antimicrobianos.

Este conteúdo teve 143 acessos.


CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CNPJ: 63.106.843/0001-97

Sede: Rua Frei Caneca, 1282
Consolação - São Paulo/SP - CEP 01307-002

CENTRAL DE ATENDIMENTO TELEFÔNICO

Imagem
(11) 4349-9900 (de segunda a sexta feira, das 8h às 20h)

HORÁRIO DE EXPEDIENTE PARA PROTOCOLOS
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

CONTATOS

Regionais do Cremesp:

Conselhos de Medicina:


© 2001-2024 cremesp.org.br Todos os direitos reservados. Código de conduta online. 454 usuários on-line - 143
Este site é melhor visualizado em Internet Explorer 8 ou superior, Firefox 40 ou superior e Chrome 46 ou superior

O CREMESP utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no site implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Cookies do CREMESP. Saiba mais em nossa Política de Privacidade e Proteção de Dados.