CAPA
EDITORIAL (SM pág.1)
A implantação plena do SUS no país depende, apenas, de vontade política
ENTREVISTA (SM pág. 4)
Um encontro com o autor de Caminhos para o desenvolvimento sustentável
CRÔNICA (SM pág. 8)
Se você duvida da resistência "sobrenatural" dos vírus e bactérias, leia ...
CONJUNTURA (SM pág. 10)
Robôs cirúrgicos: a esperança de sucesso em procedimentos de alta complexidade
SAÚDE NO MUNDO (SM pág. 13)
Os pontos positivos do sistema público de saúde canadense
MÉDICO EM FOCO (SM pág. 16)
O verdadeiro espírito da Medicina cativa moradores simples do litoral sul de São Paulo
AMBIENTE (SM pág. 20)
Guia Verde de Eletrônicos do Greenpeace: empresas e a reciclagem
DEBATE (SM pág. 22)
Como atua o sistema de cooperativas de trabalho médico no Estado
GIRAMUNDO (SM pág. 28)
Destaque para a exposição Cérebro - O mundo dentro da sua cabeça, realizada em outubro
HISTÓRIA (SM pág. 30)
Surge uma nova - e importante - área de atuação médica: a Medicina de Viagem
GOURMET (SM pág. 34)
Aprenda a preparar uma receita dos deuses: ostra à milanesa
CULTURA (SM pág. 37)
Cientistas voltam os olhos para o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí
TURISMO (SM pág. 42)
Acompanhe o passo-a-passo de uma viagem deslumbrante à Síria! Roteiro do médico Rodrigo Magrini
CARTAS (SM pág. 47)
Iniciativa da revista em papel reciclado recebe aprovação dos leitores
FOTOPOESIA (SM pág. 48)
Dante Milano, poeta modernista carioca
GALERIA DE FOTOS
MÉDICO EM FOCO (SM pág. 16)
O verdadeiro espírito da Medicina cativa moradores simples do litoral sul de São Paulo
Pouco vira muito quando nada há
Em projeto social, trabalho voluntário ou fora da medicina, médicos fazem a diferença para quem precisa
Posto de saúde em comunidade de Barra do Ribeira, na reserva da Jureia
O envolvimento de médicos em trabalhos comunitários, sociais ou prestação de assistência gratuita é comum. É maior ainda entre aqueles que trabalham ou têm contato constante com comunidades carentes. E alguns fazem mais do que medicina, ajudando a transformar a vida de pessoas.
É o caso do pediatra Carlos Alberto Correa, que atua em projetos comunitários em Santa Mônica, Vila Esperança e São Marcos, bairros da periferia de Campinas, em que os indicadores sociais destacam o alto índice de criminalidade e a baixa renda – um terço do salário mínimo per capita, segundo o médico. Correa faz esse trabalho por meio do Instituto de Pesquisas Especiais para a Sociedade (Ipes), programa fundado em 1997 por pesquisadores e docentes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp), entre outras instituições. O Ipes fomenta projetos de promoção da saúde, cidadania e melhoria da educação. Por meio de cursos de capacitação, forma agentes comunitários de saúde, entre os membros das comunidades, e ensina técnicas de reciclagem e jardinagem para geração de renda.
O médico atendia em postos de saúde da região e indicou esses bairros ao Ipes, tornando-se ele próprio um de seus executores. Em Santa Mônica, ele faz orientação sanitária e ambiental junto aos moradores – alguns não dispõem de água tratada, serviços de esgoto e coleta de lixo – e dá curso de informática para agentes de saúde. Correa também colabora com o Jornal Boletim, periódico on line, escrito pelos moradores de Santa Mônica e São Marcos. Em Vila Esperança, bairro vizinho ao Santa Mônica, o médico auxilia na implantação de uma horta comunitária em um terreno nas proximidades. Antes, a área era utilizada para descarte de entulho e lixo, o que favorecia a proliferação de ratos e insetos. O bairro chegou a registrar uma morte por ano, causada pela leptospirose. Morador do bairro há dez anos, o comerciante Antonio Flávio pretende colocar os produtos da horta à venda em seu mercado, revertendo a renda à cooperativa de moradores.
Em outra linha de trabalho voluntário, o cirurgião Aziz Miguel Filho desenvolveu uma relação especial com a comunidade de Barra do Ribeira, município de dois mil habitantes e somente acessível por balsa, localizado na Reserva Nacional do Parque da Jureia, litoral sul de São Paulo. Ele passou a ter uma segunda residência nessa região turística a partir de 2006, ocasião em que atuou como médico de família da Unidade Básica de Saúde do município. Mesmo sem esse trabalho, manteve a casa – pela beleza do lugar e a conveniência de estar entre duas instituições de saúde nas quais é plantonista: o Hospital do Tatuapé, na Capital (aos sábados e domingos) e o Pronto-Socorro de Cananeia (às quintas e sextas-feiras), a cerca de 100 quilômetros de Barra do Ribeira.
Aziz com o barqueiro "seu Moraes", que pediu uma segunda opinião
Indivíduo Não-Governamental
Sob o título “O médico da pobreza”, a história de Aziz nesse vilarejo virou matéria do jornalista Roberto Kotscho, na edição de março de 2009 da revista Brasileiros. “Onde quer que esteja, almoçando no restaurante, no bar com amigos, caminhando pela calçada ou em sua modesta casa de um dormitório numa rua de terra alugada por R$ 400 mensais, ele não escapa de dar uma consulta. Ninguém pode ver o médico sem se queixar de algum achaque ou de problemas de saúde com alguém da família. É raro alguém lhe responder ‘tudo bem, doutor’”, escreve Kotscho, destacando que o médico “paga para trabalhar”. Para o jornalista, Aziz é um ING (Indivíduo Não-Governamental) em vez de uma ONG.
Em junho de 2009, a reportagem da Ser Médico acompanhou o médico em caminhada pelas ruas de Barra do Ribeira e pôde constatar in loco a descrição de Kostcho. Constantemente abordado para uma consulta, ele a concede ali mesmo, na rua. De calção à beira do rio, o pescador Paulo Alves Carneiro aproximou-se do médico para mostrar as lesões que tinha nos braços e pernas. Após observar com cuidado, Aziz pediu para ele providenciar um papel e caneta para fazer a prescrição.
O médico Eduardo Takiro, que na ocasião trabalhava no Posto de Saúde do município, fez questão de falar do carinho da população pelo colega. “Só ouço elogio da comunidade sobre você”, afirmou Takiro, em encontro com Aziz. Ao avistar o médico, Maria José Leandro de Souza, de 44 anos, apressou-se em sua direção para queixar-se que ele “andava sumido”. “O dr. Aziz é muito bom para nós. Quando ele atendia no posto, pediu exames e acertou na minha medicação. Eu tinha tontura e ânsia por causa da pressão alta, hoje não sinto mais nada”, elogiou ela.
Acometida pela poliomielite na infância, Fabiana Lima Ribeiro (foto acima) precisa de muletas para se locomover. Sua maior preocupação é engordar e não poder mais usar muletas. “Não quero ficar presa à cadeira de rodas. Com as muletas posso andar, pegar ônibus e ter autonomia”, comenta. Ela era beneficiada por um projeto social de coautoria de Aziz Ribeiro (em conjunto com a professora de educação física e fisioterapeuta Maria Luiza Scheffer Zwarg), criado na época em que o médico atendia na unidade de saúde do município. Pelo projeto, uma pousada cedia sua piscina durante a semana para sessões de hidroterapia. A prefeitura entrava com pagamento do honorário da fisioterapeuta e o cloro da piscina. Quando encontrou o médico, Fabiana o informou que o benefício havia sido extinto e que, para fazer fisioterapia, ela se deslocava até São Paulo, uma vez por semana.
Odete de Lima, de 74 anos, abraçou e beijou o médico quando o encontrou na praia. Logo o convidou a entrar em sua casa para escolher umas mudas de planta em agradecimento pelos cuidados. “Seu Moraes”, como é conhecido o piloto aposentado da balsa que atualmente leva turistas em passeios com seu pequeno barco, é um daqueles sábios que sabem quando vai chover e quando vai dar peixe. Com dores no estômago, foi atendido e medicado no posto. Disse que havia melhorado muito pouco e quis ouvir a opinião de Aziz. Mostrou as caixas de medicamento que estava tomando ao médico, que orientou a aumentar a dose. “Precisamos ver melhor essa barriga. Vá quinta-feira para o posto de saúde de Cananeia, no meu plantão para pedirmos um exame”, pediu Aziz. “Só no final do mês, quando receber a aposentadoria e tiver dinheiro para pegar ônibus”, respondeu “seu Moraes”. “Se o pobre fica doente, não adianta ir ao médico e fazer exame. Depois ele não vai ter dinheiro para comprar o remédio”, pondera o barqueiro.
Armando computadores
Entre uma consulta e outra, o psiquiatra Armando de Oliveira Neto (foto à esquerda) monta computadores a partir de micros descartados, doando-os a quem precisa. O médico já fez doações a pessoas que trabalharam em sua casa, no prédio onde mora e em seu consultório, entre muitas outras.
Em julho, a reportagem de Ser Médico o acompanhou durante a entrega de dois computadores a funcionários de um posto de gasolina. Na ocasião, o frentista Jorge Fernandes, de 61 anos, agradeceu ao médico pelo presente que havia recebido há cerca de três meses. “Eu não tinha condições de comprar e meu filho teria que trabalhar para ter um computador”, comentou Fernandes, emocionado.
Antes de deixar o posto, o psiquiatra recebeu mais duas “encomendas”. Armando procura reaproveitar peças dos computadores doados, embora seja necessário comprar algumas de vez em quando. Ele conta que recebeu cinco computadores de uma advogada, com a condição de consertar dois para os empregados de seu escritório, podendo doar os demais a quem quisesse. Os outros três foram para os frentistas do posto de gasolina. Neto também é hábil na montagem e conserto de veículos e possui três Opalas reformados por ele próprio.
Armando de Oliveira Neto no posto de gasolina onde fez doações aos funcionários
Empilhadas ao lado de sua mesa no consultório, na capital paulista, as máquinas que ainda aguardam por revisão e reposição já têm destino certo, pois as encomendas são muitas. “O que eu ganho com este trabalho? O prazer de me distrair e a satisfação de ajudar a quem precisa”, finalizou o psiquiatra. Quem quiser doar computadores que ainda tenham condições de uso podem entrar em contato com o psiquiatra pelo e-mail: armandoneto@cremesp.org.br
(Colaborou Renan Carvalhais)