CAPA
PONTO DE PARTIDA (SM pág. 1)
Cremesp e Uniad, à frente do Movimento Propaganda Sem Bebida, levam à Brasília 600 mil assinaturas pela aprovação do PL 2733
ENTREVISTA (SM pág. 04)
Acompanhe uma conversa franca e informal com o presidente do CNPq, Marco Antonio Zago
CRÔNICA (SM pág. 08)
A síndrome da hipocondríase dos terceiranistas de Medicina comprovadamente existe... por Moacyr Scliar
MEIO AMBIENTE (SM pág. 10)
A (difícil) convivência da nossa saúde - física e mental - com o trânsito caótico da cidade
SINTONIA (SM pág. 15)
A omissão terapêutica a pacientes terminais sob o ponto de vista jurídico
DEBATE (SM pág. 18)
Em discussão a relação do médico com o adolescente. Convidadas: Maria Ignez Saito e Albertina Duarte
COM A PALAVRA (SM pág. 26)
Chamado de bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis é analisado por José Marques Filho
HISTÓRIA (SM pág. 30)
Arquivo histórico da Unifesp: acervo surpreende pela diversidade de peças e documentos
ACONTECE (SM pág. 32)
Engenhocas de muita utilidade e outras nem tanto assim... confira as idéias patenteadas do Museu das Invenções. Ele existe!
CULTURA (SM pág. 35)
Exposição de Pets gigantes às margens do Rio Tietê conscientiza sobre preservação da água
GOURMET (SM pág. 38)
Prepare a mesa: você vai saborear um cuscuz marroquino fácil (mesmo!) de fazer
TURISMO (SM pág. 42)
Tranquilidade, coqueiros à beira-mar, belas praias e paisagens. Agende sua próxima viagem de férias para este paraíso...
POESIA
Gregorio Marañon, médico e escritor espanhol, fecha esta edição com simplicidade e emoção...
GALERIA DE FOTOS
ENTREVISTA (SM pág. 04)
Acompanhe uma conversa franca e informal com o presidente do CNPq, Marco Antonio Zago
Marco Antônio Zago
“Temos uma boa produção científica, mas o seu aproveitamento
ainda é reduzido dentro do setor privado”
Atual presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o médico Marco Antonio Zago é um renomado pesquisador com trabalhos na área de genética de populações, hemoglobina, bases moleculares de neoplasias e talassemia, entre outros. Concomitante à CNPq, ele mantém suas atividades científicas na cidade de Ribeirão Preto. Atualmente desenvolve pesquisas com células-tronco adultas – mesenquimais e hematopoéticas – nos laboratórios da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, onde também é professor titular do Departamento de Clínica Médica. Com pós-doutorado pela Universidade de Oxford, Inglaterra, Zago colaborou com algumas pesquisas internacionais. Entre os diversos cargos e funções que ocupou, foi diretor presidente da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, coordenador do Centro de Terapia Celular do Cepid – Centros de Pesquisa e Inovação e Difusão –, além de diretor clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-Ribeirão. À frente do CNPq desde junho de 2007, Marco Antonio Zago fala, nesta entrevista, sobre a situação das pesquisas no Brasil, entre outros assuntos:
Ser Médico: Qual é a situação do Brasil em termos de produção e financiamento de pesquisas no campo da ciência e tecnologia?
Marco Antonio Zago: A produção científica do Brasil vem crescendo de forma constante há alguns anos, à média de 8,2% ao ano. Isso é quatro vezes maior do que a taxa de crescimento da produção científica global. Há um incremento importante tanto em quantidade como em qualidade. Hoje a produção científica qualificada do Brasil – aquela que aparece em revistas de expressão internacional – representa cerca de 1,9% do total mundial. O número de cientistas também está aumentando. Estamos formando cerca de 10 mil doutores por ano no país, nas mais diferentes áreas do conhecimento. Os investimentos globais do Brasil em ciência e tecnologia também aumentaram, representando atualmente cerca de 1% do PIB nacional, o que coloca nosso país na posição de intermediário em termos de investimentos no setor. Mas, claro, é preciso melhorar muito para alcançar os países mais desenvolvidos. Também é necessária uma outra mudança importante, a contribuição das empresas e das indústrias para o desenvolvimento da ciência e tecnologia ainda é pequena e precisa aumentar. Hoje as aplicações são predominantemente governamentais – federal e estaduais. O Brasil tem um sistema de ciência e tecnologia regional que está se fortalecendo. Além de estados como São Paulo e Rio de Janeiro, onde sempre foi forte, está também se fortalecendo em quase todos os estados brasileiros.
Ser: Comparado a outros países, qual é a participação do setor privado nessa área?
Zago: No Japão, por exemplo, a contribuição do setor privado é cerca de quatro vezes maior que a do governo. Na maioria dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Canadá, entre 50 e 70% dos cientistas trabalham em empresas privadas, sendo que uma parcela menor está no governo e, outra, menor ainda, nas universidades. Já no Brasil, mais ou menos 70% dos cientistas estão concentrados nas universidades. Temos uma boa produção científica, mas o seu aproveitamento ainda é reduzido dentro do setor privado.
Ser: Como transformar o desenvolvimento científico em crescimento econômico?
Zago: São necessárias mudanças em duas direções: o investimento em ciência e tecnologia por parte das indústrias têm de aumentar, e mais cientistas precisam trabalhar em pesquisa e desenvolvimento nas empresas. Com isso, faremos aquilo que muitas pessoas têm apontado como o principal gargalo do Brasil, que é a transferência do conhecimento. Mas isso não se resolve apenas dentro das universidades e deve ser uma prioridade de governo, o que está acontecendo neste momento. Para isso há uma série de mecanismos utilizados, que vão desde a formação de pessoal – como o Plano Nacional de Pós-doutorado, que pode ser feito no ambiente universitário – até a subvenção econômica às empresas. Esse financiamento não é feito por meio do CNPq, mas pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) que transfere recursos às empresas, para aplicação em inovação tecnológica. A injeção de recursos diretamente nas empresas implica criar mecanismos para que a indústria absorva cientistas e tecnologias, permitindo que o conhecimento gerado nas universidades e institutos de pesquisas seja transferido ao setor produtivo. São políticas desse tipo que vão quebrando as barreiras existentes, de forma que o desenvolvimento científico seja transformado em produtos de valor econômico, contribuindo com a melhoria de qualidade de vida da população.
Ser: Em 2006, cerca de 46% das bolsas de graduação foram concedidas para a região Sudeste. Existem queixas de que as agências de pesquisa privilegiam o Sul e Sudeste.
Zago: Não é que as agências de pesquisas privilegiem essas regiões. É preciso entender que nesses locais já está implantado um sistema de ciência e tecnologia vigoroso, com uma produção científica bem estabelecida. E há também um complexo industrial que se relaciona – ainda que com deficiências – com o sistema de ciência e tecnologia. O mapa de investimentos do CNPq no Brasil inteiro está correlacionado com a distribuição de doutores por habitantes, gerando um índice diretamente relacionado com os investimentos do CNPq para cada uma das unidades da federação. Cada Estado recebe recursos proporcionais ao número de doutores que estão trabalhando. Assim, são destinados mais recursos para as regiões mais competitivas. Isso explica um quadro que existe há anos e tenderia a se perpetuar. Um aspecto bom desse sistema é que estados fortes em produção de científica, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, precisam ser apoiados porque ajudam o Brasil a ficar na linha de frente e ser competitivo.
Porém, esses estados têmoutras fontes de recursos para a ciência e tecnologia, como a Fapesp, a Faperj e a Fapemig (fundações de apoio à pesquisa dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Mas, sabemos que é preciso modificar a situação de forma a permitir a participação mais efetiva dos estados do Centro-oeste, Norte e Nordeste. E isso já vem ocorrendo. Uma parte considerável dos recursos para pesquisa hoje provém dos fundos setoriais. As leis que criaram esses fundos determinam a aplicação de pelo menos 30% dos recursos para o Norte, Nordeste e Centro-oeste. Isso começou a ser aplicado a partir de 2000 e vem contribuindo significativamente para reverter essas diferenças. Como os investimentos são determinados pelo número de doutores, o mais importante é aumentar a presença de pessoas capacitadas nessas regiões.
No final do ano passado, reuni todos os reitores da região Norte para discutir uma proposta que o CNPq começou a aplicar, a de aumentar o número de bolsas de mestrado e doutorado para a região, que eram 438 até o final do ano passado e passaram a 770 neste ano, o que significa um crescimento de 65%. Isto deve ter um impacto importante. Existem numerosas ações que visam à preservação da qualidade e, ao mesmo tempo, ao aumento da densidade científica e tecnológica das regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.
Ser: Qual é a participação da Medicina na produção de pesquisas? Existem prioridades de recursos para determinadas áreas?
Zago: A Medicina, Agricultura, Física e Astronomia são as áreas de maior densidade científica do Brasil. A Medicina tem uma contribuição importante, que vem aumentado tanto na área básica quanto na aplicada. O Brasil tem um padrão semelhante ao de muitos países desenvolvidos, mas diferente daqueles que têm uma produção tecnológica acelerada, como a China. As áreas mais produtivas da China são as Engenharias, Física, Astronomia, Ciências da Computação e Química. Isso, obviamente, tem ser levado em conta quando fazemos o planejamento de aplicações de recursos no país. Não estou, de forma alguma, sugerindo que precisamos copiar o padrão chinês, mas não podemos deixar de levar em consideração essas discrepâncias. Por exemplo, a produção científica em Engenharias no Brasil está em quinto lugar, quando na China está em primeiro. As Ciências da Computação estão em 15º no Brasil e, na China, em 7º lugar. As áreas que podem contribuir para o avanço tecnológico, inovação de empresas e para a produção científica precisam ser incentivadas no país. Caso contrário, corremos o risco de ter um crescimento tecnológico vazio e que dependerá apenas da importação de conhecimento. No momento, há esforços nesse sentido, tanto para o desenvolvimento da nanotecnologia como de softwares e produção de chips. Todas essas questões são vistas como prioritárias no Brasil.
Ser: Uma queixa antiga dos pesquisadores refere-se às dificuldades para a importação de material de pesquisa. O CNPq pode fazer gestões nesse sentido?
Zago: Esse problema foi resolvido. Há uma lei que dá isenção fiscal à importação para fins de pesquisa, exigindo também que o pesquisador (na condição de importador) seja cadastrado no CNPq. Apesar da lei, tanto a Receita Federal como a Anvisa davam à importação para fins de pesquisa tratamento semelhante às demais transações. Importar uma caixa com anticorpos recebia tratamento igual ao de um container de equipamentos de alto custo para a indústria em geral. Tudo isso foi resolvido por meio de uma portaria da Secretaria da Receita Federal e, outra, da Anvisa. A partir de agora a importação para pesquisa passa por uma linha verde, tem prioridade e não exige o exame físico do material biológico importado dependendo muito mais da declaração que o pesquisador faz. Houve uma facilitação para a ocorrência de importação para fins de pesquisa.
Ser: O senhor mantém seu laboratório de pesquisa sobre células-tronco na Universidade de Ribeirão Preto. Como pesquisador, qual a sua posição sobre a polêmica a respeito das células-tronco embrionárias?
Zago: Há uma clara distinção entre células-tronco adultas, para as quais existem aplicações médicas razoavelmente bem estabelecidas e as embrionárias, para as quais não existe aplicação médica claramente definida porque nunca foram testadas em humanos. O que há é uma grande esperança e gostaríamos que isso pudesse ser testado. Em ciência, temos de fazer uma clara distinção entre a expectativa e a realidade que vem depois dos experimentos. Como sempre, nem todas as expectativas se realizam, mas algumas, sim. E, também, durante os experimentos aparecem desvios inesperados, podem surgir aplicações que a gente não esperava. Para esclarecer isso tudo é necessário que haja a possibilidade de se fazer pesquisa com essas células e demonstrar se realmente serão úteis ou não, e quando poderão ou não ser aplicadas. Mas não podemos esquecer que existem fatores de natureza cultural e pessoal em termos de aceitar ou não esse tipo de pesquisa. Por essa razão, é bom que tenha chegado ao Supremo Tribunal Federal, que está qualificado para decidir se, na situação atual, a sociedade brasileira deve ou não autorizar a pesquisa. Claro que espero que seja liberada, porque tenho expectativa de que dará resultados positivos. Mas não podemos confundir com a idéia de que se está autorizando o tratamento, absolutamente. Temos um longo caminho até chegar ao tratamento com células-tronco embrionárias. Uma coisa completamente diferente são as pesquisas e tratamentos em humanos com os diferentes tipos de células-tronco adultas em que não há restrições éticas. Essas estão sendo usadas, cada vez mais, para tratamentos.
Ser: Como o senhor avalia o ensino médico no país? E qual a sua opinião sobre o Exame de Avaliação do Cremesp que vem sendo realizado há três anos?
Zago: Ele é extremamente heterogêneo, temos numerosas escolas médicas de elevada qualidade, mas também há um grande número cujo o nível não é adequado. É preciso qualificar melhor os docentes, mas também é necessário que os diferentes órgãos envolvidos façam investimentos para melhorar a qualidade das escolas e dos hospitais universitários onde se processa grande parte do ensino médico. A possibilidade de se fazer um exame final de avaliação de qualidade é um progresso, não há dúvida. Mas isto não pode ser tratado de maneira cartorial. E se o médico formado não está perfeitamente qualificado, ele tem de ser submetido a algum tipo de revisão e de complementação da formação até o momento em que se tenha certeza de que pode funcionar bem como médico. Vejo o exame do Cremesp como algo positivo. E sei que há muita resistência a isso, de forma que o Cremesp está adotando uma política cautelosa, promovendo o exame de maneira voluntária e, com isso, ganhando a adesão dos próprios alunos das escolas médicas.
Ser: Qual era a sua expectativa quando assumiu a presidência do CNPq? Mudou alguma coisa desde então?
Zago: Eu tive uma atividade intensa durante grande parte da vida, como professor e, também, como médico que atendia doentes nas enfermarias e ambulatórios. Depois, a minha atividade de pesquisa aumentou muito e ajudei a organizar centros de investigação importantes. E, isto vai muito bem, nosso grupo tem uma produção expressiva. A vida aqui em Ribeirão era confortável, estava tudo 100% e não tinha motivos sair daqui. Por outro lado, é um desafio atraente pois sempre estive envolvido com a gestão de ciência e tecnologia. Assim, ir para o CNPq foi a oportunidade de testar isso em um novo ambiente e de pôr em prática algumas coisas pelas quais vale a pena brigar. Depois que aceitei, fiquei um pouco temeroso do que ia acontecer. Mas o CNPq tem uma tradição no país e há um grande apoio da comunidade científica das diferentes áreas no Brasil. Há apoio do próprio Ministério da Ciência e Tecnologia, porque os recursos estão vindo para a ciência. Teria sido muito frustrante se eu fosse para lá dividir a falta de dinheiro. Mas estou lá podendo fazer programas como aumentar as bolsas da região Norte, porque essa é uma decisão política importante. Neste início de ano, estamos na expectativa de ver como a questão orçamentária vai se refletir em relação à ciência e tecnologia, mas espero que não haja influências negativas sobre os recursos, para que possamos manter este ritmo intenso que nos permite iniciativas.
Frases
“Cada Estado recebe recursos proporcionais ao número de doutores que estão trabalhando. Assim, são destinados mais recursos para as regiões mais competitivas”
“A Medicina, Agricultura, Física e Astronomia são as áreas de maior densidade científica do Brasil”
“As áreas mais produtivas da China são as Engenharias, Física, Astronomia, Ciências da Computação e Química. Isso, obviamente, tem ser levado em conta quando fazemos o planejamento de aplicações”
“Vejo o exame (de avaliação dos estudantes de medicina) do Cremesp como algo positivo. E sei que há muita resistência a isso, de forma que o Cremesp está adotando uma política cautelosa...”