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CAPA

PONTO DE PARTIDA (SM pág. 1)
O Conselho Municipal de Saúde e seu importante papel na aglutinação e mobilização dos trabalhadores da saúde


ENTREVISTA (SM pág. 03)
Inteligente e polêmico, o convidado desta edição é Paulo Henrique Amorim. Sem comentários!


CRÔNICA (SM pág. 10)
O médico Tufik Bauab recupera, em linguagem bem-humorada, um pouquinho do cotidiano que faz a história de cada um


SINTONIA (SM pág. 12)
Esporte competitivo. Qual o limite para que o treinamento não se torne excessivo e prejudicial à saúde?


MEIO AMBIENTE (SM pág. 15)
Doença de Chagas e transmissão oral. Total descaso das autoridades com o meio ambiente e a saúde


CONJUNTURA (SM pág. 18)
Voluntários sadios e a polêmica da remuneração nos testes clínicos


DEBATE (SM pág. 21)
O tema em discussão trouxe à tona o Exame do Cremesp e a qualidade do ensino médico no país


HOBBY DE MÉDICO (SM pág. 28)
Cirurgia plástica e alpinismo? Combinação perfeita! Acompanhe os desafios de Ana Elisa Boscarioli...


ESPECIAL (SM pág. 32)
Cem anos de convivência com a cultura japonesa: a arte e a gastronomia conquistaram os brasileiros, definitivamente


CULTURA (SM pág. 38)
Oscar Niemeyer: dedicação integral à criação e à arte da arquitetura no país e no exterior


TURISMO (SM pág. 42)
Ah! você não pode perder essa viagem a um verdadeiro paraíso batizado de Ilha do Cardoso


LIVRO DE CABECEIRA (SM pág. 47)
Acompanhe a dica de leitura de nosso diretor de Comunicação, Bráulio Luna Filho


POESIA (SM pág. 48)
Cora Coralina é a poetisa que fecha com chave de ouro esta edição da Ser Médico


GALERIA DE FOTOS


Edição 42 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2008

CRÔNICA (SM pág. 10)

O médico Tufik Bauab recupera, em linguagem bem-humorada, um pouquinho do cotidiano que faz a história de cada um

Sigmund e o Coringão


Mudou o futebol ou mudei eu? Ou mudamos os dois?
Enfim, nossa relação há muitos anos está estremecida

Tufik Bauab Jr.*

Mas não era assim quando eu era adolescente. Com meus primos, assistíamos a todos os jogos do América, o Diabo Rubro de São José do Rio Preto. A diversão começava pelo radinho de pilha, onde acompanhávamos todas as transmissões esportivas –  que sempre beirou o nonsense, mas naqueles idos variava entre o tropicalismo e a esquizofrenia.

Quando um locutor anunciava que “os atletas do Diabo Rubro adentram o quadrilátero gramífero dos altos da Santa Cruz, banhado pelos raios do Astro-Rei, numa canícula causticante não muito propícia para a prática do esporte bretão”, você traduzia por “entra em campo o time do América, no estádio que fica situado no bairro Santa Cruz, num calor de rachar, quase matando os doidos que tinham que jogar futebol naquele horário”. 

Uma das melhores rádios era a PRB-8, Rádio Rio Preto, com transmissões imperdíveis. Por exemplo, confusão na área do América, o locutor querendo mais informações, aciona o repórter de campo, “César, o que houve aí embaixo?”. Distraído, César responde “ouve a Rádio Rio Preto, PRB-8, a melhor transmissão esportiva”. Em 1966, o Brasil foi tentar o tricampeonato na Inglaterra. E junto com toda a imprensa do resto do país, lá se foi a PRB-8 para Londres. Além das dificuldades da época (satélites eram uma grande novidade), havia que descolar os patrocinadores. Entre eles, a Selaria São José, que vendia tudo para o animal e para o cavaleiro, ou seja, sela, freio, barrigueira, estribo, e chapéu, bota, botina, alforje etc. A transmissão foi inesquecível. Como o locutor não sabia o nome dos jogadores, ia pelo número mesmo. O resultado era algo como “o goleiro da Rússia põe a bola em jogo, o número 7 avança pela direita, passa para o número 5, que tenta alcançar o número 11 com um chute da intermediária, mas perde a bola para o número 3 do adversário.” E aí entrava o jingle,  “PRB-8 transmitindo de Londres, a cavalo ou a pé, Selaria São José”.

Mas o entusiasmo pelo esporte bretão não era universal. Roberval, um de nossos amigos, não tinha o menor interesse por futebol. Seu conhecimento se limitava a saber que Pelé era jogador do Santos e Garrincha, do Vasco (não é Vasco, Roberval, é Botafogo). Fumante precoce, num dos rachas (agora chamado de futebol-society) faltou jogador, e conseguimos convencê-lo a entrar em campo. Entrou com um cigarro na mão e o tempo todo ficou tentando encontrar sua posição entre a lateral direita e a ponta esquerda. Foi seu único contato com uma bola de futebol.

Já no terceiro ano da faculdade de Medicina decidiu-se pela Psiquiatria e daí para a Psicanálise. Mais freudiano que Sigmund, mais ortodoxo que caixinha de Maizena.  Não era ensimesmado, mas tinha um olhar que enxergava além do interlocutor.  Ele, que era de poucas palavras, durante um período na faculdade tornou-se monossilábico, porque resolveu não desperdiçar palavras e falar só o essencial. Como 99% do que falamos é perfeitamente dispensável, entrou num mutismo voluntário. Só saiu do mutismo porque arrumou uma namorada e como nenhum namoro sobrevive só na base de sim ou não, voltou a falar, mas não muito. Casou-se com a namorada. Quatro filhos. E assim tocava a vida. Casa, consultório, sessões de 50 minutos, volta para casa. As surpresas ficavam por conta dos pacientes, que louco é o que não falta neste mundo. A sua vida  propriamente dita era bem estruturada, até um pouco maníaca.

Para ajudar a esposa a cuidar dos quatro filhos, o supermercado era seu encargo. As terças e quintas, quando deixava livre o último horário. E foi no supermercado que o raio caiu na sua cabeça. Quando se virou ao ouvir uma doce voz perguntando, “quer experimentar?”, e olhou diretamente nos olhos da moçoila que estava divulgando uma marca de maionese, quase respondeu “agora. Você e a maionese”. Como disse uma nossa amiga que acredita piamente nessas coisas, naquele momento o capeta tomou conta do corpo de Roberval. Paixão imediata, fulminante. Perdão pelo óbvio, mas Roberval lambuzou-se todo na maionese. Viajou, deitou e rolou na maionese. Saiu de casa. O consultório virou uma bagunça, com a agenda de meses toda confusa, trocando os 50 minutos das sessões pelas horas de amor. A abandonada já não sabia o que fazer.

Nessa época, meus primos e eu já havíamos perdido o gosto pelo futebol. Que tentamos reaver indo assistir um Corinthians e América. Não só o jogo foi muito ruim, pois assistimos ao segundo tempo debaixo de um toró tropical. Finalmente o jogo acabou e saímos tentando evitar a torcida radical do Corinthians, que não foi educada na Suíça. De repente, lá no meio da Fiel, quem vemos? Roberval e a moça da maionese. Admirados estávamos de ver Roberval assistindo a um futebol, boquiabertos ficamos aos vermos a moça da maionese. De shortinho, camiseta regata e quase mais nada, a água da chuva insistia em mostrar o que a fina roupa tentava esconder. E agarradinho a ela, com um sorriso meio amarelo, Roberval justificou sua inusitada presença , “ela é torcedora do Corinthians”. E lá se foram os dois no meio da massa corinthiana.

“O amor é lindo”, comentou um de meus primos. Ao se lembrar de Roberval todo agarradinho na jovem propagandista da maionese, o outro primo devolveu, “amor lindo o escambau. Agarrado numa deusa como essa eu assisto até XV de Piracicaba contra Portuguesa Santista debaixo de neve”.

O namoro não foi muito além. Roberval não conseguiu decorar o hino do Corinthians e as obras de Freud estavam muito além do folheto de propaganda da maionese. Roberval finalmente voltou para casa, para as sessões, para as reuniões da Sociedade Psicanalítica. E a ex-abandonada tomou suas providências: agora é ela quem vai ao supermercado, jogou fora o CD com o hino do Corinthians e proibiu a entrada de maionese em casa. 


Tufik Bauab Jr. é vice-presidente da Sociedade Paulista de Radiologia e Diagnóstico por Imagem e radiologista de S. José do Rio Preto.



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