CAPA
PONTO DE PARTIDA (SM pág. 1)
Novo movimento deve unir médicos e sociedade contra o descaso e a falta de prioridade com as quais a Saúde vem sendo tratada
ESPECIAL 1 (SM pág. 4)
Ser Médico comemora 10 anos em grande estilo. Seu conteúdo diversificado agrada a todos, médicos inclusive...
ESPECIAL 2 (SM pág. 5)
Ser Médico 10 anos: acompanhe trechos de artigos memoráveis da revista
CRÔNICA (SM pág. 12)
Nesta edição comemorativa, uma crônica bem-humorada e inteligente de Moacyr Scliar. É preciso dizer mais?!?
SINTONIA (SM pág. 14)
Congresso Brasileiro de Bioética: acompanhe síntese da palestra da cientista política Adela Cortina
CONJUNTURA (SM pág. 18)
Médicos e indústria farmacêutica: a falta de limites para conflitos de interesse
MEIO AMBIENTE (SM pág. 21)
Parece sonho, mas é realidade. A Reserva Ecológica Mamirauá existe. Mesmo.
DEBATE (SM pág. 25)
AVC: um RX da situação epidemiológica e condutas no atendimento do paciente, no Brasil
COM A PALAVRA (SM pág. 32)
Humanização da Medicina. Idéia atual? Não senhor! Já estava bem presente no passado...
GOURMET (SM pág. 39)
Prepare sua mesa. Você não vai conseguir resistir a esta receita...
TURISMO (SM pág. 42)
Ah... esse deserto você precisa conhecer. É ali, no Maranhão! Acompanhe o texto, veja as fotos!
LIVRO DE CABECEIRA (SM pág. 47)
Às margens do Sena, junto a Maison De La Radio... você já ouviu esse bordão?
POESIA (SM pág. 48)
Toda a emoção de um trecho de Entre o que Vejo e o que Digo, do poeta mexicano Octavio Paz
GALERIA DE FOTOS
ESPECIAL 1 (SM pág. 4)
Ser Médico comemora 10 anos em grande estilo. Seu conteúdo diversificado agrada a todos, médicos inclusive...
10 anos da Ser Médico
Revista consolida-se como veículo de comunicação do Cremesp com alto índice de aprovação entre médicos
Há uma década gestava-se um projeto editorial que pretendia abranger temas médicos, sociais e históricos, debater questões polêmicas de saúde e abordar assuntos culturais e de entretenimento numa mesma publicação. Propunha-se ainda dar ênfase à humanização da medicina, assunto na pauta do dia na época. A proposta editorial mista era inovadora e, por essa razão, cercada de receios. Assim nascia a Ser Médico, publicação do Cremesp lançada no último trimestre de 1997, distribuída a todos os médicos do Estado e instituições ligadas à saúde do país.
O primeiro número da revista trimestral abria com entrevista concedida pela escritora e crítica literária francesa Viviene Forrester, seguida de crônica de Carlos Heitor Cony e artigos de Moacyr Scliar e Walter Ceneviva, todos colaboradores e articulistas da grande imprensa. Um texto do professor de Medicina Legal da USP, Marco Segre, conceituava a Bioética – tema candente no meio médico – como uma “arena de confronto das mais variadas tendências com relação a valores”. Matérias sobre o vinho do Porto, uma exposição da artista plástica francesa Camille Claudel e uma poesia de Manoel de Barros fechavam o número inaugural.
Apesar do receio inicial, a diversidade editorial parecia agradar aos leitores, fato que se confirmaria nos anos posteriores por pesquisas de opinião. Em 2004, o Instituto Datafolha apontava que a Ser Médico tinha alto índice de aprovação (91%) entre médicos. Em 2006, nova pesquisa pelo mesmo instituto corroborou a anterior: a revista era aprovada por 87% dos médicos; 100% dos formadores de opinião (jornalistas, parlamentares e juristas); e por 75% dos estudantes de Medicina.
O conselheiro Bráulio Luna Filho, atual diretor de Comunicação, foi um dos artífices desse projeto. No período de criação da revista, ele esteve à frente do Departamento de Comunicação e depois ocupou a vice-presidência do Conselho, integrando também a primeira comissão editorial da publicação. Luna foi um dos defensores da proposta editorial mista. “Por uma coincidência, coube-me participar da elaboração da Ser Médico nesses dois extremos – fase de criação e a comemoração dos 10 anos. Mas foi o somatório do empenho das nove diretorias que o Cremesp teve durante uma década que consolidou a revista como um veículo de grande aceitação entre médicos”, ponderou Luna. “Sem dúvida, este momento histórico é propício para fazermos uma reflexão que deve resultar em algumas mudanças para adaptar a publicação às exigências dos leitores e, ao mesmo tempo, incorporar novas tendências editoriais, entre elas, a de reduzir um pouco os textos de algumas editorias”, adiantou o diretor.
Uma década, uma geração...
Dois residentes e um recém-formado que participaram das edições iniciais da revista na década passada voltam nesta edição comemorativa para falar da experiência de ser médico.
De Frank Zappa a Tom Jobim
Na primeira edição da revista, um debate, intitulado Ensino Médico: Mudanças e Controvérsias, colocou frente a frente Durval Rosa Borges e Maurício Lucchesi – respectivamente pró-reitor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) e residente do primeiro ano de Psiquiatria na época. O encontro foi mediado pelo professor e Phd em Psiquiatria, Eduardo Iacoponi. Os participantes daquele debate coincidiam em algumas opiniões: o ensino pecava por excesso, parte do aprendizado era obsoleto e desnecessário à prática médica. Desse encontro, escolhemos o ex-residente Maurício Lucchesi para ilustrar a passagem do tempo pelos 10 anos da revista Ser Médico.
Em 1997, Lucchesi tinha 25 anos, era solteiro e morava em São Paulo. Hoje, aos 35 (foto acima), atua como professor da Faculdade de Medicina da Unitau – Universidade de Taubaté, cidade em que reside e mantém consultório particular. Casado e com dois filhos, concluiu mestrado em Psiquiatria e faz doutorado em Saúde Coletiva na Unifesp/EPM. Ao lado, algumas opiniões sobre a Medicina pontuadas por ele em dois tempos:
1997
- “... As pessoas estão muito passivas, não se tem uma participação ativa no processo de aprendizado. As coisas são colocadas de forma estática e não se estimula ao aluno ir atrás do conhecimento.”
- “...o que vem acontecendo é que o assistente dá a mesma matéria que deu para a pós-graduação como suposta aula de graduação. Continuaremos passando por rituais como atender no pronto-socorro, mas decorar nomes ‘esdrúxulos’ é um ritual inútil. O aumento de volume de conteúdo tornou as matérias meramente informativas.”
- “Além dos hospitais referenciários, essa cisão que existe entre o ensino e a prática deve-se também aos professores. A maioria atende na rede privada ou é especialista em determinado assunto. O que o estudante almeja? Ser um especialista, ter um consultório cheio...”
- “Muita gente acha que tem de sair sabendo tudo. É um processo demorado: primeiro eles (os estudantes) entram neste esquema de que têm de saber tudo. Depois é que desenvolvem uma visão crítica de que estavam enganados. (...) Quando a pessoa ‘para saber tudo’ não sai à noite, não arruma namorada, não vai ao clube, fica difícil lidar com o paciente.”
2007
- “Agora estou do outro lado e como professor tento me aproximar bastante dos meus alunos, mas não recebo uma orientação para isso, faço porque quero.”
- “Especialidades são um mundo, possuem muitas informações específicas e falta selecioná-las melhor. O que se ensina para um aluno de graduação é bem diferente do que se vai ensinar para o de pós-graduação.”
- “O ensino ainda não conseguiu se voltar para as necessidades básicas da população. Conseguimos implantar o Programa de Saúde da Família, que nos últimos 10 anos cresceu bastante, mas ainda temos condições estruturais críticas que repercutem negativamente.”
- “E com tanta informação, os alunos aderem à idéia de que devem saber tudo, não reconhecendo seus limites. Hoje o médico tem a internet para procurar as informações sobre aquilo que não sabe. Ninguém precisa saber tudo o tempo todo. (...) Há 10 anos eu houvia Frank Zappa e hoje ouço Tom Jobim.”
Médica errante
Na oitava edição da Ser Médico (out/nov/dez de 1999), outra jovem residente voltou a participar de um debate sobre o ensino médico com professores. Era Rafaela Cordeiro Freire, na época presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes, que debateu com o então presidente da Comissão Nacional de Residência Médica, Hilton Koch, em encontro mediado pelo conselheiro do Cremesp Reinaldo Ayer de Oliveira. Ela tinha 27 anos, era solteira e morava em Campinas.
Hoje, Rafaela (foto acima) é médica sanitarista da Prefeitura de Aracajú, cedida ao Governo Estadual de Sergipe para exercer o cargo de gerente de Programação e Pactuação na área de Gestão de Sistemas. Casada e com uma filha de três anos, ela já havia trabalhado como médica em três estados brasileiros e preparava-se para mudar para a Bahia quando concedeu entrevista para esta reportagem.
1999
- “Os residentes ainda não são nada, estão pleiteando entrar nesse mercado e ser especialistas. O que há por trás disso é que a escola médica não capacita mais a pessoa para entrar no mercado de trabalho. Há uma inadequação no modelo de formação do médico.”
- “Não dá para parar o serviço e voltar para a necessidade dos residentes. Mas é possível que as necessidades dos residentes e a dos serviços possam se encontrar.”
- “(Os) interesses teriam de ser compatibilizados. A sociedade de especialista ofereceria subsídios, adequando a residência às necessidades da especialidade, conciliando os interesses das instituições de ensino com o processo de aprendizagem no interior da residência.”
- “Temos tradição de aprender medicina com aqueles que sabem fazer medicina, vendo-os fazer; não por serem pessoas com capacitação para ensinar, e sim especialistas em alguma área.”
2007
- “Todo dia,como profissional de Saúde Coletiva, como emergencista e até como paciente (já que não tenho a mesma saúde da infância) me deparo com situações onde um indivíduo ou um coletivo de pessoas está doente, ou sofrendo, ou exposto a riscos e não tem acesso a um atendimento apropriado.”
- “Em Saúde Coletiva é importante trabalhar em lugares onde há condições de se fazer um bom trabalho e, na maioria das vezes, isso significa ter um governo decidido a investir em mudanças.”
- “Na maioria das urgências os médicos não têm formação para estar lá e pouquíssimos estão preparados para assumir uma equipe de saúde da família. Nas especialidades há profissionais tecnicamente bem treinados, mas que desconhecem completamente a realidade de seus pacientes e se interessam pouco pelo sistema de saúde ao qual trabalham.”
- “Identifico a ênfase do ensino médico em fazer diagnósticos e intervenções pontuais com uma conseqüente deficiência em manejar , (...) os problemas de pessoas reais, com sentimentos diversos sobre seu sofrimento e a influência dele sobre sua vida.”
A maior mudança de nossas vidas
Na edição número 6, referente ao primeiro trimestre de 1999, a revista publicou o artigo Os melhores ou os piores anos de nossas vidas?, escrito pelo cirurgião recém-formado, Maurício Pichler Ricci. Ele discorria sobre as dificuldades e os prazeres do início de carreira, quando tinha 32 anos e fazia pós-graduação na Unifesp/EPM. Na época já era casado com Fabrícia Leal e pai do garoto Vinícius, de apenas dois anos.
Hoje Vinícius tem 9 anos; Ricci e Fabrícia (foto acima) tiveram mais um filho, João Maurício, de 7 anos. “João foi a minha maior mudança, nesses oito anos”, diz o pai.
1999
- “Após seis anos de ‘boa vida’ acadêmica, iniciei a residência, em 1994, de cirurgia geral/gastrocirurgia no Hospital São Paulo. (...) Acabara aí meu sossego. Não é necessário descrever aqui as agruras que os residentes têm de enfrentar. Convicto de que esses quatro anos resultaram em aprendizado e amadurecimento, entrei no mercado de trabalho.”
- “Como se não bastassem as dificuldades profissionais, monetárias e afetivas – pela falta de tempo – resolvi seguir os caminhos da pós-graduação. (...) ao final de uma semana, contabilizo: três plantões de 12 horas em PS cirúrgico, 40 pacientes atendidos em dois hospitais de convênio (incluindo consultas e cirurgias), duas horas de exames proctológicos, três visitas acadêmicas e uma reunião de disciplina; tudo isso recheado por aulas e palestras.
- "Ainda chego em casa e tenho que estudar, preparar aulas, ler artigos e trabalhar em minha tese de mestrado. Meu filho deve me achar um fantasma – chego à noite, de vez em quando, todo de branco...”
- “...Nossas condições de trabalho em hospitais públicos são sofríveis e estamos à mercê das regras da saúde supletiva. No intuito de contornar esta situação, nos desdobramos entre quatro/cinco empregos, condição corriqueira para todos nós. Mas essa situação profissional existe por sermos médicos ou por sermos brasileiros? Prefiro deixar esta questão para os nossos representantes. Afinal, minha função é trabalhar com pacientes.”
2007
- “Continuo na Escola Paulista.Trabalho no Pronto-Socorro do Hospital São Paulo, há nove anos, e faço coloproctologia no Hospital Estadual de Diadema, ambos administrados pela SPDM/EPM”.
- “Tenho consultório particular mas não sou cadastrado em nenhum convênio, o que diminui o tempo dedicado a ele. É a opção pela qualidade, não pela quantidade”.
- “O mercado de trabalho médico, com suas especialidades, é amplo e com muitas possibilidades. Para os cirurgiões, basicamente os campos de trabalho são na esfera pública ou suplementar. Acredito que uma séria dificuldade para os médicos jovens é o cadastramento em bons convênios, mesmo que seja uma faca de dois gumes.”
- “O ensino médico está se transformando em uma indústria poderosa. Isso acarreta um problema evidente, a abertura de inúmeros cursos de medicina sem a mínima qualidade para formar médicos. Nestes dez anos, pudemos observar também a ‘vestibularização’ da prova de residência, o que vem transformando o 5º e 6º anos de Medicina em um grande cursinho”.