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EDITORIAL
Nesta edição, uma entrevista, inteligente e informal, com o bibliófilo José Mindlin


ENTREVISTA
José Ephim Mindlin: inteligência, lucidez e bom humor numa entrevista surpreendente!


CRÔNICA
Crônica de Artur Xexéu: Dr. Kildare versus Dr. Casey... Você lembra desses seriados médicos?


MEIO AMBIENTE
Estado do Amazonas: as comunidades indígenas e o (difícil) acesso à saúde


CONJUNTURA
A difícil rotina dos médicos intensivistas em UTI pediátrica é tema de tese de doutorado


SINTONIA
Veja o que diz Lynn Silver, subsecretária de Saúde de NY, sobre o sistema de saúde norte-americano


DEBATE
Debate sobre Custos e Qualidade no atendimento à saúde reúne Cremesp, HSL e Unimed


HOMENAGEM AO DIA DA MULHER
Texto de Isac Jorge Fº, rico em detalhes, traz a triste história das mulheres ditas "feiticeiras"...


GOURMET
Prepare-se para sentar-se à mesa e saborear duas receitas simples, mas deliciosas!


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Acredite: médico e artista cria nova técnica de pintura a partir da expressão de rabiscos


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Pra descontrair, consulte o Pequeno Glossário de Chistes Médicos, de Christopher Peterson


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Ilha Grande... ah... essa viagem você tem que fazer! Fotos e texto transportam você para lá, virtualmente...


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LIVRO DE CABECEIRA
Para quem gosta de uma boa leitura, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda


POESIA
Poesia de E. E. Cummings, do livro 40 Poem(a)s


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Edição 38 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2007

HOMENAGEM AO DIA DA MULHER

Texto de Isac Jorge Fº, rico em detalhes, traz a triste história das mulheres ditas "feiticeiras"...

Caça às bruxas ou preconceito de gênero?
Isac Jorge Filho*


Examinação de uma bruxa - quadro de série feita pelo pintor Thompson Mattesson, sobre os julgamentos de Salem, nos EUA
(imagem cedida como cortesia pelo Peabody Essex Museum/Salem, Massachussets, EUA)

“Não permitirás que uma bruxa viva” 
(versículo 22, do capítulo 17 do livro do Êxodo, da Bíblia)

Desde criança ouço ou leio histórias recheadas de figuras possuidoras de muitos poderes, sempre voltados para o mal. As bruxas assustam crianças há séculos. E, é intrigante, quase sempre são mulheres. Quando, muito raramente, se fala em bruxo, a conotação é outra. Chega a ser elogioso chamar de “bruxo” um técnico esportivo que consegue resultados inesperados e quase milagrosos. Já as bruxas... que Deus nos livre delas.

Como nesse mundo tem doido para tudo e a Internet está mesmo aí, resolvi pesquisar o assunto. As perguntas eram muitas: Como, quando e porque apareceu essa assustadora figura feminina? Por que é sempre descrita como feia, nariguda e aparece vestida de preto? Seria apenas mais um “bicho-papão” para assustar as criancinhas que não querem nanar? Qual é o significado do caldeirão, quase sempre presente nas histórias de bruxas?

Durante a pesquisa fui entendendo que a história não era literatura infantil. Muito ao contrário. Apresentava componentes tétricos de uma grande matança, que incluía variados ingredientes, centrados na intolerância religiosa e em claro preconceito de gênero. A “caça às bruxas” começou no fim do século XIV e foi até os meados do século XVIII, iniciando-se, portanto, no final da Idade Média e atingindo seu clímax já na Idade Moderna. O processo passou a ser mais violento a partir da publicação, em 1486, do Malleus Malleficarum (Martelo das Bruxas).

Tal documento, produzido pelos inquisidores Jacob Sprengher, decano da Universidade de Colônia; e Heinrich Kramer, prior de Salzburg, era um código contra as “artes negras da magia” que, a partir da interpretação do versículo 22, do capítulo 17 do livro do Êxodo, da Bíblia (“Não permitirás que uma bruxa viva”. Traduções bíblicas mais recentes abrandam para: “Tu castigarás de morte àqueles que usarem de sortilégios e encantamentos”), iniciou um movimento de “sagrada” histeria na Inquisição. O Martelo das Bruxas constava de três partes.

Na primeira, ensinava aos juízes como reconhecer bruxas, que sempre estariam sob disfarces e falsas atitudes aparentemente normais. Na segunda, mostrava os vários tipos de malefícios perpetrados por elas. No último, estabelecia formalidades “legais” que permitissem inquiri-las com a certeza da condenação. Coisas absurdas aconteciam.

Qualquer suspeito de feitiçaria era levado ao tribunal, bastando para isso três testemunhas que, juntas, relatassem o ocorrido, como “prova” dos autos. As confissões eram obtidas por meio de torturas. Sinais, como manchas ou insensibilidade à dor em alguma parte do corpo, constituíam em fortes indícios de feitiçaria. Nessa linha, os mamilos extra-numerários eram fatais. Por vezes as atitudes tinham características tragicômicas. Assim, suspeitas eram amarradas em cruz sobre madeiras e atiradas a um rio. Caso não afundasse, isso era prova de que estava protegida por Satanás e, por esta razão, deveria morrer na fogueira. Os casos de afogamento eram entendidos como antecipação da justiça divina!

O texto do manual deixa clara a maior suscetibilidade das mulheres a serem bruxas. Uma das teses centrais do Malleus Malleficarum era a de que o demônio exercia seus malefícios através do corpo, único lugar por onde pode entrar, já que “o espírito é governado por Deus, a vontade por um anjo e o corpo pelas estrelas, e como as estrelas são inferiores aos espíritos e o demônio é um espírito superior, só lhe resta o corpo para dominar e este domínio lhe vem por meio do controle dos atos sexuais. Veja a “lógica”: “Foi pela sexualidade que o primeiro homem pecou, portanto é a sexualidade o ponto mais vulnerável de todos os homens”. E, ainda seguindo uma “lógica” que, incrivelmente, foi aceita e respeitada por séculos: “como as mulheres estão basicamente ligadas à sexualidade, as feiticeiras são os agentes por excelência do demônio, e tendo Eva nascido de uma costela torta de Adão, nenhuma mulher pode ser reta”.

Hoje, parece absurdo que tantas pessoas se envolvessem nas determinações desse cruel código de comportamento. Mas, é enorme o número de pessoas sacrificadas a partir do Malleus Malleficarum. As dimensões desse genocídio nunca foram claramente estabelecidas. Deirdre English e Bárbara Ehrenreich, em seu livro Witches, Nurses and Midwives (The Feminist Press, 1973), apresentam estatísticas aterradoras da incrível queima de mulheres “feiticeiras” em fogueiras durante quatro séculos:

“A extensão da caça às bruxas é espantosa.  No fim do século XV e no começo do século XVI, houve milhares de execuções – usualmente eram queimadas vivas na fogueira – na Alemanha, na Itália e em outros países. A partir do século XVI o terror se espalhou por toda Europa, começando pela França e pela Inglaterra. Um escritor estimou o número de execuções em 600 por ano para certas cidades, uma média de duas por dia, ‘exceto aos domingos’. 900 bruxas foram executadas em um único ano na área de Wertzberg, e cerca de mil na diocese de Como. Em Toulouse, 400 foram assassinadas num único dia, no arcebispado de Trier, em 1585. Duas aldeias foram deixadas apenas com duas mulheres moradoras cada uma. Muitos escritores estimaram que o número total de mulheres executadas subia à casa dos milhões, e as mulheres constituíam 85% de todos os bruxos e bruxas executados.”

É muito provável que estes números sejam exagerados. Marilyn French em seu livro: Beyond Power (Summit Books, Nova York, 1985), fala em “no mínimo cem mil mulheres” queimadas vivas. O que mais se aceita atualmente é que o total de vítimas ficou entre 50 e 100 mil, o que já é um número lamentavelmente grande.

Quando se busca o porquê de tantas mortes cruéis, encontramos como causas primárias a intolerância e o fanatismo religioso, cujo clímax coincide com a Inquisição, mas que se inicia muitos séculos antes. Segundo Richard Olson, em Spirits, witches, & science: why the rise of science encouraged belief in the supernatural in 17th-century England, na mitologia cristã o que caracterizava uma bruxa era o uso de seus poderes para fazer o mal e fazer sexo com Satanás, especialmente no Sabbath – que era um ritual farsesco de missa.

Histórias horripilantes dessa relação entre bruxas e o Diabo atravessaram séculos, sendo aceitas amplamente como verdades incontestáveis pelos mais pios cristãos. As execuções ocorreram principalmente na Suíça, Alemanha e França. Na Inglaterra a caça às bruxas só foi abolida em 1682. Nos Estados Unidos atingiu seu pico em 1692 quando em Salem, Massachusetts, 19 mulheres foram enforcadas. Na Europa, a última execução ordenada judicialmente ocorreu em 1793, na Polônia, já que foi frustrada uma tentativa de execução por camponeses de uma bruxa irlandesa em sua própria lareira, em 1900. Durante esse longo período de mortandade, cerca de 75% a 85% das vítimas foram mulheres. Mas é interessante citar que a maior parte das denúncias também partiu de mulheres.


Experiência de George Jacobs, também da série de  Mattesson em Salem (imagem cedida como cortesia pelo Peabody Essex Museum/Salem, Massachussets, EUA)

Parece certo que a maioria das execuções tinha razões religiosas. No entanto, não se pode deixar de lado o fato de que, aproveitando a onda de intolerância, muitas mulheres foram mortas porque representavam lideranças culturais que incomodavam o status quo. Nesta linha, Rose Marie Muraro, descreve que desde a antiguidade as mulheres eram as curadoras populares, as parteiras e, enfim, detinham saber próprio que era transmitido de geração em geração. Em muitas tribos primitivas elas eram as xamãs. Na idade média seu saber se intensifica e aprofunda, o que se torna ainda mais importante na medida em que os homens partem para as guerras. Por outro lado, as mulheres camponesas pobres não tinham como cuidar da saúde, a não ser com outras mulheres, “tão camponesas e tão pobres quanto elas”.

Essas curadoras eram cultivadoras ancestrais de ervas que devolviam a saúde e, também, as melhores anatomistas de seu tempo. Eram parteiras que viajavam, de casa em casa, de aldeia em aldeia, e médicas populares para todas as doenças. Com isso passaram a ameaçar os poderes vigentes. Representavam, também, ameaça ao poder médico que se desenvolvia nas universidades, fechadas para as mulheres. Ameaça ao poder político, já que se juntavam em amplas confrarias, trocando entre si os segredos da cura de doenças do corpo e da alma. Em última análise, essas mulheres providas de conhecimentos práticos e de liderança representavam um perigo e, portanto, que fossem para o fogo na Europa e para a forca nos Estados Unidos da América.

Suspendi minha pesquisa por absoluto asco. As bruxas de nossa infância, de roupa preta, vassoura e caldeirão, trazidas ao ideário infantil pelos irmãos Grimm, nada têm a ver com as bruxas da história da humanidade. Estas últimas foram mulheres de valor, vítimas de um grande e covarde genocídio. Mais um, para se somar ao que praticamente exterminou os índios americanos, os milhares e milhares de judeus e outros não-arianos na Segunda Guerra Mundial, e outros milhares que a ganância, a insensibilidade e o desrespeito ao próximo estão cuidando de matar por atacado na Ásia e na África.

Para mim chega! Com bruxa eu não brinco mais...


* Isac Jorge Filho é gastroenterologista,
conselheiro e ex-presidente do Cremesp



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