PONTO DE PARTIDA

A luta pela preservação da biodiversidade que resta ao planeta é o grande desafio da civilização neste século. Desde a revolução industrial, o mundo contabiliza notáveis avanços que trouxeram benefícios importantes, porém, o homem tentou dominar e explorar a natureza antes de conhecê-la. Em consequência, assiste atônito a vários e interligados efeitos do superaquecimento global, como demonstra o documentário Uma Verdade Inconveniente, protagonizado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore. O político norte-americano diz que ainda é possível contornar uma catástrofe, desde que medidas urgentes sejam tomadas.

Uma delas é aumentar as exigências do Protocolo de Kyoto, que prevê a redução gradual de emissão de gases tóxicos na atmosfera, tratado até hoje não ratificado pelos Estados Unidos, o maior produtor de gás carbônico do mundo. A recusa do governo dos EUA em se tornar signatário neutraliza os esforços dos demais países, que convergem para o entendimento da natureza como um sistema integrado e de equilíbrio delicado. A comunidade mundial precisa redimensionar a sua relação com o Planeta, “conhecer a natureza e avançar submetida a seu ritmo e dinâmica”, como defende o professor de filosofia da USP, Franklin Leopoldo e Silva. O superaquecimento global é um dos assuntos que destacamos nesta edição para a reflexão dos colegas, dada à intrínseca relação entre saúde e meio ambiente.  

O leitor encontrará também uma reportagem sobre a exploração sexual infantil, outro grave problema social estreitamente vínculado à saúde. A vil exploração de crianças vulneráveis mereceu atenção do Congresso Nacional, que procurou apurar a extensão do problema no país. Mas a sociedade ainda aguarda atos mais efetivos, entre eles leis mais duras e específicas contra esse tipo de crime.   

Ainda nesta edição apresentamos um debate sobre a reforma do modelo de assistência à saúde mental – que está em curso no país –  com a participação de representantes do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Psiquiatria. O tema está na pauta do dia, sendo fruto de polêmicas no meio médico, o que é saudável e positivo. Das discussões certamente emergem as melhores soluções que, neste caso, precisam promover um salto qualitativo e quantitivo na assistência à saúde mental.

Nosso entrevistado deste número é o médico e escritor Moacyr Scliar, que faz uma curiosa analogia entre medicina e literatura. “A doença é extremamente reveladora, faz com que as máscaras caiam... É isso que fascina os escritores quando usam a doença como ponto de partida para um texto literário”, revela. Da mesma forma que a medicina fornece farto material à literatura, Scliar observa que as histórias de ficção oferecem aos médicos meios para entender os pacientes. Mesmo sendo um grande professor de medicina, Scliar é mais conhecido como escritor. Seu caso não é um fenômeno isolado. O colega Guido Palomba escreve um interessante artigo sobre alguns médicos que se tornaram celebridades em outras áreas. Com estas sugestões iniciais, convido os colegas à leitura desta nova Ser Médico que preparamos com o carinho e dedicação de sempre. 

Desiré Callegari
Presidente do Cremesp