CAPA
PONTO DE PARTIDA
Editorial, com Isac Jorge Filho
ENTREVISTA
Nosso convidado é Diego Gracia, um dos papas da Bioética na Europa
CRÔNICA
Acompanhe texto bem-humorado de Tufik Bauab, médico radiologista
CONJUNTURA
Uma análise da história da hanseníase no país
BIOÉTICA
A situação sombria das mulheres indianas
MÉDICAS EM FOCO
Marilza Rudge e Mary Ângela Parpinelli contam suas trajetórias profissionais
DEBATE
A quebra das patentes dos medicamentos no Brasil
FOTOLEGENDA
Harold Pinter, prêmio Nobel de Literatura, e a política externa dos EUA
SINTONIA
Hospital expõe fotos tiradas por crianças e adolescentes internados
LIVRO DE CABECEIRA
Totalidade e Infinito - Emmanuel Lévinas
CULTURA
Faculdade de Medicina da Bahia: 1ª instituição do ensino superior do país
TURISMO
O crescimento - prazeroso - do turismo rural no Brasil
HOBBY DE MÉDICO
Quando a partitura se transforma em instrumento de trabalho...
POESIA
Entre o Sono e o Sonho - Fernando Pessoa
GALERIA DE FOTOS
CRÔNICA
Acompanhe texto bem-humorado de Tufik Bauab, médico radiologista
Será que Deus é Ela?
Tufik Bauab*
Há algum tempo escrevo no Jornal da Imagem, o jornal mensal dos radiologistas de São Paulo. O meu chefe se chama Priscila. Fui convidado a enviar minhas crônicas para a Ser Médico, e quem entrou em contato comigo foram Ivolethe, e mais tarde, Thais. Ainda não tive o prazer de falar com o chefe da redação, que se chama Fátima. Se minhas crônicas forem aceitas outras vezes, passarei a ter uma mais três: quatro chefes. Isto só vem reforçar alguns conceitos anteriormente emitidos, que reafirmo agora.
Minha mulher é, como eu, radiologista. Especializou-se em radiologia das mamas e ficou famosa, sendo conhecida por esse Brasilzão afora. Uma das maneiras de Aldemir Soares se divertir é, com a solenidade inerente ao cargo de presidente do Colégio Brasileiro de Radiologia, me apresentar a quem quer que seja como o “marido da doutora Selma”. Já melhorou muito, porque quando ainda usávamos slides nas conferências, ele me apresentava como “o rapaz que carrega os slides da doutora Selma”. Como há tempos os slides foram abandonados, e há muito mais tempo deixei de ser rapaz, virei simplesmente o marido da doutora. Isso nunca me incomodou. Nem mesmo quando recebemos um convite de casamento endereçado ao “dr. Tufik De Pace Bauab e sra.” e um outro endereçado à “dra. Selma De Pace e marido”.
Não me incomodava. Dois acontecimentos recentes tiraram meu sossego. Uma nossa amiga aniversariou e ofereceu uma festa muito chique, animada, divertida, etc, enfim, como dizem os colunistas sociais de São José do Rio Preto, as bebidas eram néctares dos deuses, a música divina e o jantar se comia de joelhos. Realmente, a festa estava ótima. O que perturbava um pouco era o estado físico e espiritual da aniversariante: macérrima (ou magríssima - vai, chato, corre pegar o dicionário para conferir se não estou escrevendo errado), elegantérrima, alegríssima, etc, etc. E separada do marido há algum tempo. Sabe aquela piada que diz que a maneira mais rápida de se livrar de 60 quilos de gordura inútil é dar um chute no marido?
Parece que para ela a piada se tornou realidade. Todos nós, aqueles maridos orgulhosos, cheios de si, se achando, certos de serem completamente insubstituíveis na vida de nossas esposas, tivemos nossos alicerces abalados. Porque ali estava a prova viva, palpável, que elas podem muito bem viver sem nós, maridos. E aí começou a rolar aquela conversa de que antigamente era melhor, no meu tempo mulher era mulher e homem era homem, cada um no seu lugar, que agora as mulheres estavam independentes, já não precisavam do nosso dinheiro e menos ainda de nosotros. E um dos amigos, abaladíssimo, confessou que se separasse da esposa, talvez tivesse que pedir pensão alimentícia. Elas já estão até se dando o direito de debochar: uma de nossas amigas fala para quem quiser ouvir que se casou com o toureiro e que agora dorme com o touro, de tão gordo que está o marido. E outra diz que o marido está em forma, porque redondo também é uma forma.
O segundo acontecimento foi a Jornada Paulista de Radiologia. Não sei quantas mulheres participaram. Parecia que o ITM havia sido invadido por um mar de saias, mules, sandálias, rasteirinhas, tamancões, saltos agulhas.... Mas o mais notado foi o profissionalismo. Tirando uma ou outra exagerada que insistia em desfilar as glândulas turbinadas (nem precisa de bóia para nadar – flutua no silicone) visíveis pelos decotes e fendas que melhor combinariam em certos ambientes noturnos, o comportamento foi do mais absoluto profissionalismo.
Desde as conferencistas até as moças auxiliares de sala, passando pelas coordenadoras e residentes, fica a impressão de que nós, os machos da espécie, estamos ficando para trás. Está achando exagero meu? Na próxima jornada, vá até a sala de Mama, por exemplo, para ver os pobres coitados com olhar de cachorro que caiu da mudança, perdidos numa avalanche de saltos 12. E a invasão não pára aí. É chocante para nós, homens, a facilidade com que elas saltam de “qual a melhor seqüência para o diagnóstico do hepatocarcinoma” para “você tem que me contar onde comprou essa bolsinha chiquérrima”. Não consigo entender como as mulheres podem mudar de assunto tão rapidamente ou falar de vários assuntos simultâneamente.
Mas se Chico Buarque, poeta e mulherólogo de larga fama e conceito, diz que não consegue penetrar a alma feminina, quem sou eu para tentar entendê-las? Mas se não as entendo, as sinto. Por exemplo, minha mulher é tão perfeccionista que é para mim até um cumprimento que ela me aceite como marido. Já me conformei: acredito que aqui na Terra inevitavelmente perderemos nossos lugares para as mulheres. Nesta vida seremos indubitavelmente chefiados por mulheres, a começar pela Casa Civil.
Minha maior preocupação agora é outra: sempre nos referimos a Deus como Ele. Como ninguém foi até lá para conferir (e voltou) temo que chegando ao Céu eu descubra que, na verdade, Deus é Ela. E o que é pior, que esteja com TPM e que me mande arrumar a cozinha.
Tufik Bauab é radiologista em São José do Rio Preto