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LIVRO DE CABECEIRA
Moacyr Scliar e Renato Nalini


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Edição 25 - Outubro/Novembro/Dezembro de 2003

LIVRO DE CABECEIRA

Moacyr Scliar e Renato Nalini

Dança com a morte

Grandes escritores deram-nos notáveis descrições da doença e da prática médica. Estas descrições são ainda mais pungentes quando o doente é o próprio autor. Nesta última categoria enquadra-se De profundis: valsa lenta, do grande escritor português José Cardoso Pires (1925/1998). Autor de textos importantes, como Balada da Praia dos Cães, detentor do Prêmio Fernando Pessoa, teve um acidente vascular cerebral que o deixou afásico. Para qualquer pessoa isto é um duro transe. Mas para um escritor, que vive das palavras e para as palavras, trata-se de catástrofe avassaladora, da qual Cardoso Pires se recuperou, contudo. No pouco tempo que lhe restou antes do segundo AVC, este fatal, colocou no papel a sua experiência. A primeira coisa que se nota: já não consegue associar palavras e coisas. Chama as chinelas de "cachimbo", por exemplo. Já "simosos" (que grafa com uma interrogação ao lado) pode ser gilete ou óculos. O seu próprio nome, José, lhe é estranho ("tão feio, considerava eu"). A estranheza diante das palavras acaba por perturbá-lo; ele se dá conta que está "em viagem de passos perdidos", uma "viagem de desmemória". Não estarei a caminhar para a loucura? interroga-se, inquieto. Neutraliza essa inquietude com a despersonalização: ele já não é o Cardoso Pires de sempre, ele é "o Outro", de quem fala na terceira pessoa: Eu não estou doente; é o Outro que está. E o Outro é levado ao hospital, faz exames, fica internado. A médica diz-lhe que deve ficar bom logo, para voltar a escrever. Escrever?, pergunta-se. Ele não acredita que ainda exista um escritor no "homem ali estendido à espera de coisa nenhuma". Mas reagiu, provavelmente auxiliado pela vontade de "viver para contar", segundo a expressão que dá título à autobiografia de García Marquez.
 
Moacyr Scliar
Médico e escritor imortal

O terror à espreita

Requisitado para as obrigações impostergáveis, o ser humano já não dispõe de tempo para a reflexão. O tempo é cada vez mais escasso e reservado ao trabalho, compromissos profissionais e deveres sociais.
À leitura não se reserva a primeira das opções de lazer. A preferência recai sobre algo que divirta, distraia ou alivie a tensão. No teatro, a comédia é o que mais atrai. No cinema, aventura e ação. Atividades físicas também estão em alta. Nessa linha, a literatura de auto-ajuda é o signo da contemporaneidade. Se o autor conjugar a receita da felicidade com alguma ficção esotérica, o êxito será inevitável. Todavia, ainda há quem extraia prazer de uma leitura instigante. Para estes, é recomendável o livro "Império e Terror". Ao reconhecer que a incerteza é a única certeza e que o terror está à espreita, o autor adverte que o século XXI poderá ser ainda pior do que o anterior. No momento em que a hegemonia americana é vulnerável, como demonstrou o atentado de 2001, nada mais é seguro.

Os instrumentos para o combate ao terrorismo são o direito e a política. Ambos em descrédito nesta Era. Vive-se uma maré de reformas, evidência de que nada mais é tranqüilo ou estável. O paralelo entre o Império Romano e a fisionomia do novo imperialismo serve à identificação de alguns sintomas de nossa Era. Desintegram-se as crenças, os costumes e o sistema normativo. Caminho convidativo para os fundamentalismos.

A leitura de "Império e Terror" incomoda, faz pensar, mas fortalece a convicção de que o mundo  necessita de uma urgente reconversão ética. A alternativa é o caos e a barbárie, sem similar histórico, pois o terror tem hoje, a servi-lo, as armas biológicas e nucleares.

José Renato Nalini
Juiz Presidente do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo
IMPÉRIO E TERROR
Autor: Gilberto de Mello Kujavski
Editora: Ibrasa


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