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Edição 89 - Outubro// de 2019

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Vanguarda

Pesquisas

A busca contínua do tratamento ideal

Cura da infecção pelo HIV terá de combinar diferentes estratégias

Por Mônica Jacques de Moraes*

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Apesar do enorme sucesso no tratamento da infecção pelo HIV, muitos desafios permanecem. Ao menos 10% dos indivíduos sob tratamento antirretroviral, em diferentes contextos, não conseguem atingir ou manter supressão viral 1,2. Má adesão ao tratamento, toxicidade medicamentosa e resistência viral continuam a representar obstáculos ao sucesso terapêutico.


Na primeira parte deste artigo serão abordados novos medicamentos, ainda não aprovados no Brasil, que emergem como alternativas para superar tais obstáculos. O desafio maior a ser enfrentado na busca do tratamento ideal, entretanto, é substituir o paradigma do “controle de doença crônica” pelo paradigma da “cura”. As perspectivas de tratamento curativo para a infecção pelo HIV serão abordadas na segunda parte do artigo.

NOVOS ANTIRRETROVIRAIS
No último ano, novos medicamentos de classes já existentes ou de novas classes foram avaliados favoravelmente em estudos de fase 3 e foram aprovados (ou estão em fase final de aprovação) por agências regulatórias europeias e norte-americanas.


Doravirina é um inibidor de transcriptase reversa não-análogo de nucleosídeo (ITRNN),
aprovado isoladamente e como pílula combinada com tenofovir disoproxil e lamivudina para início de tratamento. Comparado ao ITRNN efavirenz, foi não-inferior quanto à eficácia, mostrando um perfil superior quanto a efeitos adversos, especialmente neuropsiquiátricos. O perfil de tolerância favorável, também em comparação com o inibidor de protease darunavir, é a principal vantagem da doravirina. Ela não é um ativo
contra HIV-2 e, ainda que apresente um perfil de resistência diferente do efavirenz, não é um medicamento de alta barreira genética e, no caso de falha, pode induzir resistência cruzada aos outros ITRNN3.


Cabotegravir é um inibidor da integrase (INI) de segunda geração, portanto, assim como o dolutegravir, oferece alta barreira à emergência de resistência. Em 2019, a formulação injetável de ação longa, em combinação com rilpivirina, foi submetida à aprovação com base nos estudos que compararam uma administração subcutânea mensal com a terapia tripla tradicional. Como o esquema duplo injetável mensal foi nãoinferior ao esquema triplo oral padrão e foi bem tolerado, a combinação passou a ser considerada uma alternativa para o subgrupo de pessoas que prefere tratamento injetável intermitente4.


Duas novas classes de antirretrovirais foram inauguradas, recentemente, em estudos que focaram alternativas para tratamento de pacientes portadores de vírus multirresistentes. Ibalizumab é o primeiro anticorpo monoclonal aprovado para tratamento da infecção pelo HIV. É um inibidor de entrada que se liga ao domínio 2 da molécula CD4 e, após a fase de fixação (attachment), interfere com os passos necessários à entrada do vírus na célula. Deve ser administrado por infusão intravenosa, repetida a cada duas semanas. Embora tenha se comprovado útil no contexto da multirresistência, o alto custo (U$ 118.000 por ano) e a complexidade da administração são impedimentos para que o ibalizumab se viabilize como uma alternativa de tratamento na prática. Formulações de administração mais simples estão sendo estudadas5.

Fostemsavir é um inibidor da fixação que se liga à glicoproteína 120 do HIV e impede as mudanças conformacionais necessárias à fixação do vírus na célula CD4. Em casos de resistência antirretroviral ampla, foi possível obter sucesso virológico em 60% daqueles com opções terapêuticas restritas e em 37% daqueles sem qualquer opção de tratamento. Em ambos os grupos o tratamento foi bem tolerado e uma resposta imunológica substancial foi obtida. O medicamento ainda não está aprovado pelas agências regulatórias, porém esses resultados favoráveis, amplamente divulgados no último ano, devem culminar com a aprovação do fostemsavir para tratamento de pacientes com opções terapêuticas restritas6.


Vários outros medicamentos se encontram em fases mais precoces de desenvolvimento. Muitos têm potencial inovador quanto à posologia e formas de administração, outros objetivam superar a resistência viral10.

 

2
Célula isolada infectada pelo HIV


A CURA
Por melhores que sejam os resultados da terapia ARV, atualmente, para que o impacto da infecção pelo HIV na saúde seja mínimo, há necessidade de início precoce do tratamento e manutenção deste durante toda a vida. Frente a isso, é natural que a possibilidade de cura exerça intenso apelo tanto para pessoas com HIV como para pesquisadores.


Até o presente, um único caso de cura da infecção pelo HIV foi documentado – o Paciente de Berlim, que se mantém sem terapia ARV e livre de vírus há 12 anos. Adicionalmente, em 2019, dois casos de remissão pós-transplante de medula óssea realizados em Londres foram relatados, porém os próprios pesquisadores recomendaram cautela na interpretação, já que situações de remissão passageira foram erroneamente interpretadas como cura no passado7. Nos três casos, indivíduos já diagnosticados com HIV desenvolveram neoplasias hematológicas e foram submetidos a transplante de medula óssea. Os doadores eram homozigotos para a delação ΔCCR5, condição rara na população geral, que confere proteção contra o HIV. O tratamento dos três pacientes envolveu quimioterapia e, no pós-transplante, doença enxerto x hospedeiro e 100% de quimerismo. No caso do Paciente de Berlim, fatores adicionais podem ter contribuído para a erradicação do HIV: o próprio paciente era heterozigoto para ΔCCR5, foi submetido a dois transplantes, radioterapia de corpo inteiro e quimioterapia de alta intensidade. A complexidade desses três casos aponta tanto às possibilidades como aos entraves para intervenções inovadoras visando à cura.

A partir do caso do Paciente de Berlim, além do próprio transplante de células-tronco, outras estratégias de cura têm sido exploradas, como a edição de genes para tornar as células do hospedeiro resistentes ao HIV. Com a tecnologia CRISPR/Cas9 é possível promover a deleção do gene CCR5 e tornar as células resistentes ao vírus; o custo da ΔCCR5, no entanto, pode ser a elevação da taxa de mortalidade9.

Na estratégia kick and kill, a ideia central é usar agentes que revertem a latência viral, como os inibidores de desacetilação de histonas (HDAC), para expor o vírus em replicação ao tratamento antirretroviral, e as células infectadas ativas, ao sistema imune, até que o reservatório viral se esgote. Infelizmente, nos testes clínicos não foi possível demonstrar redução do reservatório8.

Em contraste com as tentativas de erradicação viral, pesquisas mais recentes têm buscado a remissão da infecção, ou seja, o controle durável da infecção na ausência de terapia ARV. Exemplos promissores são a substituição dos antirretrovirais por outra intervenção contínua ou intermitente, como uma vacina terapêutica ou a administração de anticorpos monoclonais de amplo espectro neutralizante (bNAbs) de vida média longa, que poderiam ser administrados a cada seis meses. Outra tática é a combinação de diferentes bNAbs precocemente na infecção aguda, visando promover o estado de “controlador de elite”, o que dispensaria intervenção adicional. Nesse caso, a maior dificuldade é a identificação da infecção em fase suficientemente precoce9,10.

Tudo indica que, para que a cura da infecção pelo HIV deixe de ser um caso excepcional, será necessária a combinação de diferentes estratégias. Entretanto, antes que qualquer estratégia de cura se coloque como alternativa para o tratamento da infecção pelo HIV, ela deve se provar mais segura que a terapia antirretroviral, viável e, quanto a logística e custo, factível em larga escala8.

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Modelo de anticorpo antagônico ao HIV; desafio na pesquisa sobre o vírus e a aids é produzir uma vacina que provoque anticorpos eficazes contra as muitas variações de proteínas do HIV

 

Referências bibliográficas
1. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, Do HIV/aids e das Hepatites Virais. Relatório de Monitoramento Clínico do HIV 2018. @www.saude. gov.br/bvs, acessado em 1/10/2019.
2. Guidelines for the Use of Antiretroviral Agents in Adults and Adolescents with HIV.@https://aidsinfo.nih.gov/guidelines/html/1/adult-and-adolescent-arv/0. Accessed on December 2nd, 2019.
3. Orkin C, Squires KE, Molina JM, et al. Doravirine/lamivudine/tenofovir disoproxil fumarate is non-inferior to efavirenz/emtricitabine/ tenofovir disoproxil fumarate in treatment-naive adults with human immunodeficiency virus-1 infection: Week 48 results of the DRIVE-AHEAD Trial. Clin Infect Dis. 2018. Available at: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pubmed/30184165.
4. Fernandez C, van Halsema CL. Evaluating cabotegravir/rilpivirine long-acting, injectable in the treatment of HIV infection: emerging data and therapeutic potential. HIV-aids (Auckl). 2019;11:179–192. Published 2019 Jul 31. doi:10.2147/HIV.S184642.
5. Emu B, Fessel J, et al. Phase 3 Study of Ibalizumab for Multidrug-Resistant HIV-1. 2018. N Engl J Med 2018; 379:645-654.
6. Lataillade M, Lalezari J, Aberg J, et al. Week 96 safety and efficacy of the novel HIV-1 attachment inhibitor prodrug fostemsavir in heavily treatment-experienced participants infected with multi-drug resistant HIV-1 (BRIGHTE study). 10th IAS Conference on HIV Science (IAS 2019), July 21-24, 2019, Mexico City. Abstract MOAB0102.
7. Stevenson M. CROI 2019: Basic Science. Topics in Antiviral Medicine Volume 27 Issue 1 April 2019.
8. Chun T, Eisinger RW, Fauci AS. Durable Control of HIV Infection in the Absence of Antiretroviral Therapy: Opportunities and Obstacles. JAMA. 2019;322(1):27–28. doi:https:// doi.org/10.1001/jama.2019.5397.
9. Wei, X., Nielsen, R. CCR5-Δ32 is deleterious in the homozygous state in humans. Nat Med 25, 909–910 (2019) doi:10.1038/s41591-019-0459-6.
10. HIV Pipeline 2019: New Drugs in Development. HTBSupplement: 2019 Vol 20:(1).

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3:Theasis/Istock


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