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Cartas e notas


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Entrevista


PÁGINAS 12 E 13
Crônica


PÁGINAS 14, 15, 16 E 17
Dossiê Acupuntura: uma breve história


PÁGINA 18
Dossiê acupuntura relato de caso


PÁGINAS 19,20,21,22,23
Dossiê acupuntura: panorama


PÁGINAS 24, 25, 26 E 27
Dossiê acupuntura em foco


PÁGINAS 28 E 29
Dossie Acupuntura: Vanguarda


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Tecnologia


PÁGINAS 32 E 33
Medicina no mundo


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Opinião


páginas 36,37 e 38
Hobby


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Agenda Cultural


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Resenha


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Fotopoesia


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Edição 88 - Julho/Agosto/Setembro de 2019

PÁGINAS 12 E 13

Crônica

A batalha do pequeno Davi contra os conflitos familiares

Por Maria Camila Lunardi*

Era só mais um plantão como todos os outros, com a sala de emergência lotada e aquele caos organizado que só entende quem trabalha num PS. Chega mais uma ambulância e o auxiliar de enfermagem entra na sala empurrando a maca com um homem de meia idade aparentemente desacordado. Ele é obeso, está sem camisa, e tem uma respiração rápida e ruidosa.

Imediatamente, a enfermeira faz a triagem e constata que o paciente está inconsciente. Vejo, de longe, alguém puxar o famoso “carrinho de parada”, e meu residente já se posicionar à cabeceira da maca.

Com o atendimento sendo realizado e, aparentemente, tudo sob controle, procuro algum acompanhante que possa dar mais informações sobre aquele senhor. Logo encontro uma moça, alguns anos mais jovem que o paciente, extremamente agitada. Ela se apresenta como esposa dele. Diz que havia acordado com o estranho barulho que seu marido fazia ao respirar e, percebendo-o desacordado, chamou a ambulância imediatamente.

Expliquei os procedimentos realizados e voltei à sala. Uma tomografia logo evidenciaria o que já prevíamos, um sangramento ocupava quase todo o hemisfério esquerdo do cérebro. A presença do neurocirurgião apenas confirmou o que eu já esperava ouvir – tentariam apenas passar um cateter para controlar a pressão intracraniana, mas acreditavam que o paciente já estava em morte encefálica. Antes de terminar minhas 12 horas de plantão, tive de chamar novamente a moça assustada, para dar a notícia do óbito de seu marido.

Dia seguinte, outro plantão, e lá estava a esposa do paciente do dia anterior me aguardando. Timidamente, explicou que havia conversado com a equipe de captação de órgãos, pois sabia que seu marido gostaria de doá-los, mas, legalmente, não poderia assinar os termos, pois não era esposa legítima.

Seu marido ainda era casado, formalmente, com sua primeira esposa, com quem não tinha contato, nem com as filhas do primeiro casamento. Porém, pediu um favor: seu filho, de nove anos, queria se despedir do pai antes do velório. Sem titubear, autorizei. Em poucos minutos, chegou um garoto lindo. Vamos chamá-lo de Davi.

Apesar da tristeza, ele me disse que queria muito ver seu pai fora do caixão e, por isso, quis vir ao hospital. Com jeito manso, chegou ao lado do leito do pai e conversou com ele. Ninguém conseguiu ouvir o que disse, mas toda a equipe da sala de emergência estava comovida.

Logo depois, disse-me que sua mãe havia lhe explicado que não poderiam doar os órgãos, mas que tinha contado ao pai que iria conversar com suas irmãs mais velhas para pedir que assinassem o documento. Perguntei se as conhecia e ele respondeu que não, mas iria pedir mesmo assim.

Já havia se passado pouco mais de 24 horas do falecimento, e o curto prazo para a doação de órgãos já se aproximava do fim. A assistente social havia solicitado a presença da família “legítima”. Logo, chegaram duas moças, quase da mesma idade da esposa do falecido. Eram as filhas, que diziam ter tido pouco contato com o pai nos últimos anos.

Enquanto lhes explicava os trâmites, percebia que, provavelmente, aquele era o primeiro contato com a última família do pai. Em suas fisionomias, dava para perceber mágoas e ressentimentos, mas ao ver Davi ambas sorriram discretamente.

Com sua maturidade dos nove anos, Davi apresentou-se às duas, e disse que sabia do desejo do pai de ser doador. E, pediu, então, com a meiguice de criança, que as duas conversassem com a mãe delas e solicitassem a autorização de doação.

Acho que, neste momento, nem mesmo o porteiro que acompanhava de longe o diálogo, conseguiu se conter. Os três irmãos se abraçaram, e elas disseram que trariam o documento preenchido.

Nunca mais vi Davi, e sei que nem era este seu nome. Chamei-o assim por ver a bravura de um menino tão pequeno frente ao Golias de todos aqueles conflitos familiares. E Davi venceu sua batalha. Não sei se ele continuou vendo suas irmãs ou se aquele foi o único contato. Mas soube que, cerca de 48 horas depois, nove pacientes se beneficiaram com a doação dos órgãos de seu pai, além da doação de material genético, também realizada.

Meses depois, soube também que Davi recebeu uma carta em seu nome, agradecendo seu altruísmo e amor ao próximo. Talvez existam poucos Davis, mas sei que um só valeu a pena para muitas pessoas.

* Supervisora do Programa de Residência Médica de Medicina de Emergência do Hospital Santa Marcelina e conselheira do Cremesp

Acesse a versão digital da Ser Médico na íntegra.


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