CAPA
PÁGINA 1
Nesta edição
PÁGINAS 6,7,8,9,10 E 11
Entrevista
PÁGINAS 12 E 13
Crônica
PÁGINAS 14, 15, 16 E 17
Dossiê: Reprodução Assistida - História
PÁGINAS 18,19 E 20
Dossiê: Reprodução Assistida - Em foco
PÁGINAS 21 E 22
Dossiê: Reprodução Assistida- Vanguarda
PÁGINA 23
Dossiê: Reprodução Assistida - Repercussão
PÁGINAS 24, 25, 26, 27, 28, E 29
Dossiê: Reprodução Assistida- Debate
PÁGINAS 30 E 31
Tecnologia
PÁGINAS 32 E 33
Medicina no mundo
PÁGINAS 34 e 35
Opinião
PÁGINAS 36,37 E 38
Solidariedade
PÁGINAS 39,40,41 E 42
Turismo
PÁGINAS 43,44,45 E 46
Agenda Cultural
PÁGINA 47
Resenha
PÁGINA 48
Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
PÁGINAS 12 E 13
Crônica
Ao ser médico...
Ele passou na faculdade de Medicina. Abraçou rápido a mãe para contar aos amigos. Teve a cara pintada para gritar vitória. Chegou tarde à comemoração da família para não deixar aquela alegria. Escondeu a bebedeira para não recusar a garrafa do sexto ano em sua boca. Foi à festa para conhecer pessoas. Obedecia aos veteranos para não dar problema. Fingia ter entendido para ter a admiração dos colegas. Escolheu um esporte para entrar na atlética. Limitava o sono para aprender mais rápido. Beijava bocas para contar aos outros. Desistiu de ser atleta para ser médico. Fofocava para não ficar de fora. Bebeu para celebrar a sexta-feira. Não aceitou viajar com os amigos de fora para estar com os novos. Brincou com o cadáver para provocar. Colou na prova para estudar depois. Entrou na liga de emergências médicas para atender à pressa. Aceitou ajudar em uma pesquisa para ter currículo. Pegou plantões de obstetrícia para ver um parto. Namorou para não ficar sozinho. Ficou até mais tarde para auscultar corações. Reinventava a forma de estudar para não errar mais. Ficava bravo para se sentir mais médico. Mentia para se manter no mesmo grupo. Experimentava para
não ser careta. Fazia provas para passar na disciplina. Tocava violão para não ser chato. Queria abandonar a faculdade para fazer outra coisa. Virava noites para atender à intercorrência. Ficou na faculdade para ser médico. Esquecia quem morria para atender ao próximo. Escondia o olhar para não dar opinião na discussão de caso. Evoluía da enfermaria para a visita. Decorava o protocolo para saber o que fazer. Segurava o choro para não entristecer o familiar. Não ia ao almoço de família para ficar no hospital. Ficava no celular para a aula acabar logo. Brigava com os colegas para entenderem que era quebra-mão. Dormia na aula para descansar. Tomava bronca do residente para ser médico. Tomou um porre para comemorar o fim da faculdade. Enlouquecia para estudar para a prova de residência. Abraçou os pais para sentir o orgulho deles. Saía correndo para passar o caso. Passava noites sem dormir para monitorar o paciente. Encontrava o residente didático para fugir do residente chato. Ajudou no artigo para dizer que publicou. Namorou uma médica para ser entendido por sua profissão. Discutia casos com os R1 para aprender mais. Foram morar juntos
para facilitar. Estudava para manter o que sabia. Brigava para que alguém cuidasse de casa. Mudava a forma de falar para ter networking. Casou para legalizar a relação. Chamou pouca gente para não precisar chamar todo mundo. Entrou na pós para não parar de estudar. Ficava horas no carro para ter os melhores plantões. Pensava em ter hobbies para ter outras coisas para fazer. Continuava nos trabalhos para ter dinheiro para o filho. Não atendia ao telefone para continuar atendendo. Saia correndo para tentar pegar o filho acordado. Aceitava plantão para quando precisasse trocar. Fechava
o consultório para não aceitar convênio. Deixou de falar com colegas para não se sentir em dívida. Brigava com a esposa para deixar claro estar fazendo tudo. Perguntava sobre trabalhos para garantir o segundo filho. Ameaçava ir embora para ser compreendido. Ia estudar investimentos para guardar dinheiro. Atrasava para mostrar-se sobrecarregado. Falava com o advogado para não perder para ela. Decepcionava o
filho para atender encaixe. Ia ao congresso para conhecer o lugar. Transava com outras para não ficar na vontade. Mentia que já sabia para não parecer desatualizado. Ficou com a casa para não perder terreno. Trocou de carro para parecer garanhão. Aguentava os filhos para não perder o fim de semana. Deixava de ir ao médico para se tratar. Não aceitava dieta para não ouvir o óbvio. Ficou sentado no casamento da filha para não dançar. Espremeu o pulso do residente para ser atendido. Exagerou a dor para passar na frente. Gritou ser médico para ser respeitado. Já sabia do cateterismo para abrir as artérias. Pensou se tinha alguém para chamar. Lembrou quando começou a estudar para fazer Medicina. Lembrou quando aprendeu a tocar violão para ser pop star. Lembrou dos sorrisos dos pacientes para lhe agradecer. Fechou os olhos para chorar. Ouviu o monitor apitar antes de chegarem os médicos para tentar reverter.
*A.N. Bruno (pseudônimo de Bruno Antonio de Lima Nogueira) é escritor, autor de “A Escolha de Gundar”, psiquiatra e psicoterapeuta, docente de Psicologia Médica e psiquiatria do Centro Universitário São Camilo.
Ilustração: Claudia Sena Trivella, artista plástica e ilustradora, formada pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo.