CAPA
PÁGINA 1
Nesta edição
PÁGINAS 5, 6, 7,8 E 9
Entrevista
PÁGINAS 10 E 11
Crônica
PÁGINAS 12, 13, 14, 15, 16 E 17
Dossiê: Psiquiatria/ História
PÁGINAS 18, 19, 20 E 21
Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas
PÁGINAS 22, 23, 24 E 25
Dossiê: Psiquiatria/ Transtornos do Humor
PÁGINAS 26, 27 E 28
Dossiê: Psiquiatria/ Suicídio
PÁGINAS 29, 30 E 31
Dossiê: Psiquiatria/ Vanguarda
PÁGINAS 32 E 33
Tecnologia - Telemedicina
PÁGINAS 34 E 35
Medicina no mundo
PÁGINAS 36, 37 E 38
Hobby
PÁGINAS 39, 40, 41 E 42
Agenda Cultural
PÁGINAS 43, 44, 45 E 46
Gourmet
PÁGINA 47
Resenha
PÁGINA 48
Fotopoesia
GALERIA DE FOTOS
PÁGINA 47
Resenha
Isso é coisa da sua cabeça
*Por Felipe Barros
Já perto da troca de plantão, Analice estava caída no consultório do pronto-socorro, debatendo os braços e as pernas, revirando os olhos e babando. Ao seu lado, estava Roberto, seu marido, que segurava sua cabeça enquanto gritava: “doutor, salve minha mulher, ela está convulsionando! O senhor não vai mandá-la para a UTI?”
Não.
É feito impossível passar uma temporada de plantões em pronto-socorro e não testemunhar ao menos um episódio semelhante. Ao fugir integralmente da semiologia descrita nos livros, associado a exames complementares completamente negativos, o único diagnóstico possível é um transtorno psicossomático. A maioria dos médicos não esconde a dificuldade do manejo desses pacientes, mas a neurologista Suzanne O`Sullivan optou por torná-los a razão da sua carreira. Descreve sua experiência no livro Isso é coisa da sua cabeça (308 páginas, Editora Best Seller, 2016).
São nove capítulos com histórias de pacientes com transtornos funcionais, coletados ao longo de 20 anos à frente de um centro especializado em pseudo-crises epilépticas. Fazem parte deles uma paciente que, após um acidente, fica cega sem nenhum motivo, um paciente que lê sobre esclerose múltipla e desenvolve sintomas idênticos, e outro que, à semelhança da Analice que abre esse texto, sofre de crises convulsivas intratáveis com medicamentos antiepilépticos. Interessa sobremaneira à autora o que é um sintoma real. Argumenta que praticamente qualquer sintoma pode tornar-se real, seja tremor, fadiga, dormência, dificuldade de fala. A questão é o que causa esses sintomas e, talvez mais importante, como resolvê-los?
Para respondê-la, Suzanne atravessa a história médica dos transtornos funcionais, começando por Hipócrates, que teve a perspicácia de observar que emoção pode causar suor e acelerar o coração. Passa por Freud e Chacot, neurologistas que adotaram e disseminaram o termo histeria. Termina na fronteira da ciência contemporânea, ilustrando os desenvolvimentos de neuroimagem funcional, que tentam achar uma marca para doenças psicossomáticas.
Nem a mais avançada neuroimagem facilita a árdua tarefa de comunicar esse diagnóstico. Como o próprio título ilustra, “isso é coisa da sua cabeça” é a última coisa que um paciente quer ouvir quando entra em um consultório médico. Existe uma resistência a aceitar causas emocionais como uma explicação. A lição mais valiosa que a autora transmite é a técnica que lapidou, em anos de tentativa e erro, para expor esse diagnóstico ao paciente, e persuadi-lo a buscar o tratamento psiquiátrico adequado. Enfatiza que, mesmo que os sintomas de que se queixam os pacientes sejam semelhantes, os motivos que os trazem até nós não são. Saber percorrer esses caminhos é o que confere a arte e a mágica da ciência médica.
*Felipe Barros é médico neurologista formado pela Unifesp, especialista em neurologia vascular e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia