“Congelar gastos em Saúde é atestar o início do fim do SUS”
“O Brasil gasta somente 3,9% com a Saúde Pública, quando países com sistema semelhante ao SUS investem 8% em média”
A perspectiva de aprovação da PEC 241 – agora denominada PEC 55, em tramitação no Senado – implica “atestar o início do fim do SUS, isto é, reconhecer que o Estado brasileiro não tem mais compromisso com o seu desenvolvimento”, avalia a economista Rosa Maria Marques, professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica – SP e presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde. Nesta entrevista ao Jornal do Cremesp, Rosa – com doutorado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pós-doutorado na Faculté d‘Économie da Université Pierre Mendès France, de Grenoble; e na Universidad de Buenos Aires – faz uma análise das consequências desastrosas que o projeto de congelamento dos gastos do Governo poderá trazer não só para a área da Saúde, como também para todas as áreas sociais.
Qual o impacto no financiamento do SUS com o congelamento de gastos públicos por vinte anos, como previsto na PEC 241?
Haverá uma perda estimada de R$ 417 bilhões de 2016 a 2017. Essa é a estimativa do Grupo Técnico Interinstitucional de Discussão sobre Financiamento do SUS (GTIF-SUS) – formado por pesquisadores que atuam na área de financiamento e que integram várias instituições –, considerando uma inflação de 4,5% e um crescimento do PIB de 2% ao ano. É claro que, quanto maior for o aumento da receita federal no período, maior será a perda do SUS.
O governo argumenta que, pela PEC 241, haverá um aumento no percentual da receita orçamentária destinada à Saúde. Isso de fato acontece?
Após discussão na Comissão da Câmara, a proposta antecipou a incorporação de 15% da Receita Corrente Líquida aos valores de 2017. Aqui temos dois problemas. O primeiro é que a Receita Corrente Líquida sobre a qual se aplica esse percentual está em nível muito baixo, pois a arrecadação caiu como decorrência da recessão. Em segundo lugar, o congelamento do gasto federal em Saúde a esse nível implica aprofundar a situação de subfinanciamento que o SUS vivencia desde que foi criado. O aprofundamento do subfinanciamento decorre da base reduzida tomada como teto e do fato de a população, nesses vinte anos de PEC 241 (hoje PEC 55, pois ela já está tramitando no Senado) continuar a crescer e a envelhecer.
Quais alternativas sugere para que o impacto no financiamento da saúde possa ser amenizado?
A única alternativa é sua não aprovação. Essa proposta não afeta somente a área da Saúde, mas todas as áreas sociais. Além disso, ela fere princípios básicos da democracia, pois, ao congelar o nível do gasto federal por vinte anos, está definindo que os próximos presidentes, deputados e senadores não têm nada a fazer em termos de política fiscal. É importante dizer que essa proposta não tem paralelo em nenhum país. Até agora, ninguém tinha ousado tanto, em nome da necessidade de gerar “caixa” para o pagamento dos credores. Medida mais eficaz, no tocante a esses objetivos explícitos, seria praticar taxas de juros menores, que reduziriam o tamanho da dívida pública e seu serviço.
Quais medidas deveriam ser tomadas para que a gestão dos recursos do SUS pudesse trazer melhores resultados?
Várias medidas, muitas das quais já, há muito, são praticadas pelo Ministério da Saúde, envolvendo os demais níveis de governo. De qualquer maneira, por mais que uma boa gestão deva ser sempre procurada, ela só tem capacidade de otimizar os recursos existentes, não podendo fazer frente ao subfinanciamento. Para entender essa limitação, basta lembrar que o Brasil gasta somente 3,9% com a Saúde Pública, quando países com sistema semelhante (público e universal) investem 8% em média. Nenhuma boa gestão é capaz de “suprir” essa diferença. E esses 3,9% são o resultado do aporte de recursos das três esferas de governo. No caso da esfera federal, objeto primeiro da PEC 241 (PEC 55), é apenas 1,7% do PIB.
Como avalia a proposta do governo de criar planos de saúde a preços populares para desafogar as filas no sistema público?
Um verdadeiro descalabro. Primeiro que implica atestar o início do fim do SUS, isto é, reconhecer que o Estado brasileiro não tem mais compromisso com o seu desenvolvimento. Em segundo lugar, teria como consequência o aumento da segmentação da saúde, pois planos de saúde a preços populares seriam dirigidos à população de renda mais baixa e certamente não garantiriam uma saúde integral.
É possível que a PEC 241 inviabilize a manutenção dos princípios constitucionais do SUS de universalidade, equidade e integralidade?
Não há dúvida. A piora das condições financeiras do SUS, como consequên¬cia da PEC 241 (PEC 55), e a implantação de convênios médicos a preços populares levariam a uma situação de extrema segmentação da saúde, com predomínio do acesso a ações e serviços de saúde integrais somente àqueles com renda suficiente para pa¬gá-los. É necessário resistir a isso, dada a gravidade do que pode vir a se constituir a área da Saúde no Brasil. Felizmente, vários setores da sociedade têm se manifestado contra, e não só as entidades comprometidas diretamente com o SUS.
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