“Algo parecido com esse movimento acomete o SUS. Ele se materializa na ‘ambulancioterapia’ e na sobrecarga dos ambulatórios de média e alta complexidades”
Os rolezinhos (encontros marcados pela internet) dos jovens pelos shoppings centers foram abordados das mais diferentes formas. A imprensa deu ao tema a dimensão de um fenômeno social e, nas rodas de conversa, simpatizantes e opositores se enfrentaram com furor. Para mim, que nasci no Ipiranga, na época um bairro operário da capital de São Paulo, os rolezinhos são uma releitura – anabolizada pelas redes sociais – dos hábitos da juventude de famílias trabalhadoras.
Para além dos debates sociológicos ou antropológicos que a presença dessa multidão de jovens causa nos corredores dos shoppings, fica a impressão de que os rolezinhos nada mais expressam do que a necessidade de esse grupo ser incluído em espaços da sociedade.
À sua maneira, essa juventude é o retrato do Brasil, que ganha um pouco melhor e que almeja possuir produtos de marca e comer em fast foods. Também testemunha o abandono da periferia pelo Poder Público, que não oferece aos moradores desses locais o cuidado com urbanização, o transporte de qualidade e nem as opções de lazer a que têm direito.
Apesar de pouco divulgado, algo parecido com esse movimento dos rolezinhos acomete o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele se materializa na “ambulancioterapia” e na sobrecarga dos ambulatórios de média e alta complexidades, que são o termômetro das falhas de gestão que tornam a busca por consultas e exames especializados um périplo longo e doloroso.
Ao contrário dos encontros de juventude, o objetivo não é consumo e diversão, mas o acesso à linha superior de cuidados, um passo além do que já foi conquistado em suas localidades. Nada contra o investimento nas políticas públicas de prevenção e promoção da saúde, muito pelo contrário. Elas são fundamentais para a melhora dos indicadores epidemiológicos e para o bem-estar das comunidades. Mas não é apenas dessa forma que se resolverão os problemas de assistência de milhões de trabalhadores.
Sem a oferta de mais leitos, sem a garantia de exames e tratamentos e com uma política de recursos humanos em Saúde inexistente, o Estado – mais uma vez – comprova que não entende o que a população quer. Com isso, os “rolezinhos” da Saúde existirão por um bom tempo. Milhões de trabalhadores continuarão a viajar centenas de quilômetros em ambulâncias ou a acordar de madrugada para encontrar um especialista, que não poderá fazer muito por conta das limitações dadas pelos gestores do SUS.
Os Conselhos de Medicina esperam que o incômodo que os rolezinhos deixam no ar não desapareça feito fumaça. Sem a necessidade dos excessos cometidos pela polícia e o preconceito de alguns, o importante é que o Estado lembre que as cidades vão além do centro e dos bairros nobres, e que também há necessidade de estar presente nas periferias, no que se refere ao lazer e à Saúde.
Desiré Carlos Callegari é o representante titular do Estado de São Paulo no Conselho Federal de Medicina.
Texto originalmente publicado no Jornal do Cremesp nº 311,
na Coluna dos Conselheiros do CFM
Tags: sistema público de saúde, SUS, rolezinhos, juventude, jornal do Cremesp.
|