“Cabe aos médicos, comprometidos com o bem-estar da população, alertarem à sociedade para esse sucateamento programado do nosso SUS”
O estudo Demografia Médica no Brasil– volume 2 – cenários e indicadores de distribuição, recentemente lançado por uma parceria entre o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Cremesp traduz, em números, o que a sociedade finge que não vê: a ausência proposital do Estado na Saúde, abrindo espaço para o fortalecimento da iniciativa privada neste segmento e condenando à falência o sistema de atendimento oferecido pela rede pública.
Os dados mostram que faltam médicos no Brasil em duas situações: dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e nas áreas de difícil provimento, como os “interiores” do Norte e do Nordeste ou as periferias das grandes cidades, vitimadas pela violência e pelo caos urbano.
A população dessas áreas se sente abandonada, relegada a segundo plano, sendo obrigada a esperar horas, dias, meses pela consulta ou pelo procedimento de que precisa. As filas dos prontos-socorros e das emergências dos hospitais se tornam a garantia do alívio para os problemas que tanto incomodam, mesmo que o tratamento não tenha continuidade. Por sua vez, os poucos médicos que ainda permanecem nestes locais ficam imobilizados pela demanda excessiva e pela falta de estrutura, que os impedem de fazer seu trabalho adequadamente.
Ambos – médicos e pacientes – sucumbem ante à inércia do Estado, que não toma as medidas que lhe cabem neste campo, preferindo apostar na redução de impostos, oferta de subsídios e no repasse de recursos públicos aos planos de saúde, como acordado pelo Palácio do Planalto com o empresariado. Estamos diante de uma situação injusta, que favorece o setor privado quando todos reconhecem o subfinanciamento público federal do SUS.
Vivemos num país desigual, onde pululam diferenças, às vezes gritantes, na distribuição de renda, no nível de desenvolvimento econômico e no grau médio de escolaridade. Agora, nos deparamos com mais um caso escabroso de desigualdade que atinge diretamente o exercício da Medicina e a acessibilidade aos serviços de saúde, especialmente no âmbito do SUS.
Por que, ao invés de subsidiar os planos, o Governo não determina a melhora da infraestrutura da rede hospitalar no país, como foco nos vazios assistenciais? Por que, ao contrário de dar dinheiro para quem já fatura mais de R$ 82 bilhões por ano, não se cria uma carreira de Estado para o médico e outros profissionais do SUS, dando condições dignas de emprego e renda? Por qual motivo, em lugar de subsídios às operadoras, não se aumenta a participação do Estado (em todos os níveis de gestão) no custeio da saúde?
As respostas se resumem em uma só: porque não há interesse. Cabe aos médicos, comprometidos com o bem-estar da população, alertarem à sociedade para esse sucateamento programado do nosso SUS. O CFM acredita que, com o envolvimento de todos os setores, ainda será possível reverter o cenário e manter os avanços alcançados por esse projeto nascido com a Constituição de 1988.
Desiré Callegari representa o Estado de São Paulo no Conselho Federal de Medicina
Tags: saúde suplementar, saúde pública, SUS, jornal do cremesp.
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