CAPA
EDITORIAL (pag. 2)
João Ladislau Rosa, presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág. 3)
Geraldo Alckmin
CRISE (pág. 4)
O precário atendimento das UTIs neonatais
URGÊNCIA & EMERGÊNCIA (pág. 5)
Serviços hospitalares
ESPECIAL I (pág. 6)
Doação de órgãos
ESPECIAL II (pág.7)
Doação de órgãos
ESPECIAL III (pág. 8)
Doação de órgãos
ESPECIAL IV (pág. 9)
Doação de órgãos
EVENTOS (pág. 11)
Agenda dos conselheiros
ANUIDADE 2015 (pág. 12)
Valores da anuidade para PF e PJ
JOVENS MÉDICOS (pág. 13)
Preenchimento da DN
TESTAMENTO VITAL (pág. 14)
Encontro contou com palestrante português
BIOÉTICA (pág. 15)
Atendimento médico
GALERIA DE FOTOS
ESPECIAL III (pág. 8)
Doação de órgãos
(cont.)
FERNANDO BACAL
Luta pelo paciente
"Espera por transplante de coração chega a um ano e meio.
Ou três a quatro meses, para a fila de prioridade"
“A insuficiência cardíaca é limitante, incapacitante, gera uma qualidade de vida ruim e é de difícil prognóstico. Poucas intervenções são tão impactantes quanto o transplante, que permite viver mais e melhor”, afirma Fernando Bacal, diretor da Unidade Clínica de Transplante Cardíaco do Instituto do Coração (Incor). Ele foi coordenador da Diretriz Brasileira de Transplantes, da Sociedade Brasileira de Cardiologia, em 2010.
Com um trabalho “apaixonante” no Incor, como ele mesmo define, o envolvimento com a situação dos pacientes é grande. Por outro lado, a gratidão deles fica explicitada nas dezenas de convites de formatura, casamento e nas notícias que recebe de jovens cuja carreira profissional deslanchou depois do tratamento.
O mesmo entusiasmo com a profissão ele transmite aos alunos da FMUSP. “Digo para lutarem pelo paciente, não se conformarem com os maus resultados e entenderem por que o transplante não deu certo”, relata. E conta que tem aumentado o número de jovens médicos interessados em transplantes cardíacos.
Não faltam histórias na larga experiência do médico. Bacal lembra do caso de um paciente com balão intra-aórtico, que aguardava o transplante há dois anos, sendo quatro meses em espera prioritária. Ele acabou se casando com sua companheira e acompanhante na UTI, com direito a cerimônia, na qual os médicos da equipe foram padrinhos, e presentes, oferecidos pelos residentes. Um mês depois, surgiu um coração compatível, e ele foi transplantado. Há também outro paciente que virou palestrante motivacional e escreveu um livro sobre a saga de sua doença e a retomada da qualidade de vida após o transplante.
Bacal afirma que a mortalidade na fila ainda é alta porque o número de cadáveres doadores e a taxa de aceite para o transplante de coração é inferior à dos demais órgãos, com tempo máximo de isquemia de até quatro horas. Apesar disso, apenas 20% não conseguem um órgão para o transplante e o índice de sucesso da cirurgia supera os 90%. “O mais difícil”, conta, “é lidar com o tempo de espera pelo órgão, que, no caso do coração, chega a um ano e meio. Ou três a quatro meses, para quem está na fila de prioridade”.
Mesmo não transplantando, o clínico também tem uma dedicação 24 horas ao paciente, em interação com o cirurgião. Trabalha das 7h às 22 horas. E, embora aos 48 anos de idade, não dê mais plantão, passa em visita durante os finais de semana. Isso quando não está torcendo para o Santos Futebol Clube, assistindo a um bom filme no cinema ou nas sagradas férias anuais com a esposa e os dois filhos.
RICHARD YUDI HIDA
Devolvendo a visão
"Novas tecnologias tornaram possível tratar sem transplante de córnea"
Promover visão e adequar a expectativa do paciente é a meta do médico oftalmologista da Santa Casa de São Paulo, Richard Yudi Hida, diretor do Banco de Olhos, chefe do Setor de Cirurgia de Cataratas e médico assistente do setor de córnea. Aos 42 anos e uma carreira consolidada, ele explica que, ao proporcionar visão, está oferecendo felicidade aos seus pacientes. A família de Hida possui tradição na Oftalmologia, já que ele e o irmão seguiram a especialidade do pai, além da esposa, que também é oftalmologista.
Formado pela Universidade de Santo Amaro, em 1996, Hida fez Residência na Santa Casa de São Paulo e, na Oftalmologia, se aperfeiçoou, primeiro, em cirurgia de retina, depois, de córnea e catarata. “Escolhi primeiro a especialização em retina porque a curva de aprendizado era mais alta, por serem cirurgias mais difíceis e desafiadoras. Porém, os resultados eram pouco satisfatórios em muitos casos. Já as áreas de córnea e catarata costumam superar as expectativas dos pacientes e do próprio médico. Um paciente totalmente cego que, após a cirurgia, recobra a visão, sai chorando de alegria”, afirma, destacando o aspecto gratificante da profissão.
As duas doenças mais comuns para o transplante de córnea são o ceratocone e a opacidade da córnea, porém casos mais graves também podem surgir com frequência. Mas cabe ao oftalmologista buscar alternativas, sem que seja necessária a realização do transplante, pois existem complicações inerentes ao procedimento e também no operatório. Há uma diminuição da quantidade de indicações devido às novas tecnologias, tornando possível tratar sem cirurgia. “Antes eu indicava muito mais. Agora sou mais conservador, prefiro não transplantar porque é um tecido de outra pessoa, que pode ser rejeitado, diz.
Mas ver uma pessoa voltar a enxergar, incentiva o médico a continuar trabalhando. Um caso, de 2001, o marcou muito, o de um paciente do Sul do País. “Ele era cego, mas já tinha feito cirurgias com outros médicos e não havia solução. Na época, eu tinha voltado do Japão, onde aprendi novas técnicas, e pude aplicá-las nele”, conta, lembrando das três horas de uma árdua cirurgia. O paciente tinha 35 anos, e estava há 10 sem enxergar. “No dia seguinte, ele iria tirar o curativo. Quando cheguei, todas as enfermeiras estavam chorando. Pensei que algo tinha dado errado. Então, ele olhou para mim e queria se levantar para me cumprimentar. Ou seja, estava enxergando. Pacientes que, anteriormente, não podiam mudar suas vidas, e agora podem, me dão a certeza de que é isso o que quero continuar a fazer”, afirma Hida.
JOSÉ OSMAR MEDINA PESTANA
“Trabalhar com rim é atuar com devoção”
“O médico ainda enfrenta dificuldades para abordar a família e ter tempo em sua rotina de notificar as Centrais de Transplantes”
O nefrologista, diretor superintendente do Hospital do Rim e professor titular de Nefrologia da EPM/Unifesp, José Osmar Medina (foto ao lado), colocou o Brasil entre os campeões mundiais de doação de órgãos.
Nascido em uma família simples em Ipaussu (SP), fez Residência no Hospital São Paulo (Unifesp) e dirigiu toda a sua carreira médica para a formação de um sistema internacionalmente exemplar no que se refere à gratuidade e a um modelo justo. Também contribuiu para a criação do programa que colocou o Hospital do Rim na liderança mundial em transplantes renais.
Com diversas homenagens no currículo, Medina também é conhecido pelo estímulo e transferência de experiência aos jovens médicos e por seus trabalhos voluntários.
Embora cumpra jornada de 12 horas no mesmo hospital, procura fazer seus dias diferentes, tendo como lema “Vida longa e morte súbita, trabalhando e distraindo”.
O sistema brasileiro de transplantes já é reconhecido internacionalmente. Como analisa o atual cenário?
Temos o segundo maior programa do mundo. Se considerarmos o sistema público, ele é o primeiro porque ampara desde a captação até a vida toda do transplantado, resultando num modelo justo. Em outros países, não há gratuidade na locação de órgãos nem no fornecimento permanente de medicamentos. Temos no Brasil uma fila única para doações de órgãos e eles são destinados ao primeiro dela ou a quem mais necessita. Esse processo é coordenado pela Secretaria de Estado da Saúde, com supervisão do Ministério Público.
O número de doadores dobrou nos últimos seis anos, passando de 5 para 14 para cada 1 milhão de habitantes. Conseguimos zerar a fila?
Realizamos anualmente mais de 5 mil transplantes de rim, cerca de 2 mil de fígado, 200 de coração, 50 a 100 de pulmão e 20 mil de córnea, sendo que, para esse último, não há mais fila. Nos demais ainda existe espera porque há mais gente na fila que o número de pessoas em condições de doação. Antes 80% dos doadores de rim eram pacientes vivos e agora, houve uma inversão, o mesmo percentual é de falecidos. Isso aconteceu em decorrência da campanha sobre a Doação de Órgãos para a população e também para os médicos, além do envolvimento das Secretarias de Estado da Saúde na correção de entraves, como falta de transporte ou materiais para diagnóstico.
Como os médicos podem auxiliar nesse processo?
O médico precisa fazer o diagnóstico de morte encefálica e notificar a Central de Transplantes e aí o médico ou a Central aborda a família sobre a possibilidade de doação. Daria para dobrar o número de transplantes. De cada três potenciais doadores, apenas um é notificado. Queremos chegar a 20 doadores por 1 milhão de habitantes no Brasil. Em São Paulo, já temos 22 doadores/milhão e, em Santa Catarina, 30. Nesses Estados, o desempenho é superior por conta do programa já existir há mais tempo e também pelo comprometimento dos órgãos públicos, principalmente nas regiões Sudeste e Sul do País, além de Brasília, Ceará e Pernambuco. Em outras localidades, a cultura do transplante não está tão sedimentada porque há outras prioridades na saúde pública.
A doação de órgãos ainda enfrenta preconceitos?
Temos poucos questionamentos. Não há mais preconceito religioso, por exemplo. Recentemente, o papa Francisco e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante a Campanha da Fraternidade, posicionaram-se favoravelmente à doação de órgão. No entanto, o médico ainda enfrenta dificuldades para abordar a família e ter tempo em sua rotina de notificar as Centrais de Transplantes. O desempenho nos setores público e privado depende muito de uma comissão hospitalar atuante ou que difunda o conceito da doação de órgãos e morte encefálica.
Como o Brasil foi reconhecido nessa área de transplantes?
Nos últimos dez anos, o Brasil conseguiu reconhecimento nessa área e há muitos médicos que trabalharam no País e acabaram imigrando. Há também profissionais de outros países que estagiam no Brasil. No Hospital do Rim, temos quatro médicos do exterior.
Sua carreira está bastante ligada ao avanço dos transplantes no Brasil. Que dificuldades enfrentou?
Trabalhar com rim é atuar com devoção. Depois do doutorado, tive que aprimorar os conhecimentos nos Estados Unidos e Inglaterra, de 1987 a 1989. Na época, todo transplantador ia estudar fora, o que já não é mais necessário, principalmente em hospitais universitários que possuem programas efetivos de doação de órgãos. As dificuldades têm uma dimensão maior atualmente, mas agora conto com uma equipe forte e organizadora para me auxiliar na resolução. O desafio é conseguir manter o programa funcionando de forma sustentada e ter gestores disponíveis para administrar a Saúde, dentro da instabilidade do mundo e do fluxo de recursos variáveis. E ainda usar os mesmos remédios de cinco anos atrás – e provavelmente pelos próximos dez anos –, porque a imunossupressão é complexa e as pesquisas não são tão emergentes quanto a das doenças virais. Trabalho feliz porque é minha vocação.
Mesmo trabalhando diariamente 12 horas, exclusivamente no Hospital do Rim, encontra tempo para os residentes e graduandos da Unifesp. Qual lição de sua trajetória costuma transmitir aos jovens?
Entre os residentes, insisto no desenvolvimento do caráter crítico sobre procedimentos, abordagens e mudanças. Sempre recomendo dividir as decisões com o paciente e não focar apenas a doença, fazendo com que ele entenda que benefício o tratamento clínico ou cirúrgico pode trazer e seu efeito colateral. Digo aos alunos da graduação que criem uma identidade pessoal, responsável e comprometida. E também costumo sugerir intercâmbios, conhecer outras culturas e criar empreendimentos de assistência voluntária nas áreas de educação e saúde. Enfim, que criem uma história fora da sala de aula. Geralmente às 7 horas da manhã e depois das 17h, procuro me reunir com os estudantes que ingressaram por cotas na Unifesp. Eles têm mais necessidade de conhecer alternativas do que aqueles que tiveram mais oportunidades de viajar.