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Norma: NOTA TÉCNICAÓrgão: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
Número: 1 Data Emissão: 01-08-2017
Ementa: Recomendação. Locais em que há trabalho médico. Orientação quanto aos médicos e pacientes transgêneros. Adequação dos ambientes de atendimento e cadastro. Permissão para utilização do nome social.
Fonte de Publicação: CREMESP - Não publicado em Diário Oficial

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SUPERINTENDÊNCIA JURÍDICA

NOTA TÉCNICA CREMESP/SJU Nº 1, DE 1 DE AGOSTO DE 2017
Não publicada em Diário Oficial

EMENTA: Recomendação. Locais em que há trabalho médico. Orientação quanto aos médicos e pacientes transgêneros. Adequação dos ambientes de atendimento e cadastro. Permissão para utilização do nome social.

Fatos.
A MD. Coordenação Jurídica do CREMESP solicita análise desta Superintendência Jurídica quanto a possibilidade de emissão de recomendação ou orientação aos hospitais, clínicas e demais estabelecimentos de saúde quanto a adoção de medidas voltadas à preservação da intimidade, do respeito e da devida inclusão de profissionais e pacientes transgêneros.

Parecer.
Numa explicação muito simples e rasa, mas suficiente ao estudo em voga, transgênero é o cidadão que não se identifica com o seu gênero sexual – masculino ou feminino – pelo qual foi registrado no momento de seu nascimento.

É, portanto, uma situação de vida em que tanto o homem quanto a mulher – nos termos de seus registros civis – buscam uma perfeita e plena identificação pessoal e social a respeito de seu gênero sexual.

Evidentemente que, diante de uma sociedade estruturada em um conceito de masculino e feminino nem sempre há uma plena aceitação social desta forma de identificação.

O Conselho Federal de Medicina, por intermédio da Resolução n. 1.995/2010, disciplinou o procedimento denominado como de “cirurgia de transgenitalismo”, caracterizando tal paciente como “portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”.

Evidentemente que os termos utilizados pelo CFM são fortes, mas retratam exatamente a situação vivenciada por tais indivíduos que, rejeitando seus aspectos físicos, vivem em permanente conflito de identidade, reforçado pelo comportamento social que os ignora ou os trata de maneira absolutamente excludente.

Igualmente evidente é o fato de que, para que se caracterize o indivíduo como transgênero, não é necessária a realização da cirurgia, bastando que haja a não aceitação de seu gênero sexualmente identificado.

Aliás, a cirurgia é um procedimento extremamente agressivo – sob o ponto de vista médico – e somente pode ser feito após um longo processo de acompanhamento profissional.

Neste contexto atual, cresce, no Brasil, o número de médicos e pacientes que, diante de uma sociedade que tende a caminhar para uma postura inclusiva, seguindo entendimento adotado em outros Países (como a Tailândia que já integra à sociedade o “terceiro gênero”), buscam sua aceitação social de maneira plena.

O CREMESP é uma autarquia federal, incumbida legalmente de zelar pelo perfeito desempenho ético da medicina sendo que, enquanto órgão da sociedade, é igualmente responsável por garantir aos pacientes e profissionais o melhor ambiente para a realização de suas atividades e do desenvolvimento da relação entre médico e paciente.

Fato é que o tema vem ganhando relevância e apelo em nossa sociedade, a fim de que haja a garantia de utilização do nome social por parte dos cidadãos que não se reconhecem em seu corpo físico, momento em que seus nomes civis não refletem suas identidades de gênero, cabendo aos órgãos de fiscalização profissional caminharem no sentido de proverem alguma adaptação em seus sistemas e cadastros para poderem atender a tais demandas sociais.

A título de exemplo, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais – CNCD/LBGT, em março de 2015, editou a Resolução nº 12, que “estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais  – nos sistema e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização”.

Referida Resolução assim dispõe em seus artigos 1º e 5º:

“Art. 1º - Deve ser garantido pelas instituições e redes de ensino, em todos os níveis e modalidades, o reconhecimento e adoção do nome social àqueles e àquelas cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero, mediante solicitação do próprio interessado.”
(...)

“Art. 5º - Recomenda-se a utilização do nome civil para a emissão de documentos oficiais, garantindo concomitantemente, com igual ou maior destaque, a referência ao nome social.”

Neste mesmo sentido, a OAB editou a Resolução Federal nº 05/2016, alterando o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, para fazer incluir uma série de indicativos a respeito do tema, como por exemplo, o artigo 33, que passou a ter a seguinte redação:

“Art. 33. (...)
Parágrafo único. O nome social é a designação pela qual a pessoa travesti ou
transexual se identifica e é socialmente reconhecida e será inserido na identificação do advogado mediante requerimento.”

Por fim, o próprio Conselho Nacional  de Justiça abriu  em junho do ano passado  (2016) consulta pública sobre a regulamentação do uso do nome social, com proposta de resolução, que assegure a “possibilidade de uso do nome social às pessoas trans, travestis e transexuais usuários dos serviços terceirizados do Poder Judiciário em seus registros, sistemas e documentos.”

Neste sentido, portanto, este Regional não pretende, por óbvio, alterar o registro civil de tais cidadãos, tampouco avançar em normativa que compete exclusivamente ao Conselho Federal; contudo, entendemos ser plenamente possível a emissão de recomendação aos locais em que há médicos e pacientes para que haja o devido respeito ao uso do nome social, por parte daqueles que assim desejarem.

Tal condição, a nosso ver, não encontra qualquer impeditivo legal, haja vista tratar-se de mera recomendação, mas, ao contrário, atende aos anseios sociais a respeito do tema, obedecendo ao artigo 5º da Constituição Federal quanto a igualdade de todos perante a lei, abrangido neste conceito a orientação sexual e a identidade de gênero, além de tratados internacionais que consagram tal princípio quanto a liberdade e igualdade em dignidade e direitos, sem distinção de gênero sexual.

Ressaltamos, ainda, a edição do Decreto Federal nº 8.727/2016, que dispõe exatamente quanto ao uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com destaque para seu artigo 3º1., in verbis:

“Art. 3º. Os registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter o campo ‘nome social’ em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos.” (sem destaques no original).

Ademais, trata-se de um avanço no sentido de garantia dos direitos fundamentais que poderá, num futuro próximo, ser tratado por intermédio de Resolução emanada do órgão competente, Conselho Federal de Medicina, à semelhança do quanto realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Conclusão. Opinio Iuris.
Diante do exposto e, evidentemente respeitando posicionamentos contrários, opinamos no sentido de que a presente Nota Técnica seja expedida aos Diretores Técnicos dos estabelecimentos registrados no âmbito deste Conselho, inclusive operadoras de planos de saúde, para que realizem as devidas adequações em seus cadastros de agendamento de consultas, sites de busca de profissionais na internet, respectivos crachás de identificação, no sentido de que conste, além do nome civil, o nome social indicado pelo interessado, inclusive em seus carimbos de trabalho diário.

1 O parágrafo terceiro entrou em vigor em abril de 2017, conforme previsão do artigo 7º do mesmo Decreto.

Por fim, é importante destacar aos Diretores Médicos das instituições de saúde que as questões não abarcadas pela presente Nota Técnica deverão ser dirimidas pelas Seções de Registro Profissional e de Empresas, bem com pelo Departamento Jurídico, com a decisão final da Diretoria do CREMESP.

Assim,   esperando   ter   atingido   os   objetivos   propostos,   apresentamos   nosso   parecer, colocando-nos à inteira disposição para eventuais esclarecimentos que se fizerem necessários.

São Paulo, 25 de julho de 2017.

Atenciosamente,

Osvaldo Pires G. Simonelli OAB/SP nº 165.381
Superintendente Jurídico – CREMESP

Aprovada na 4791ª - SESSÃO PLENÁRIA DE 01.08.2017

ORIGINAL

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Vide: Situaçao/Correlatas

CORRELATA: Decreto Municipal nº 57.559, de 22-12-2016 - Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de travestis, mulheres transexuais e homens trans no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta, conforme especifica.
CORRELATA: Decreto Federal nº 8.727, de 28-04-2016 - Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
CORRELATA: Resolução SDH nº 12, de 16-01-2015 - Estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais - e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais - nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização.
CORRELATA: Resolução CFM nº 1.995, de 09-08-2012 - Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes.