SM_90_FINAL_COMPLETA

32 • SER MÉDICO SER MÉDICO • 33 T ECNOLOG I A Aplicativos rastreiam infectados e esbarram na privacidade Por Concília Ortona Coreia do Sul tem sido lembrada pela eficiência no combate à Covid-19. Apenas duas semanas após o pico da pandemia, viu o número de casos registrados cair de 909 para 74, pela adoção de medi- das elogiadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que incluem tecnologia online para rastrear infectados e afastar de- les os demais cidadãos – conduta já adotada em 2015 para conter o contágio por MERS. O exem- plo foi seguido não só por outros asiáticos, como a China, mas por nações conhecidas pelo apreço à privacidade individual, como Es- tados Unidos e Alemanha. Tam- bém desembarcou no Brasil e foi usada no estado de São Paulo. A Diferença entre elas: a rigidez com que as ferramentas são em- pregadas. Na Coreia do Sul, por exemplo, smartphones são ras- treados por aplicativos como WeChat e AliPay, e os dados so- bre locais por onde a pessoa com Covid-19 passou são transferidos a um mapa público de acesso ir- restrito, que usa também, como fontes, registros de cartão de crédito e entrevistas com pa- cientes. As informações são tão específicas que o Wall Street Journal relatou a situação de um infectado que estava no “Magic Coin Karaoke, em Jayang-dong, à meia-noite de 20 de fevereiro”. Além disso, o governo aplica es- tratégias como enviar mensagens de texto alertando quem pode ter entrado em contato com porta- dores do vírus; uso de um códi- go de cores, para determinar se alguém deve ser colocado em quarentena ou se movimentar li- vremente; e obrigar pessoas vin- das de outros países a baixar um QR code de controle se quiserem adentrar suas fronteiras. Questões sobre privacidade – calcanhar de Aquiles da estraté- gia, por gerar a ira de defensores dos direitos individuais, tementes ainda de abertura de precedentes pós-pandemia e de estigma social aos positivos à Covid-19 – encon- tram-se em suspenso. As autori- dades sanitárias defendem que a população confiará mais nelas se divulgarem informações “trans- parentes e precisas” sobre o vírus. [1] [1] BILL OXFORD/ISTOCK Conforme Jeong Eun-kyeong, di- retor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Co- reia, “interesses públicos tendem a ser mais enfatizados do que os direitos humanos dos indivíduos ao lidar com doenças que podem infectar outras pessoas”. MÃOS DE FERRO A China lidera os países no que- sito “rastreamento para lidar com o surto de coronavírus”. Mui- tos recursos já existiam há anos, como o Great Firewall , sistema de vigilância nas ruas. Outros surgi- ram devido ao surto, incluindo o sistema de cores do Health Code ; pulseiras de rastreamento em Hong Kong; e vigilância em mas- sa de telefones para classificar os indivíduos por seu estado de saú- de e restringir seus movimentos. Antes sugerindo relaxamento de contato social, Israel mudou de planos, pela proliferação do coro- navírus. Acabou por decretar lei de emergência, visando ao rastreio de dados de celulares, algo usado antes apenas contra terroristas. Algumas medidas serão invasivas e violarão a privacidade das pessoas afetadas, reconheceu o primeiro- -ministro Benjamin Netanyahu, no Facebook. “Entraremos em conta- to com as pessoas atingidas, que devem entrar em quarentena por 14 dias (…) não será uma recomen- dação, mas um requisito”, avisou. RASTREAR COM CUIDADO As leis nos Estados Unidos e na União Europeia obrigam o con- sentimento de usuários para o compartilhamento de seus dados, porém, ambos pretendem rastre- ar contra Covid-19. Uma opção é pedir às empresas de telecomuni- cações e tecnologia que compar- tilhem informações anônimas dos clientes, como tentam os Estados Unidos com Google e Facebook, que ainda avaliam usar dados de geolocalização de seus aplicativos. Na Alemanha, o governo pre- tende obrigar empresas de tec- nologia a compartilhar a localiza- ção dos infectados, no interesse da segurança nacional. A iniciati- va abrange aperfeiçoar o aplicati- vo GeoHealth (calcado nos dados de localização do Google), no qual os portadores do SARS-CoV-2, de maneira anônima, informariam onde estão. Plataforma de análise da companhia de software Ubila- bs compararia o histórico de mo- vimentos dos usuários com o de pessoas com o novo coronavírus. Entre os desafios desse rastrea- mento em época de pandemia está vencer o temor de fabricantes de aplicativos e dispositivos quanto aos eventuais processos judiciais de usuários, por expor seus dados de forma diferente da prevista an- teriormente, e o que fazer com as informações obtidas: deve-se pu- nir aqueles que não se submetem ao confinamento e/ou distancia- mento social? Eis a questão.  PRIVACIDADE Em bioética, o direito à privacidade refere-se às informações que alguém não gostaria que fossem divulgadas sem sua prévia autorização: o que é “privado” corresponde à uma escolha pessoal sobre anonimato e segredos, e pode mudar ao longo da vida. O direito à privacidade e à confidencialidade, garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (1948), entre outros documentos, expressam autodeterminação, no contexto que envolve a informação pessoal, tendo o indivíduo autoridade moral para determinar o que deverá ser feito consigo. O grande dilema bioético em questão é: devemos flexibilizar esse direito consolidado em uma situação de exceção como a pandemia atual, em nome do “bem comum”? APLICATIVOS EM OUTROS PAÍSES Reino Unido e Itália – as ferramentas compartilham com as autoridades de saúde se o indivíduo é positivo para Covid-19. Cingapura – adotou aplicativo que se propõe a rastrear infectados a até menos de dois metros de distância, revelando sua idade e sexo. Irã – preconiza o aplicativo AC19 para “diagnosticar” o coronavírus, por meio de questionário. Taiwan – ativou “cerca eletrônica”, destinada a alertar as autoridades de saúde, por SMS, quando um positivo para Covid-19 infringe a quarentena e sai de casa. Polônia – pelo aplicativo Home Quarantine (do inglês, “quarentena doméstica”), estimula que suspeitos de coronavírus compartilhem selfies para provar que mantêm o confinamento.

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