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Edição 24 - Julho/Agosto/Setembro de 2003

DEBATE

A Medicina e os Laboratórios

Conflitos da relação entre a Medicina e laboratórios

O crescimento da terapêutica medicamentosa, da alta tecnologia em saúde, aliados à velocidade desses avanços tornaram a atualização médica uma questão complexa. Os Congressos médicos se desenvolvem, cada vez mais, em parceria com laboratórios, nos quais o papel dos conferencistas passa a ser questionado quando estes têm algum tipo de vínculo com os patrocinadores. A relação entre o médico e a indústria farmacêutica, porém transcorre sob conflitos de interesses. Entre o descumprimento ou ausência de normativas, uma potencial relação promíscua ou a simples especulação de que ela possa existir – mesmo quando não exista – abalam a credibilidade das informações científicas. Há outros problemas, entre eles, a função dos representantes dessas indústrias que visitam os consultórios médicos. Para este Debate, coordenado pelo presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson de Oliveira Andrade, foram convidados dois médicos, cujas experiências individuais representam, na prática, os dois lados desse conflito: o diretor médico da Boehringer Ingelheim do Brasil, José Carlos Breviglieri e o psiquiatra Albert Zeitouni.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE. A relação entre a medicina e a indústria de medicamentos existe em diversos níveis e sempre vai existir, por isso sua discussão é fundamental. A indústria tem uma relação com formadores de opinião, centros de referência, professores da área médica, médicos e pacientes. Também existe outra relação, dentro dos encontros científicos. Dentro dessas perspectivas, como o médico e a indústria farmacêutica podem desenvolvê-la de maneira positiva e que reflita em benefício às pessoas? De que forma, com que transparência e liberdade de atuação os envolvidos participam dessa relação?

ALBERT ZEITOUNI. Queiramos ou não, somos parceiros. Temos de construir essa parceria dentro dos limites éticos desejáveis, para que possa servir de baliza tanto para quem receita como para quem produz, distribui e comercializa medicamentos, levando em consideração, primeiro, o interesse da comunidade; segundo, o respeito ao profissional que, em última instância, é o dono da caneta e assume a responsabilidade por aquilo que a indústria produz; e, terceiro, todos os que transitam em torno do binômio médico/paciente.

JOSÉ CARLOS BREVIGLIERI. Não posso falar em nome da indústria farmacêutica como um todo, porque não a represento aqui neste debate, mas acredito que todas as empresas que respeitam as regulamentações e promovem seus produtos de maneira adequada têm de procurar desenvolver essa inter-relação de maneira ética e positiva. No Brasil, já caminhamos bastante no sentido de melhorar esse relacionamento graças a determinações do próprio Ministério da Saúde.

EDSON. A identificação de freqüentes conflitos de interesses nos congressos levou o CFM a editar a Resolução 1.595/00, para que a relação entre médicos pesquisadores, que divulgam conhecimento médico, e indústria farmacêutica fosse explicitada. Não para cercear a ligação que possa existir entre ambos, mas para que os colegas entendam que essas informações não são isentas de interesses. O pesquisador não faz avaliação de um medicamento qualquer, mas de um com o qual tem uma intimidade e um relacionamento; de um laboratório com o qual tem uma ligação econômica e uma certa dependência. Fizemos uma pós-campanha para mostrar que isso qualifica a informação, mas não verificamos nenhuma manifestação nesse sentido por parte da indústria. O máximo que temos hoje explicitando essa relação são os simpósios. Como a indústria poderia nos ajudar a tornar esta ligação clara?

BREVIGLIERI. A Resolução 102 da Anvisa (Agência Nacional da Vigilância Sanitária) obriga que essa relação seja explicitada. Em minha opinião, os colegas da platéia que assistem aos simpósios são suficientemente esclarecidos e têm noção de que existe essa relação. Na Boehringer temos procurado tornar isso o mais transparente possível. Mas, imagine que convidamos alguém para falar em um simpósio patrocinado pela indústria, apesar de conversarmos para que seja transparente e que a Resolução da Anvisa seja respeitada, mas o convidado, por decisão pessoal, decide não falar nada. Mesmo assim, já há toda uma divulgação do simpósio onde consta o nome da empresa, entende?

EDSON. Entendo, mas não concordo. Se há uma determinação da Anvisa e uma orientação do CFM, seria importante para o laboratório, até mercadologicamente, forçar essa transparência.

ZEITOUNI. Sobre o colega ser esclarecido para perceber a relação, isso não ocorre sempre. Em algumas situações a relação é clara, em outras há uma obscuridade nociva. O médico assume uma dupla função: o de profissional respeitado e influente na sociedade médica que, ao mesmo tempo, tem um vínculo pecuniário com uma instituição comercial. Por que ele oculta essa relação, se não é ilegítima ou ilegal? Dentro da decência e do espírito da Resolução, ela pode ser revelada, enriquecendo a apresentação.

BREVIGLIERI. Quando se faz um simpósio ou um evento, consta do programa o patrocínio do laboratório tal. Costuma haver uma faixa de tamanho considerável com a frase: Simpósio Internacional tal – Laboratório tal. E, normalmente, o presidente da mesa diz: Agradecemos a empresa tal pelo patrocínio deste evento. Isso não deixa claro que o evento está sendo patrocinado pela empresa? Não é suficiente?

EDSON. São os meandros que precisam ser esclarecidos. Realizar qualquer simpósio ou congresso ficou praticamente impossível sem a ajuda da indústria farmacêutica, porque eles adquiriram tal magnitude, com um custo operacional muito alto...

BREVIGLIERI. ...mas isso não é por culpa da indústria...

EDSON. ...não estou colocando como culpa, aliás, sou um crítico dos happy hours de congressos, mas não estou nessa questão agora. Os simpósios estão às claras, quem participa sabe. Mas o congresso não é montado só sobre um simpósio. Quem já organizou um congresso sabe que o laboratório diz o seguinte: temos o professor fulano de tal para falar sobre quinolonas, mas não identifica se está falando pelo laboratório que pretende colocar a quinolona no mercado.

BREVIGLIERI. Precisamos separar duas coisas: a inter-relação indústria/médico e a organizadores de congressos/médicos. Digamos que o senhor é presidente de um Congresso e pede nossa ajuda para trazer um renomado professor de Antibioticoterapia de Amsterdã e patrocinamos a vinda desse médico. Se ele for ligado a minha empresa de alguma forma, cabe ao Congresso obedecer à lei e esclarecer essa relação. A empresa não pode ser responsabilizada pelo fato de as determinações não terem sido seguidas.

ZEITOUNI. Nesse caso, é exatamente isso que deve acontecer, você está certo e não deve ter a responsabilidade. O problema é quando a relação existe e ocorre às ocultas.

EDSON. Quando vem alguém para fazer uma palestra ampla sobre antibióticos e falar sobre a sua quinolona, que pode ser a melhor existente, gostaríamos de ouvir o seguinte: a minha experiência nasce de meu relacionamento e trabalho dentro da indústria farmacêutica que desenvolveu isto e não conhecemos as variações com estes e estes dados. Então, vou avaliar, verificar se os dados são corretos e posso até concordar, passando a ter uma orientação com sua base terapêutica. Mas, se recebo aquela informação como boa, sem saber dessa ligação e, três meses depois, em outra circunstância, encontro aquele professor e descubro que ele é do laboratório, eu me sentirei enganado. Mesmo que a informação seja verdadeira, terei dúvidas sobre ela. E se o resultado for ruim, os problemas aparecem logo. Do ponto de vista de marketing e do relacionamento final com o cliente médico, as indústrias sérias, que contribuem para a evolução do conhecimento, ganham se disser: estou te patrocinando, então quero que diga quem é quem.

BREVIGLIERI. Imagino que isso possa ser melhorado e concordo que devemos nos preocupar no sentido de tornar esse relacionamento cada vez mais transparente. Na Boehringer, não me lembro de ter trazido alguém nessa situação.

ZEITOUNI. Outro assunto que deveria ser discutido às claras é o controle de receituário do médico pela indústria farmacêutica, que funciona como uma dessas coisas que todo mundo sabe, mas ninguém prova. Cedo ou tarde, alguém vai acabar dando com a língua nos dentes. É só alertarmos a classe médica de que é uma invasão irregular da privacidade do médico e, mais grave, da vida do paciente. Onde isso é tabulado, já que se sabe perfeitamente que o dr. João utiliza mais tal tipo de medicação que o dr. José? Então, o dr. João vai ganhar mais brindes, viagens, financiamentos em congressos. Não que todos utilizem, mas isso existe. Inclusive foi aperfeiçoado com os recursos da informática, e entendo que não fica bem negar essa possibilidade. Como essa informação vai parar nas mãos daqueles que comercializam produtos farmacêuticos? É uma política da indústria farmacêutica ou é feito por atravessadores que vendem informação privilegiada, sem serem estimulados pela outra ponta?

BREVIGLIERI. Não vamos chamar de controle, mas de pesquisa. Isso não é feito pela indústria farmacêutica diretamente, mas sim por outras empresas que não pertecem ao setor.

EDSON. E vendem para a indústria farmacêutica?

BREVIGLIERI. E vendem para a indústria farmacêutica.

EDSON. Eu sou de Manaus, uma cidade média com 1,5 milhão de habitantes, onde algumas farmácias têm sistemas para checar e anotar o número do CRM do médico.

BREVIGLIERI. Posso garantir que não é a indústria farmacêutica quem faz isso.

EDSON. Mas usa essa informação?

BREVIGLIERI. Sim, porque isso é, digamos, de domínio público. Essas informações chegam à indústria por meio de livros; em momento algum aparece o nome do médico ou do paciente. São dados tabulados, transformados em informações que indicam, por exemplo, que o produto X na cidade Y tem uma boa venda; que o mesmo produto não tem participação tão expressiva na cidade Z.

EDSON. Há controle sobre o remédio, mas é visível que também existe controle sobre quem prescreve. Os laboratórios trabalham com a sensibilidade do médico de maneira muito inteligente. Às vezes, o representante chega ao consultório e diz: doutor, tem aqui um bloquinho com 50 tiquetes que dão 50% de abatimento no nosso remédio na rede tal que o senhor pode usar em benefício de seu paciente. Às vezes são remédios bons, mas têm outras opções mais baratas. O desconto de 50% é uma forma de controle e de indução do medicamento. Muitas vezes dizem: meu remédio teve 98% de resposta e o do concorrente 96%. Isso é preocupante porque hoje temos o problema da qualidade do médico formado, que não consegue discernir entre 98 e 96, pensa que tem diferença.

ZEITOUNI. Desculpe, mas me permitiria duvidar que os laboratórios se interessam apenas por um determinado resultado daquilo que você prefere chamar de pesquisa. São informações preciosas para quem comercializa: toda a vida do medicamento no mercado, quem receita, em que condições, se trabalham na periferia ou no centro, qual é o perfil do paciente. Pode ser que a utilização seja discreta, mas a partir do momento que elas existem, jogar fora seria uma estupidez. Estamos questionando se é correto, ético e confortável para o médico e o paciente. E isso tem conseqüências. O médico não precisa de prêmios, mas de bons medicamentos a bons preços para servir melhor ao paciente. E os prêmios vão desde pirulitos até viagem para o exterior.

BREVIGLIERI. Isso tem sido cada vez mais abandonado depois da Resolução da Anvisa. Embora não especifique a importância a Resolução diz que, quando se dá algo ao médico, deve ser de valor módico e sempre ligado à atividade científica do profissional, como um livro, um...

ZEITOUNI. ... o mais comum tem sido a caneta, que está mais ligada à nossa atividade. Outra questão é a visita do representante comercial aos médicos em consultório, que necessita de revisão urgente. É catastrófico delegar a função do representante comercial ao diretor de marketing.

EDSON. Não são mais pessoas que estão ali para divulgar um produto, mas que têm uma meta econômica a alcançar. Eu já fui abordado da seguinte forma: doutor, não alcançamos nossa meta este mês e estamos numa situação difícil. O senhor não tem nada a ver com isso, mas preciso vender uma determinada quantidade; veja se pode me ajudar. Ele pede ajuda para não perder o emprego, o que pode não estar acontecendo, às vezes é uma forma de sensibilização grosseira e agressiva. Talvez são pressionados a fazer isso.

ZEITOUNI. Às vezes é pior, quando chega um supervisor junto e diz: com licença doutor, estou acompanhando para ver se ele está vendendo bem. É constrangedor para o subordinado e para o médico que tem que se colocar no papel de julgador.

EDSON. Como não entendemos aquela visita como de um vendedor, ainda que tenha um produto, isso é inaceitável. E não sei se a sua indústria percebe isso.

BREVIGLIERI. Percebemos e temos discutido o assunto. Sabemos que o crescimento do número de propagandistas, da indústria como um todo, faz com que as visitas sejam mais numerosas. Por outro lado, é a forma tradicional e mais eficiente de levar ao médico as informações sobre os produtos, embora não seja a única. Com relação à abordagem do representante que diz que deveria vender 200 unidades e vendeu 100, acho absolutamente errada e abominável. Essa não é uma política estimulada ou recomendada pela Boehringer.

ZEITOUNI. Qual é a lógica para que um representante, semana após semana, procure o médico para mostrar o mesmo produto? No mínimo, é um insulto à inteligência do tipo: o senhor não aprendeu ainda, então eu vou repetir. Não se trata de apresentação de um produto novo, mas de um condicionamento, que para justificar, visita-se e deixa-se uma amostra, uma caneta, um brinde qualquer. E a simpatia dos representantes é sempre extraordinária, eles são extremamente sedutores. Como Diretor Médico de uma indústria farmacêutica, qual é a informação pertinente que, no seu julgamento, deve ser levada ao médico? Em que momento? Em que condições se pode invadir a agenda do médico e sua sala de espera para tentar fazer com que ele venda seu produto?

BREVIGLIERI. Entendo que a função primordial do propagandista é de levar um conhecimento científico, farmacológico, dados sobre eficácia, farmacocinética e sobre a segurança do produto. Na Boehringer procuramos fazer materiais promocionais absolutamente dentro das regulamentações. Por exemplo, não colocamos mais em nossos materiais dados de trabalhos publicados em revistas não indexadas porque a Resolução 102 não permite. Não temos mais adotado atitudes tipo – adaptado de; extraído de. Também não temos mais utilizado aquilo que o Edson citou, o meu dá 96% e o da concorrência, 94%.

ZEITOUNI. Por que não se adota no Brasil o que se faz no exterior? Lá o representante de laboratório marca hora, é qualificado, freqüentemente é médico. Lá, ele remunera o médico quando ocupa sua agenda; faz a apresentação adequada de um novo produto, com dados comparativos, mostrando os efeitos adversos, os resultados negativos, a metodologia etc. Quando o médico adotar o medicamento, o fará com confiança. Nossos representantes não fazem isso. Por que essa técnica tão rudimentar utilizada no Brasil não é aplicada nos Estados Unidos, França ou Espanha? A Boehringer, assim como outras multinacionais, não atuam assim na Pensilvânia.

BREVIGLIERI. Para chegar a esse nível, vamos ter que caminhar muito em diferentes frentes e não estou colocando que é indesejável, pelo contrário. Teremos de rever tanto a função da própria atividade médica, que aqui é diferente dos Estados Unidos, quanto a qualificação do representante. Não consigo imaginar que esse sistema seja aplicável a todo o universo médico brasileiro. Economicamente, não seria viável. A formação e qualificação do representante, em outros países, é muito alta, o que favorece mais a compreensão de toda a farmacologia do produto. Chegar a esse ponto seria positivo, mas não ocorre de um dia para o outro. Os representantes de hoje, devido aos processos de treinamento e recursos tecnológicos, conhecem mais sobre os produtos que os do passado, e isso já é um avanço.

EDSON. Em outra prática dos laboratórios, na qual o paciente é abordado, o médico é procurado com a seguinte proposta: o senhor quer participar de um estudo multicêntrico? Então, preencha estas 10 fichas e concorra, junto com mais 10 colegas que também vão coletar dados, a uma viagem para um congresso. Isso não é estudo multicêntrico e não tem valor científico, apenas simula uma quantidade, numa aparente discussão ampla sobre um determinado problema. O indivíduo não participa, não sabe como serão tratados os dados que coletou. E, de repente, aqueles dados aparecem dentro de um estudo: duas mil pessoas estudadas, 98% de eficácia e efeitos colaterais zero.

BREVIGLIERI. Volto a dizer, não falo em nome da indústria farmacêutica, mas em meu próprio nome e como diretor médico da Boehringer. Tenho orgulho em dizer nos dez anos em que estou na Boehringer não fizemos nenhum desses “estudos multicêntricos”. Em hipótese nenhuma isso pode ser chamado de estudo e jamais devem ser publicados, pela falta de rigor científico. Não sabemos, por exemplo, se a medicação foi tomada corretamente, depois de prescrita. Não existe em nosso país nenhum tipo de regulamentação sobre isso. Hoje, toda a fase I, II e III de pesquisa clínica no país está muito bem normatizada pelo Ministério da Saúde. Essa é uma atividade de fase IV, porque o produto já está no mercado e deveria merecer mais atenção por parte do Ministério da Saúde para evitar essa distorção na área de pesquisa.

EDSON. É uma preocupação que já levamos à Anvisa. Mas não há ausência total de regulamentação sobre isso: a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde, que trata de pesquisa em seres humanos, aborda um pouco sobre os cuidados do estudo multicêntrico. Embora ela não detalhe a fase IV, fala algo sobre o multicêntrico que poderia ser usado em caráter precário em situações dessa natureza. Mas há necessidade de detalhar esse procedimento porque dá uma falsa qualidade a informações que são publicadas. Presume-se que são publicados 35 mil artigos médicos ao mês no mundo. O embasamento científico facilita muito a conduta ética do médico, mas temos de ajudá-lo a separar o que há de bom e de ruim. O bom não chega com a mesma facilidade que o ruim.

ZEITOUNI. O que determina o respeito numa indústria? Naturalmente, dentro de toda sua estrutura, há setores mais merecedores de respeito do que outros, que podem exercer ou sofrer mais pressões. Muitas vezes, o respeito transcende as valorações éticas e psicológicas e está ligado a questões objetivas. Isso pode fazer com que falte prestígio em determinados segmentos e sobre em outros, como o de Marketing, da Diretoria Comercial.

BREVIGLIERI. Os senhores podem não acreditar ou achar que eu esteja exagerando, mas trabalhar na Boehringer é uma satisfação para um diretor médico. É política da empresa ouvir e valorizar o Departamento Médico.

EDSON. Qual é o nível de prestígio e de pressão que tem um diretor médico de uma indústria para lidar com situações que não sejam as melhores? Recentemente, um produto para determinado tipo de câncer, lançado em escala internacional – em São Paulo foi estrela de um Congresso – desapareceu do mercado porque só no Japão morreram 20 pacientes. É impossível que as mortes tenham ocorrido apenas na fase IV. Provavelmente, o medicamento já mostrava o problema antes, mas como seria aplicado a uma doença grave, com alta taxa de mortalidade....

BREVIGLIERI. ...nesse exemplo, o medicamento em questão era um antineoplásico, mas existem inúmeros outros na história da indústria farmacêutica. As pesquisas são sérias – já trabalhei em mais de uma empresa. Há controle pelo Ministério da Saúde e pelos Comitês de Ética. Elas são auditadas, tanto pelas próprias empresas como pelo FDA. Apesar do rigor, pode acontecer alguma falha não proposital, relacionada, por exemplo, ao tamanho da amostra. Para se desenvolver certos medicamentos antineoplásicos, não se envolve um grande número de pacientes, devido às características e à baixa incidência de alguns tipos de câncer que são raros. Quando o produto chega ao mercado, pode aparecer uma reação adversa não conhecida. Existe o seguinte conceito dentro da indústria farmacêutica: só se conhece realmente uma droga após 20 anos de mercado.

ZEITOUNI. Voltando um pouco, os médicos de laboratórios devem ter uma associação, naturalmente...

BREVIGLIERI. ...sim, a Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica.

EDSON. Talvez com injustiça, o médico que trabalha na indústria farmacêutica não é visto como médico, mas como um membro da indústria. Seria interessante que a Sociedade tivesse esse papel de mostrar que os colegas não estão do outro lado, apenas exercem a sua profissão em um determinado âmbito, para que ele fosse considerado como membro da classe médica. Poderíamos dar aqui um passo para a aproximação da Sociedade com as entidades médicas, para sabermos quais são as dificuldades e as diferenças. Seria importante fazer essa discussão de maneira ampliada. É um convite que fazemos a você para que seja intermediário nessa aproximação.

BREVIGLIERI. Perfeitamente. A Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica tem uma diretoria que se reúne periodicamente. Essa discussão é extremamente salutar e acho que deveria também envolver outras pessoas da indústria – do marketing, do treinamento – para que ouçam as queixas e as reivindicações. Os médicos são nossos clientes, é absolutamente necessário ouvi-los.

ZEITOUNI. Isso dá uma força ao conjunto de colegas que está dentro da indústria e que podem servir de interlocutores para a adoção de medidas éticas.

EDSON. Vou levar essa proposta para a AMB, que me parece mais pertinente para fazer essa aproximação, já que é por meio de suas Sociedades que são organizados os encontros e os congressos. Precisamos fazer uma reflexão, da forma como estamos organizando os congressos.

Albert Zeitouni é psiquiatra e preventista, diretor da Associação Paulista de Medicina - APM
Edson de Oliveira Andrade é presidente do Conselho Federal de Medicina
José Carlos Breviglieri é diretor médico da Boehringer Ingelheim do Brasil


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