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PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Mauro Gomes Aranha de Lima - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág. 4)
Paulo Saldiva


CRÔNICA (pág. 10)
Mario Prata


CONJUNTURA (pág. 12)
Aids: novos e velhos desafios


DEBATE (pág. 16)
O teto dos gastos públicos é realmente necessário?


HISTÓRIA DA MEDICINA (Pág. 23)
O outro lado das guerras


SINTONIA (pág. 26)
A sétima arte e humanização da Medicina


GIRAMUNDO (Pág. 30 e 31)
Avanços da ciência


PONTO COM (Pág. 32 e 33)
Mundo digital & tecnologia científica


HOBBY DE MÉDICO (págs. 34 a 37)
Adolfo Leirner


CULTURA (págs. 38 a 41)
Osesp


GOURMET (Pág. 42)
Edmund Baracat


CARTAS & NOTAS (pág. 46)
Espaço dos leitores


FOTOPOESIA (pág. 48)
Carlos Drummund de Andrade


GALERIA DE FOTOS


Edição 78 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2017

DEBATE (pág. 16)

O teto dos gastos públicos é realmente necessário?

O teto dos gastos públicos é realmente necessário?

 

Os gastos públicos no Brasil foram congelados por 20 anos, com a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, conhecida como “PEC do teto”, em 13 de dezembro último, quando passou a ser denominada Emenda Constitucional 95/2016. O que essa medida significará para a população brasileira? Qual será seu impacto no Sistema Único de Saúde (SUS), que padece, desde a sua criação, de subfinanciamento? Era a única opção possível?

 Para discutir essas e outras questões, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) promoveu um debate, em plenária temática de conselheiros, com a presença de dois reconhecidos economistas, a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Jolanda Eline Ygosse Battisti, e o professor livre-docente de Economia da Saúde da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Áquilas Mendes; mediado pelo professor de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, Mário Scheffer. A mesa foi coordenada pelo presidente do Cremesp, Mauro Aranha.

 Para Jolanda, que apoia o congelamento dos gastos, com algumas ressalvas, o governo de Michel Temer não tinha outra alternativa para enfrentar a crise fiscal, uma vez que “não tem condição política de aumentar impostos, diminuir gastos ou adotar privatizações”. Já na opinião de Áquilas, contrário à PEC, haveria outras soluções para a crise, como baixar os juros da dívida pública e promover uma reforma tributária, taxando, por exemplo, as grandes movimentações financeiras.

Mário: Professora Jolanda e professor Áquilas, qual a opinião dos senhores sobre a PEC 55, aprovada pelo Congresso? O diagnóstico que levou o governo a apresentar essa proposta foi correto? Essa emenda constitucional é o instrumento adequado, e o único possível, para enfrentar o problema diagnosticado?

Jolanda: A economia brasileira encontra-se em uma situação muito delicada em que temos um atrito de três crises ao mesmo tempo. Temos uma crise econômica extremamente grave que não é apenas pior que a grande depressão dos anos 30, mas é pior que a grande recessão pela qual o Brasil passou no final do século 19. O resultado é que a década atual já está perdida em termos de desenvolvimento econômico, pois a renda per capita ficará estagnada. Temos também uma grave crise fiscal: as contas públicas começaram a ficar totalmente fora de controle, não apenas desde 2014, quando começou a atual recessão, mas já desde 2007, 2008. A terceira é a crise política pela qual passa o País. Tivemos um impeachment e a troca de governo. Ao assumir, o vice-presidente e sua equipe econômica estimaram que o rombo das contas públicas iria ser de R$ 170 bilhões em 2016, isto é, cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Esse rombo, que considera apenas gastos primários, nem é a maior parte do rombo fiscal. Somado aos gastos com juros, o déficit fiscal nominal é estimado em algo mais próximo de 10% a 12% do PIB para 2016, ou talvez até mais. Essa porcentagem é excessiva em um país com taxa de juros muito alta como o Brasil, diferentemente de países europeus, como a Grécia, ou dos EUA.

Devido à crise econômica e política, acredito que o governo Temer tinha pouco espaço para fazer uma reforma fiscal tradicional, por meio de cortes de gastos ou aumento de impostos; ou privatizar, como aconteceu nos anos 90, para fechar mais rapidamente o buraco fiscal. Por isso, a equipe dele propôs esse teto dos gastos que, se funcionar, será uma forma muito inteligente de lidar com uma crise fiscal aguda sem precisar fazer na­da agora, pois ela funciona em decorrência da credibilidade que o governo ganharia porque suas contas futuramente irão novamente fechar, e ao convencer você e eu a lhe emprestar mais dinheiro para pagar seu atual excesso de gastos e lhe permitir se endividar ainda mais. Um dos problemas é: o governo vai ou não ganhar essa credibilidade? Porque a dívida pública já é altíssima, está acima de 70% do PIB e em trajetória crescente. Isto significa que o governo está numa situação de insolvência fiscal pendente que, se acontecer, resultará na volta da inflação. Nas minhas simulações, com dados de 2015, a inflação subiria até 120% se o governo não conseguisse financiar seu excesso de gastos através de um aumento de sua dívida, enquanto não for capaz ou estiver disposto a fazer uma reforma fiscal tradicional.

Enfim, em princípio sou a favor de tetos, porque muitos países, inclusive minha terra natal, a Holanda, têm, mas acho que o aprovado no Brasil tem alguns problemas. Um deles é o prazo de 20 anos, em vez de vigorar apenas durante esse governo. Diante de uma crise fiscal pendente, precisamos escolher o menor dos dois males: uma reforma fiscal para evitar a volta da inflação, que sem dúvida alguma resultaria em um maior sofrimento da população, especialmente a de renda mais baixa. O que o governo está fazendo é uma aposta em que a população brasileira ainda estará disposta a financiar o buraco nas contas fiscais e, também, a rolagem da dívida já existente, mesmo que ela já seja muito alta e ainda vá aumentar, nos próximos anos, na direção de 80% ou talvez até 100% do PIB, o que é inédito. Essa aposta pode, ou não, dar certo. Mas precisamos ver se apenas o teto será suficiente ou se ele precisará ser, pelo menos, ajustado, ou ser acrescido de algumas outras reformas que eliminem a necessidade de ter um congelamento de gastos por 20 anos.

Áquilas: A PEC prejudica, e muito, a situação da maior parte dos brasileiros, sobretudo se levarmos em conta que 70% da população economicamente ativa ganha até três salários mínimos e precisa do investimento público. A professora Jolanda disse que há países que também estabelecem tetos, mas ela mesma ponderou que jamais viu um congelamento de gastos por 20 anos, como o que foi aprovado no Brasil. Isso é um retrocesso em relação às políticas adotadas no mundo. Essa PEC apresenta limites para as despesas primárias e não para as despesas financeiras. Então, as despesas primárias, que, em 2016, foram de 20% em relação ao PIB, com a PEC cairão, em 2026, para 14% do PIB. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Bradesco, na maior parte dos países o total das despesas públicas é maior que 16% do PIB, a não ser que entremos em um novo bloco de países, juntamente com Bangladesh, República do Congo, Guatemala, República do Irã e outros que apresentam um percentual do PIB inferior a 16%. Há anos faltam recursos financeiros para a saúde pública, e a PEC vai levar o SUS à penúria, assim como as demais áreas sociais do País. O Brasil gasta com a saúde pública 3,9% do PIB, somando a União, governo estaduais e municipais. Os países com um sistema universal como o nosso gastam em média 8% do PIB com saúde pública. E a PEC significará uma perda significativa de recursos para o SUS, de 2017 a 2036. Mas sua aprovação não foi surpresa, devido à correlação de forças e à situação que estamos vivendo com o poder do conservadorismo no Congresso Nacional. Participo de um grupo técnico interinstitucional do financiamento do SUS (GTIF-SUS), com cerca de 15 pessoas, entre economistas e profissionais da saúde pública. Temos feito cálculos, assim como a professora Jolanda, e estudado as perspectivas do impacto da PEC do teto. Fizemos uma projeção das perdas em relação à Saúde simulando um IPCA de 4,5% e um crescimento de 2% do PIB ao ano, que é bastante otimista considerando que, da década de 1980 para cá, os países não crescem mais que 3% do PIB no mundo, com exceção da China, que cresceu, nos últimos 12 anos, cerca de 10%, mas agora, com a crise, também está em queda. Com essas estimativas, a perda de recursos na Saúde seria de aproximadamente R$ 415 bilhões até 2036. O orçamento do Ministério da Saúde, nos últimos anos, foi de R$ 100 bilhões, ou seja, em 20 anos vamos perder quatro orçamentos. Por isso, estamos indignados. Isso significa que vamos sair do patamar de gastos da União de 1,7% do seu PIB – e tem sido assim desde 1995 porque a Saúde nunca foi prioridade nos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma – para, daqui 20 anos, decrescer para 1,2% do PIB. O diagnóstico oficial do governo é o de que a crise originou-se no excesso de gastos. Mas acabei de mostrar que não gastamos quase nada. O problema está na arrecadação. Esta é uma crise internacional, de arrecadação do Estado. Temos de entender que, desde 1997, tivemos superávits primários a mando da banca internacional, ou seja, em 18 anos tivemos um gasto menor em relação à arrecadação, inclusive para as áreas sociais, pois os governos optaram pela alternativa de que o gasto precisa ficar livre para pagamento de juros da dívida. É uma visão na qual não cabem a saúde e a educação.


"Optaram por deixar o gasto livre para pagar os juros da dívida. É uma visão na qual não cabem a saúde e a educação" (Áquilas)

Mário: Em relação a outras alternativas possíveis à PEC, gostaria que os professores comentassem a renúncia fiscal e a informação de que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), sancionada por Temer em dezembro último, prevê uma renúncia orçamentária, para 2017, de R$ 300 bilhões, ou seja, três vezes mais que o orçamento anual do SUS federal. Onde podemos reduzir essa imensa renúncia fiscal, na área da Saúde? Em relação ao subfinanciamento crônico da saúde, as entidades médicas protagonizaram, juntamente com outras instituições, historicamente, a defesa de mais recursos para a Saúde, a partir de fontes estáveis. De 2000 a 2015, valia, a trancos e barrancos, a Emenda Constitucional 29 (EC-29), que não atingiu a reivindicação dos 10% da receita corrente bruta da União para a Saúde, mas havia, minimamente, o cálculo do que era executado no ano anterior mais a variação do PIB. Esse cálculo, no início de 2015, com a Emenda Constitucional 86, mudou para pior, em decorrência de percen­tuais escalonados da receita corrente líquida da União. Porém, mantinha, minimamente, a garantia de estabilidade dos recursos para a Saúde Pública. Agora, com a PEC, só haverá aumento pela inflação do ano anterior. Se o PIB aumentar haverá a possibilidade de ir algum centavo a mais para a área da Saúde? Existirão recursos a serem disputados para a Saúde?


"Para 2017 está prevista uma renúncia fiscal de R$ 300 bilhões, ou seja, três vezes o orçamento anual do SUS federal" (Mário)

Jolanda: Em relação ao teto, não importa de quanto é a inflação, porque ele é independente, uma vez que é corrigido por ela. Vamos falar, então, de números. Os gastos primários que o governo federal está congelando foram estimados, em 2016, em algo em torno de R$ 1,3 trilhão. Isto quer dizer que em 2017, e nos próximos 20 anos, a ideia é que os gastos primários do governo federal serão, por ano, em termos reais, apenas o equivalente ao que o governo comprou em 2016, mensurado, em preços de 2016, por R$ 1,3 trilhão. Porém, a população brasileira está crescendo. Somos, atualmente, 206 milhões de habitantes e, mesmo que nossa população cresça a uma taxa bastante baixa, de 0,8% ao ano, em 20 anos seremos 240 milhões de pessoas. Existem dois tipos de gastos públicos: os que naturalmente crescem com o aumento da população, como educação, saúde e outros gastos sociais, que são fundamentais para o desenvolvimento socioeconômico do país; e os que não dependem de quantos habitantes há no país, como, por exemplo, a segurança nas fronteiras. O teto, por ser genérico, não define como o orçamento rígido será distribuído entre os diversos tipos de gastos. A responsabilidade sobre quais gastos cortar e quais aumentar dentro do espaço fiscal congelado foi colocada, com a PEC 55, no palco político para os próximos 20 anos, e dependerá das propostas anuais do(s) governo(s) e da aprovação no Congresso. Respondendo à pergunta do professor Mário, a área da Saúde não necessariamente irá sofrer, pois a PEC 55 não detalha a divisão dos recursos.


Jolanda Battisti, Mário Scheffer, Áquilas Mendes e Mauro Aranha

Em termos de porcentagem, discordo do meu colega Áquilas, de que vamos virar um Vietnã ou Bangladesh. Não vamos. O governo brasileiro gasta cerca de 40% da renda nacional, e os outros 60% são gastos pela população. Talvez esse gasto esteja até relativamente alto para o nosso grau de desenvolvimento, em comparação com outros países no mundo. Se é para enfrentar uma crise fiscal, eu colocaria duas observações: atualmente, economistas especialistas em políticas fiscais, inclusive os do FMI, concordam que ter regras fiscais é saudável. Mas eles também concordam que um teto de gastos não é um instrumento para enfrentar uma crise fiscal. O meio adequado é estabelecer uma meta de superávit primário e, assim, tentar diminuir o buraco fiscal. Nesse ponto, concordo com o Áquilas, pois tem a ver com receitas e com gastos. Queremos que a diferença entre receitas e gastos seja pequena ou até positiva, para estabilizar, e até diminuir, a dívida pública, em termos do PIB. Outro instrumento útil é colocar uma meta da dívida pública em relação ao PIB. Ter uma dívida pública de 70% do PIB, indo para 80%, 90%, 100% é uma situação extremamente preocupante. Por isso, acredito que o teto dos gastos não é o instrumento mais adequado para resolver a crise fiscal. Porém, acho que o governo fez isso, ao invés de colocar uma meta de superávit primário, e não determinou um teto na dívida em relação ao PIB, porque ele não tem mandato para cortar gastos, aumentar impostos ou privatizar para fechar o buraco. Se o governo aumentasse impostos, a população iria às ruas. Então, a parte forte da PEC é: não vamos fazer absolutamente nada nesse primeiro ano, e tudo se resolve. É uma medida na qual a população acredita. Fico com essa posição, que é uma aposta. Não concordo com o que Áquilas disse que este governo quer ter um plano de diminuir os gastos, e só. O governo não tinha outra alternativa.


"A crise internacional provocou aqui apenas uma minirrecessão que mal durou seis meses. A crise é totalmente interna" (Jolanda)

Áquilas: É importante termos diagnósticos diferentes. O diagnóstico do governo foi bem claro: excesso de gastos. Já o nosso diagnóstico para a crise é queda de arrecadação e, daí, a importância que o seu enfrentamento se volte para uma reforma de impostos, melhorando a receita pública. Mas a PEC foi uma pancada na ideia de se fazer política fiscal. Ela faz o contrário, reduz gasto. A crise fiscal brasileira não pode ser olhada sem estar inserida no contexto internacional, pois é uma crise de arrecadação. A queda da arrecadação tem a ver com o processo global e a crise internacional. A crise de 2008 se espalha pelo mundo há quase 10 anos. Nós sentimos isso em 2014, quando houve uma queda de arrecadação. E qual foi o nosso diagnóstico, já que não se mudou, em nenhum momento, a política econômica desde Fernando Henrique? Os governos Lula e Dilma mantiveram o sistema de metas de inflação, que acaba por exigir a adoção de altas taxas de juros. Não ousaram fazer mudanças no tripé macroeconômico (metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante) adotado desde FHC. É preciso reconhecer que, no primeiro e no segundo anos do mandato da Dilma, a taxa de juros foi baixada para 7,5%. Mas, devido à correlação de forças, a favor da banca internacional, essa taxa de juros voltou a crescer e está, neste momento, em 13,75%, que, como disse a professora Jolanda, é a mais alta do mundo. E isso o governo não altera, pois há uma correlação de forças interna, brasileira, que diz: ninguém mexe no dinheiro da grande banca e do capital financeiro. Um dado interessante: a dívida pública líquida brasileira, em 2013, era de 33,6% do PIB, ou seja, não era alta. O problema não é esse, mas o custo do financiamento dessa dívida, com o pagamento de juros, que era de 5,2% do PIB. Comparemos: a Grécia, que passa por uma grave crise econômica, naquele mesmo ano tinha uma dívida líquida de 169% do PIB; a Espanha, de 60%; e Portugal, de 118%. Porém, qual era o custo do financiamento da dívida, qual o valor dos juros? Na Grécia, de 3,6% do PIB; na Espanha, de 2,9%; e, em Portugal, de 3,8%. No Brasil, em 2015, o pagamento com juros da dívida foi para 8,5% do PIB. Ou seja, cerca de R$ 502 bilhões, enquanto os recursos para o Ministério da Saúde foram de, aproximadamente, R$ 100 bilhões, e o do Ministério da Educação, um pouco menos que isso. O diagnóstico é claro, nós não enfrentamos os interesses do capital financeiro, e ele vem se apropriando, no mundo e no Brasil, dos nossos fundos públicos. E, no Brasil, ele não ia deixar se fazer outra coisa. A PEC se explica por isso, assim como a reforma da Previdência, que deve ser aprovada também do jeito que está, mas não é do interesse dos brasileiros. Mário, você tocou em um ponto importantíssimo: a renúncia fiscal. Por que não se mexe com isso? Há outras formas de enfrentá-la. Primeiro, segurar e baixar os juros da dívida fazendo, ao mesmo tempo, uma política tributária. Claro que não de uma só vez só, pois não há correlação de forças, mas apontar para isso. Por que não tributar as grandes movimentações financeiras? Para segurar a crise, 10 países europeus aprovaram, em 2012, uma taxa sobre as transações financeiras, que é o setor da economia que mais cresce no capitalismo contemporâneo. Porém, o FMI, o HSBC e o Deutsche Bank vêm se opondo a isso desde sua aprovação, não permitindo que esses países aprovem a regulamentação da taxação sobre movimentações financeiras. Isso é correlação de forças. Contudo, é um debate que nós temos de enfrentar, criando, por exemplo, uma contribuição sobre as grandes movimentações financeiras e tributando quem movimenta mais de R$ 2,5 milhões em sua conta bancária mensal. Não estou falando de CPMF, porque isso seria para toda a sociedade e não tem mais sentido no quadro atual de crise. Então, há escolhas, mas a correlação de forças que sustenta o governo atual favorece completamente o capital financeiro. Mário, você lembrou bem da Emenda Constitucional 86. Combatemos tanto o subfinanciamento da Saúde e lutamos para que o governo federal se comprometesse mais com o setor, porém, em 2015, o governo Dilma mandou para o Congresso, e esse aprovou, a tal Emenda Constitucional 86. Ficou alterada a base de cálculo de aplicação do governo federal para 13,2% da Receita Corrente Líquida (RCL), em 2016, elevando-se de forma escalonada, até alcançar 15% da RCL, em 2020. Na ocasião, o governo afirmou que a receita para a Saúde iria aumentar, só que isso é uma falácia. O que se observa é uma perda de R$ 9,2 bilhões no orçamento do Ministério da Saúde já em 2016, que finalizou o ano com um déficit de R$ 16 bilhões. Em relação à renúncia fiscal, os últimos dados são de 2013, quando foi de R$ 300 bilhões no total, e, na Saúde, de R$ 25 bilhões. As despesas médicas particulares que abatemos no Imposto de Renda/Pessoa Física é uma das modalidades de renúncia fiscal, o governo deixa de receber imposto em relação àqueles valores. E esse abatimento não tem limite no Brasil, ao contrário de outros países. Há também renúncia fiscal em relação ao Imposto de Renda/Pessoa Jurídica e, também, sobre os medicamentos e os hospitais filantrópicos. Um hospital filantrópico conhecido, mas agora estrangeiro, o Samaritano, que tem projetos com o Ministério da Saúde até 2018, separa, juridicamente, o hospital da associação. O hospital é privado, mas a associação não. Isso significa que o SUS, que já tem um financiamento ruim, financia o capital estrangeiro diretamente.

Jolanda: Discordo de que a crise brasileira tenha relação com a crise internacional, que é de 2007 a 2009, e já passou. Essa crise internacional foi muito usada, nos últimos anos, nos discursos políticos brasileiros para justificar o que estava indo errado. Mas, a crise internacional foi como um tsunami que não atingiu o Brasil, provocando aqui apenas uma minirrecessão, que mal durou seis meses. Em 2008, nosso crescimento era positivo; em 2009, levemente negativo; e, em 2010, foi acima de 7%. Então, nossa atual crise é totalmente interna. Na Holanda, o governo gasta 50% do PIB, e não temos o menor problema com isso. Há também um teto de gastos e tampouco há problemas. Mas, lá o teto é extremamente detalhado e transparente. A população sabe exatamente, por exemplo, o que vai ser gasto com saúde nos próximos quatro anos. Ele é feito para três ou quatro anos e não 20, e é negociado durante as eleições. Os partidos A, B ou C colocam as suas prioridades em seus programas. E tem um instituto público – independente de partidos – que calcula o que cada proposta partidária representará em termos de gastos para qualquer família no País. Os cidadãos podem calcular quanto dinheiro ganharão ou perderão votando naquele ou em outro partido. No Brasil, um dos problemas nas contas fiscais é a falta de transparência. O projeto de lei orçamentária anual tem mais de seis mil páginas! A população não sabe o que se pretende fazer nos próximos anos e onde os recursos econômicos serão alocados. Só colocar teto e deixar todo mundo brigar para ver o que será priorizado ou não é uma coisa inédita para mim e eu gostaria que isso fosse mudado.

Áquilas: Acho importante ficarem claras as divergências no debate, isso o enriquece. Minha posição foi clara e a reitero. Foi uma crise econômica internacional de uma envergadura que não podemos desconhecer. Dizer que ela já passou é não reconhecer alguns dados. Em 2014, o preço do barril do petróleo era de US$ 110, e esse preço caiu para US$ 25, em 2016. O preço dos minérios de ferro também caiu significativamente. Isso impactou a demanda chinesa e, portanto, o Brasil. Então, fico surpreso ao ouvir que a crise internacional já passou.


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