CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Mauro Gomes Aranha de Lima
ENTREVISTA (pág. 4)
Kerry Sulkowicz
CRÔNICA (pág. 10)
Fabrício Carpinejar*
CONJUNTURA (pág. 12)
Intoxicação alcoólica
DEBATE (pág. 16)
Lei Maria da Penha e a violência contra a mulher
MÉDICOS NO MUNDO (pág. 23)
Denis Mukwege
HOBBY DE MÉDICO (pág. 27)
Vidal Haddad Júnior
GIRAMUNDO (Pág. 30 e 31)
Avanços da ciência
PONTO COM (Pág. 32 e 33)
Mundo digital & tecnologia científica
HISTÓRIA DA MEDICINA (Pág. 34)
Paulo Tubino* e Elaine Alves**
CULTURA (Pág. 38)
Fernando Zarif
GOURMET (Pág. 44)
Kelma Vera Donuetts
MÉDICOS QUE ESCREVEM (pág. 42)
Luiz Carlos Aiex Alves*
FOTOPOESIA (Pág. 48)
Paulo Neruda
GALERIA DE FOTOS
CONJUNTURA (pág. 12)
Intoxicação alcoólica
Binge drinking aumenta comportamento de risco
Pesquisa pioneira da Unifesp mostra os efeitos da intoxicação alcoólica,
principalmente em jovens, após as baladas noturnas
Não basta beber, tem de se intoxicar. É o que se pode deduzir do estudo realizado pela Escola Paulista de Medicina (EPM), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sobre a prática do binge drinking nas baladas noturnas, por 29,6% dos homens e 22,1% das mulheres que participaram da pesquisa, na cidade de São Paulo. Binge drinking (farra alcoólica) significa beber muito, em pouco tempo, com a intenção de ficar embriagado – consumindo-se quatro doses, no caso das mulheres, e cinco, para homens, em um período de duas horas. Esse padrão é considerado a forma mais arriscada de consumo alcoólico por jovens, no mundo. Pode resultar em intoxicação severa e contribui para o desenvolvimento de situações de risco para quem bebe e para aqueles ao seu redor.
A pesquisa revela que dentre os entrevistados (mostra total, incluindo binge e não binge) 27,9% dos homens e 20,4% das mulheres, entre 18 e 24 anos, dirigem embriagados após sair de casas noturnas. Porém, aqueles que têm concentrações alcoólicas no sangue equivalentes à prática consomem mais drogas ilícitas, como maconha ou haxixe, cocaína, inalantes, ecstasy, anfetaminas, benzodiazepínicos e alucinógenos como o LSD. Nos homens que praticam binge o consumo dessas drogas é 2,54 vezes maior do que entre os que bebem sem binge. Dentre os sujeitos que praticam o binge, o consumo delas ocorre, após a saída da balada, em 20,7% dos homens e 11,5% das mulheres. Ainda dentro da balada, o consumo dessas drogas atinge 42,2% dos homens e 32,4% das mulheres com binge.
Além disso, os praticantes de binge têm um comportamento sexual de risco de 11,4%, entre os homens, e 6,8%, entre as mulheres. Foi considerado, nesse comportamento, o sexo sem camisinha (com parceiro desconhecido ou conhecido), arrependimento posterior à relação e sexo não consensual.
A prática do binge eleva também, em 5,8 vezes, o risco de um novo episódio de uso de álcool entre as mulheres que bebem. A amnésia alcoólica (não se lembrar do que aconteceu devido ao abuso de álcool) também é maior entre as pessoas que têm concentrações de álcool no sangue equivalentes à prática.
Publicado na revista científica on-line Plos One, a pesquisa é pioneira por descrever os comportamentos de risco de jovens após saírem das baladas noturnas. “Em geral, o foco dos estudos internacionais está apenas no que ocorre dentro desses estabelecimentos”, explica a professora do Departamento de Medicina Preventiva da EPM, Zila Sanchez, que coordenou a pesquisa. O estudo integra o projeto Balada com Ciência, que analisa o comportamento do jovem antes, durante e depois de uma festa à noite.
Método
Participaram do estudo, como voluntários, 1.222 homens e mulheres, a maioria jovem, de 18 a 24 anos, solteira, de classe média alta e com ensino superior completo. Eles foram entrevistados por uma equipe formada por oito pesquisadores, que abordava cerca de 75 “baladeiros” ao longo da noite. A eles eram explicados os procedimentos éticos e de proteção ao anonimato e sigilo que guiam a pesquisa, e era realizada uma entrevista de 5 a 10 minutos, além de um teste de bafômetro. Na saída dos eventos, ambos os procedimentos eram refeitos. Foram realizadas entrevistas em 31 casas noturnas da cidade da São Paulo. Além disso, no dia seguinte, um questionário on-line era enviado para o e-mail do participante.
Para Zila Sanchez, o álcool não é reconhecido como droga, o que faz com que seja visto pela sociedade como pouco nocivo. “No entanto, a maior parte dos danos causados por drogas no mundo são decorrentes do abuso e dependência de álcool”, declara. Segundo ela, políticas públicas direcionadas a reduzir o consumo de álcool por clientes de casas noturnas, bem como o treinamento dos funcionários desses estabelecimentos, a fim de evitar a venda de bebidas a indivíduos já alcoolizados, seriam caminhos para proteger as pessoas de comportamentos de risco associados ao binge drinking.
Colaborou: Natália Oliveira
“Mais do que apenas conscientizar, é preciso controlar”
Ser Médico – Os jovens estão cientes da gravidade do binge drinking?
Zila Sanchez – É complicado generalizar. O que sabemos hoje é que boa parte dos jovens busca a intoxicação alcoólica, em baladas, de maneira premeditada, ou seja, seleciona a priori locais que ofereçam modelos em que se possa beber muito, como, por exemplo, os estabelecimentos que oferecem open bar, taxa de consumação e venda de combos alcoólicos. Muitos desses jovens sabem dos riscos da intoxicação alcoólica e que, no limite, ela causa a morte, mas acreditam que vale a pena arriscar para que possam curtir mais a balada. Entre os jovens existe uma crença comum de que “isso nunca vai acontecer comigo”, e contam muito com uma suposta sorte.
Ser – Que ações, por parte do Estado, poderiam ser realizadas para conscientizar esses jovens e reduzir o consumo de álcool de forma mais eficiente?
Zila – Mais do que apenas conscientizar, é preciso controlar. As vendas em formato open bar, combos, promoções, entre outros, são excelentes do ponto de vista mercadológico, pois aumentam o lucro dos estabelecimentos. No entanto, causam muito mais danos aos jovens. A única maneira de reverter a situação é controlando esse tipo de venda por meio de legislação e cumprimento da lei. Dados científicos internacionais mostram que a forma mais eficaz de reduzir danos decorrentes do binge drinking é a implantação de políticas públicas baseadas em evidências como: aumento da taxação (até um certo limite para não estimular o álcool ilegal), limitação da densidade de locais de venda, restrição de dias e horários de venda, idade mínima para compra, controle do serviço, proibição de propaganda e controle do beber e dirigir. Deveria haver também uma venda responsável de bebidas, pois o jovem, quando está sob efeito do álcool, tem uma diminuição clara em sua percepção de risco. Ele acaba fazendo um uso muito mais intenso do que gostaria, pois perde a noção do perigo. Isso é farmacológico. Quando a capacidade de tomada de decisão está “anestesiada” pelo efeito do álcool, a melhor forma de prevenir as consequências mais graves seria a intervenção do Estado na proibição de venda de mais bebidas alcoólicas para pessoas já intoxicadas.
Ser – Proibir a venda de bebidas alcoólicas aos já embriagados pode ser considerado uma atitude contra a liberdade individual ou, por significarem um risco coletivo, a iniciativa se justifica?
Zila – Sim, é uma ação de controle de venda e limita a decisão individual do sujeito que quer beber mais. No entanto, é uma ação de proteção social que diminui as consequências do abuso de álcool não apenas para o indivíduo, mas para toda a sociedade. O binge pode gerar consequências não apenas para quem o pratica e, por isso, deixa de ser uma decisão cujo impacto é apenas individual. Os exemplos mais característicos são as mortes decorrentes de acidentes provocados por motoristas alcoolizados. O torpor decorrente da intoxicação alcoólica chega a ser tão extremo, em alguns casos, que pode, inclusive, caracterizar uma incapacidade cognitiva temporária, que impede a tomada de decisões conscientes, e justificaria o maior rigor do controle da venda.