CAPA
PONTO DE PARTIDA (Pág. 1)
Mauro Gomes Aranha de Lima
ENTREVISTA (Pág. 4 a 9)
Maria Elizete Kunkel
CRONICA (Pág. 10 e 11)
Tati Bernardi*
SINTONIA (Pág. 12 a 15)
Literatura & Medicina
DEBATE (Pág. 16 a 22)
Diretivas Antecipadas de Vontade
LIVRO DE CABECEIRA (Pág. 23)
Caio Rosenthal*
EM FOCO (Pág. 24 a 27)
Rodolpho Telarolli Junior*
HISTÓRIA DA MEDICINA - (Pág. 28 a 31)
Edgard Roquette-Pinto
GIRAMUNDO (Pág. 32 e 33)
Avanços da ciência
PONTO COM - (Pág. 34 e 35)
Mundo digital & tecnologia científica
HOBBY (Pág. 36 a 39)
Médico & Fotógrafo
CULTURA (Pág. 40 a 43)
Cultura maia
TURISMO (Pág. 44 a 47)
Uma viagem à capital tcheca
FOTOPOESIA (Pág. 48)
Guilherme de Almeida
GALERIA DE FOTOS
CRONICA (Pág. 10 e 11)
Tati Bernardi*
Caipira não, meu
Carioca tem mania de achar que paulista é caipira. Sempre achei tal afirmativa um absurdo até me mudar para o Rio. Descobri que eles estão certos.
Sou a maior prova viva da caipirice paulistana; para comprovar basta me ver passeando pelo calçadão.
Não estou me referindo a minha cor branca ou ao medo que tenho de andar solta numa cidade que não é exatamente a minha. Esses dois estágios estão mais do que superados. Ganhei um pouco de cor e uma certa malandragem para conviver na cidade de cidades misturadas. Preconceitos acalmados, confesso que começo até a gostar dessa vida.
O que estou querendo dizer é que é impossível não ser caipira quando se vê um artista a cada cinco passos. O tempo todo meu cérebro, deslumbrado, avisa: olha lá o barrigão da Camila Pitanga. Olha lá o Wagner Moura de mochila. Olha lá a Marília Gabriela saindo do aeroporto.
Não tem jeito. Arregalo os olhos. Se for mulher, reparo logo na bunda, pois fico achando que estrela jamais pode ter uma bunda ruim. E, se for gatinho, reparo na roupa. Eu sei que deveria ser o contrário, mas antes de ser caipira eu sou estranha, vocês bem sabem.
Quase dou uma de chata sem noção e puxo um papo. Sabia, Marília, que eu tenho um livro publicado e coisa e tal, e meu sonho é falar minha frase, meu verso ou o meu ditado de preferência no seu programa? Decoro esse momento no banho todos os dias.
Sabia, Capitão Nascimento, que eu quase tive um orgasmo no cinema quando você gritou “vai ficar todo mundo quietinho aí”? E você, Bebel, sabia que animava, milagrosamente, as minhas noites numa fase em que eu andava achando tudo um porre?
Mas não, controlo meus impulsos mais suburbanos e passo reto. Blasé. Como se tivesse cruzado com alguém tão insignificante quanto eu. Caguei pros famosos. Caguei. Meu mais novo mantra para não ser caipira no Rio de Janeiro é “caguei pros famosos”.
Mas a coisa não é tão fácil assim. Escapar de cinco ou seis famosos por dia no calçadão é moleza, difícil é trabalhar no Projac. Imaginem uma praça de alimentação inteira com todas as estrelas da novela das oito. E você lá, sem poder fazer ou falar nada. Sem poder cutucar alguém e falar “a Aline Moraes consegue ser ainda mais bonita na vida real”, tendo que se concentrar em um cardápio com massas e saladas ruins. Sim, a praça de alimentação do Projac é horrível, dá pra acreditar?
Gianecchini de um lado, Alexandre Borges do outro, e ele, sim, ele, o maravilhoso Marcos Palmeira. E você calmamente corta seu franguinho grelhado. Fingindo cagar horrores pra essa gente maravilhosa, talentosa, bonita e famosa que, afinal de contas, trabalha no mesmo lugar que você. Com a diferença que eles são estrelas conhecidas e admiradas no País inteiro, e você apenas uma escritorazinha baba-ovo contando grana pra não fechar o mês no vermelho.
Parece uma vida de glamour mas na verdade é puro sofrimento. Se eu fosse brega ou ridícula, soltava logo um grito no meio da praça de alimentação, “fudeuuuu, puta que o pariu, quanta gente famosa, poooorra”. Pronto. Soltava o grito. Tirava de dentro do meu peito essa angústia e acabava logo com isso. Algum segurança me expulsaria da praça de alimentação. E então, da rua, eu ligaria pra todo mundo que eu conheço no mundo, inclusive aquelas amigas que eu não encontro desde o Jardim 3, e contaria artista por artista que vi. Mentindo alguns só pra dar mais emoção.
Mas não, eu sou a nova roteirista bacaninha, escritora, loirinha, de São Paulo. Eu sou obrigada a entrar e sair blasé da porra da praça de alimentação. Eu sou obrigada a manter a pose e até mesmo um certo “caguei pra esse povo” em meu andar, na minha fala, nos meus olhos.
E eu estava me saindo muito bem, não fosse o incidente da tarde de hoje. Depois de meses de bom comportamento, tudo foi por água abaixo.
A caipirice falou mais alto quando encontrei o Marcelo na praia, o psiquiatra psicopata do BBB8. Já que eu não posso gritar para os famosos de verdade, por que não desopilar a alma com um famoso de mentira?
Gritei: “Marceeeeeloooooo, uhuuuuu”, e ele respondeu: “Oi queridaaaaaaaaa, uhhuuuu”.
E esse foi, nos últimos meses de Rio de Janeiro, o momento mais brega, mais caipira e mais ridículo que passei. E de longe o mais divertido também.
*Tati Bernardi é colunista do jornal Folha de São Paulo, autora da Rede Globo e roteirista de cinema. Esta crônica foi publicada no livro Tô com vontade de uma coisa que eu não sei o que é, Editora Panda Books, 2008.