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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Bráulio Luna Filho


CONFERÊNCIA (pág. 4)
Fronteiras do Pensamento


CRÔNICA (Pág.10)
Luis Fernando Verissimo*


EM FOCO (Pág.12)
Obesidade


ESPECIAL (Pág. 16)
Comportamento


CARTAS E NOTAS (Pág. 23)
Projeto Ministério Público pela Educação


MÉDICOS NO MUNDO (Pág. 24)
Neurocirurgia


HISTÓRIA DA MEDICINA (Pág. 28)
Ácido acetilsalicílico


GIRAMUNDO (Pág. 32)
Medicina & Ciência


PONTO COM (Pág. 34)
Mundo digital & tecnologia científica


HOBBY (Pág. 36)
Carros antigos


GOURMET (Pág. 40)
Costelinha suína com farofa de couve


CULTURA (Pág. 44)
Adoniran Barbosa


FOTOPOESIA (Pág. 48)
Jorge Fernando dos Santos


GALERIA DE FOTOS


Edição 74 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2016

CULTURA (Pág. 44)

Adoniran Barbosa

Saudoso Adoniran

Por que vocês não vieram me procurar 20 anos atrás?”, costumava responder Adoniran Barbosa aos pedidos de entrevista nos anos 70, após sua fama como sambista despontar. O ressentimento do artista, que começou a carreira aos 22 anos, tinha fundamento. Demorou muito para que se reconhecesse Adoniran como uma das principais vozes do samba paulista e, até hoje, considerado um dos maiores cronistas da cidade de São Paulo.

Em sua carreira, Adoniran foi encanador, serralheiro, tecelão, garçom e trabalhou durante mais de 30 anos na Rádio Record, como ator cômico. Mas foi como compositor que João Rubinato – como constava em sua certidão de nascimento – alcançou o sucesso e entrou para a história do samba, dando voz aos trabalhadores e registrando uma época. Nascido em Valinhos, em 6 de agosto de 1910, o músico completaria 106 anos em 2016, caso estivesse vivo – se não forem considerados os relatos que indicam que ele, na verdade, teria nascido em 1912, mas teve a data modificada no registro para que pudesse trabalhar mais cedo.

Cronista da cidade de São Paulo, o músico, que ajudou a registrar o modo de vida do paulistano comum dos anos 30 aos 60, chegou à Capital do Estado aos 22 anos, depois de mudar-se na infância para Jundiaí e, aos 14 anos, para Santo André. Morando em uma modesta pensão, começou a frequentar programas de calouros, sendo desclassificado em diversos deles por considerarem sua voz anasalada. Apenas em 1933, Adoniran conseguiu uma vitória no programa Jorge Amaral, na Rádio Cruzeiro do Sul, apresentando-se com a música “Filosofia”, de Noel Rosa, e assinou um contrato com a emissora. No mesmo ano compõe seus primeiros sambas: “Minha vida se consome”, com Pedrinho Romano, e “Teu orgulho acabou”, com Viriato dos Santos.

No ano seguinte, ele conquistou o primeiro lugar no concurso de marchinhas carnavalescas da Prefeitura de São Paulo, com “Dona Boa”, parceria com J. Aimberê. Em 1941, recebeu um convite de trabalho da Rádio Record.

 


Nome de sambista

Foi graças a um amigo que João Rubinato tornou-se Adoniran Barbosa. Achando que seu nome não combinava com a figura de sambista, decidiu adotar o de um companheiro de boemia, junto ao sobrenome do sambista Luiz Barbosa, a quem quis homenagear.

Antes da fama, o garoto do Interior, sétimo filho de imigrantes italianos, começou a trabalhar cedo, após abandonar os estudos. Aos 12 anos, Adoniran trabalhou como entregador de marmitas. Dizia ele que, assim, aprendeu matemática com as entregas. Era simples: precisava contar quantos bolinhos levava a marmita para saber, quando a fome batesse pelo caminho, quantos poderia comer sem comprometer a entrega.

Quando se mudou para Santo André exerceu diferentes profissões, inclusive a de garçom na casa do ex-ministro da Guerra, Pandiá Calógeras. Como mascate, começou a cantar. O hábito ajudava no trabalho, e acabava compondo enquanto andava – o que, dizia, continuou a fazer durante toda a vida.

Em sua carreira como ator, Adoniran trabalhou de 1941 a 1972 na Rádio Record, onde interpretou personagens icônicos, como Charutinho, no programa “Estórias das Malocas”, líder de audiência da emissora na década de 50, que ele comandou durante 10 anos, juntamente com a comediante Maria Tereza. Também foi Zé Cunversa, um negro da Barra Funda, que namorava empregadas domésticas e usava roupas “de padrão”; e Perna Fina, um chofer do Largo do Paissandu. Na criação dos personagens contava com Osvaldo Moles, figura importante da literatura e comunicação paulistas, considerado seu “pai” no rádio – que muito o influenciou também como cronista e satirista. Nos anos 60, na mesma emissora, participou dos humorísticos “Trupiquei na Jaca”, “Aqui, Gerarda” e “Só malandro não estrila”.




 


Se eu perder esse trem...

Algumas canções na obra de Adoniran Barbosa transformaram-se em hinos paulistanos. “Trem das onze” talvez seja o maior exemplo disso. Interpretada pelo grupo Demônios da Garoa, ela é um exemplo da representação dada pelo compositor à população periférica. A dependência dessas pessoas – que moram afastadas do trabalho e dos lazeres da cidade – em relação ao transporte público, principalmente dos trens, é mostrada na letra através da negativa ao apelo para que o personagem não vá embora. “Não posso ficar nem mais um minuto com você”, diz a música. A curiosidade é que Adoniran nunca morou no Jaçanã. Pelo contrário, deu a entender em várias entrevistas que nem conhecia o bairro.

O compositor é conhecido pela linguagem popular, que incluía desvios da norma culta da língua. Por isso, em 1973, teve cinco letras vetadas pela ditadura, consideradas de “péssimo gosto”. A estilística deveria ser deixada de lado, e vários trechos “corrigidos” para o português formal. O interessante é que as canções nem eram inéditas, pois Adoniran tinha optado por relançar sucessos justamente para evitar problemas com os censores.

Dentre as músicas vetadas, estavam dois de seus maiores sucessos. “Samba do Arnesto” (1953), que diz “O Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Nóis fumo/ Num encontremo ninguém/ Nóis fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz, nóis num vai mais (Nóis num semo tatu)”, só seria liberado como “Samba de Ernesto” e com o trecho alterado para “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais (Nós não somos tatus)”. Já “Tiro ao Álvaro” (1960), se transformaria em “Tiro ao Alvo” e deveria receber alterações que retirassem palavras apontadas pela censura como “tauba”, “resorve” e “artomove”. Ele não acatou as indicações, e aguardou para lançar o disco com a obra original.

Adoniran só teve o primeiro disco individual gravado em 1974, lançando outro em 1975 e o último em 1980. Dois anos depois, morreu, aos 72 anos, em decorrência de um enfisema pulmonar. Deixou a companheira de mais de 40 anos, Matilde Luttif, uma filha do primeiro casamento, e uma obra que retrata uma época marcante da cidade de São Paulo, da qual ele se lembrava com nostalgia, por causa das mudanças ocorridas desde então. Mas deixou suas músicas, que assumem, cada vez mais, a importância que sempre mereceram.

 


Saudosa maloca (1951)
Adoniran Barbosa

 

Si o senhor não está lembrado
Dá licença de contá
Que aqui onde agora está
Esse edifício arto
Era uma casa velha
Um palacete assobradado

Foi aqui seu moço
Que eu, Mato Grosso e o Joca
Construímos nossa maloca
Mais, um dia
Nós nem pode se alembrar
Veio os homi cas ferramenta
Que o dono mandô derrubá

Peguemo todas nossas coisa
E fumos pro meio da rua
Apreciar a demolição
Que tristeza que nós sentia
Cada táuba que caía
Doía no coração

Mato Grosso quis gritá
Mas em cima eu falei:
Os homi tá cá razão
Nós arranja outro lugar

Só se conformemo quando o Joca falou:
“Deus dá o frio conforme o cobertor”
E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim

E prá esquecê nóis cantemos assim:
Saudosa maloca, maloca querida,
Que dim donde nóis passemos
dias feliz de nossa vida

 


Trem das Onze (1964)
Adoniran Barbosa

Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
Que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
Além disso, mulher
Tem outra coisa
Minha mãe não dorme
Enquanto eu não chegar
Sou filho único
Tenho minha casa para olhar
E eu não posso ficar

(Colaborou: Natália Oliveira)

 

 

 


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