CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Bráulio Luna Filho
ENTREVISTA (pág.4 a 9)
Roberto Cardoso
CRÔNICA (págs. 10 a 11)
Gregório Duvivier*
SOLIDARIEDADE (págs.12 a 15)
Saúde & países pobres
DEBATE (págs.16 a 21)
Transplante de fígado
HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 22 a 25)
Guido Arturo Palomba*
GIRAMUNDO (págs. 26 a 27)
Curiosidades & Novidades
PONTO.COM (págs. 28 a 29)
Informações do mundo digital
HOBBY (págs. 30 a 33)
Médicos escritores e blogueiros
CULTURA (págs. 34 a 38)
A cidade por outra visão
LIVRO DE CABECEIRA (pág. 39)
Arte & Ciência
+CULTURA (págs. 40 a 41)
Lazer & entretenimento
TURISMO (págs. 42 a 46)
África do Sul
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Sá de Miranda
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SOLIDARIEDADE (págs.12 a 15)
Saúde & países pobres
Remédios: há quem se lembre das doenças negligenciadas
Milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente as habitantes de países pobres ou em desenvolvimento, são afetadas pelas chamadas doenças negligenciadas, como leishmaniose, malária, doença de Chagas, doença do sono, HIV pediátrico e filarioses. Contudo, elas recebem pouco ou nenhum investimento por parte da indústria farmacêutica na pesquisa e produção de melhores medicamentos, devido ao baixo retorno financeiro. Assim, as pessoas infectadas por essas enfermidades são obrigadas a se submeterem a tratamentos dolorosos, com vários efeitos colaterais e pouco eficientes.
É nesse contexto que a organização não governamental suíça Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (Drugs for Neglected Diseases Iniciative (DNDi) atua. Por meio de apoio, planejamento e gerenciamento de parcerias de pesquisa, ela busca desenvolver tratamentos menos dolorosos, seguros, sem efeitos colaterais e mais eficientes, de modo que esses estejam ao alcance das populações de baixo poder aquisitivo. “Vejo a DNDi como uma ponte”, diz Carolina Batista, diretora médica do escritório da organização para a América Latina.
“São medicamentos com uma boa eficácia e que podem ser usados em condições de campo, em áreas de difícil acesso”. Atualmente, a DNDi tem vários parceiros e doadores, entre eles instituições públicas, privadas e governamentais, que também contribuem com a produção de novos fármacos. “A gente coloca toda a ciência para atender essas pessoas”, afirma Carolina.
História
Quando a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) ganhou o Nobel da Paz, em 1999, recebeu, como prêmio, US$ 1 milhão, e decidiu investir esse dinheiro na criação do Fundo para Doenças Negligenciadas. Mais tarde, em 2003, criou a DNDi, pois em alguns países atendidos pela MSF, nos quais havia pacientes com doenças negligenciadas, eram raros os tratamentos disponíveis, além de pouco eficientes e tóxicos. Para tanto, contou com o apoio de organizações já existentes nos países mais afetados.
Além da MSF, a DNDi tem como membros fundadores o Conselho Indiano de Pesquisa Médica, o Instituto de Pesquisa Médica do Quênia, a Fundação Oswaldo Cruz (Brasil), o Ministério da Saúde da Malásia e o Instituto Pasteur (França). O Departamento de Pesquisa e Capacitação em Doenças Tropicais (TDR) da Organização Mundial da Saúde (OMS) participa como observador permanente.
A DNDi conta com sete escritórios espalhados pelo mundo, sendo um no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, responsável pelas ações da organização na América Latina. Já a sede está localizada em Genebra, na Suíça.
O processo
Os medicamentos desenvolvidos com o apoio da DNDi devem ser, segundo a organização, simples, orais, seguros e eficazes, podendo ser usados em áreas com sistemas de saúde limitados. Por trás deles há um longo processo. A primeira fase é a de pesquisa, na qual são selecionados, em laboratórios especializados, compostos que, futuramente, possam se tornar novos medicamentos.
Na segunda fase, a de pesquisa translacional, é avaliada a aptidão da molécula, selecionada na primeira fase para se tornar um medicamento. Para isso, são feitos testes in vivo e in vitro. Posteriormente, também são realizados testes pré-clínicos e, depois, ensaios com pessoas saudáveis e enfermas.
Apesar dos testes feitos anteriormente para comprovar a eficácia e a segurança do novo fármaco, são necessários mais testes em grande escala. Por isso, são realizados estudos clínicos, ou seja, pacientes de lugares onde as doenças negligenciadas são endêmicas passam a ser tratados com a nova medicação. Se os resultados apresentados nessa fase forem satisfatórios, é obtida a autorização das agências reguladoras e, dessa forma, o medicamento é registrado e pode ser produzido, importado e distribuído.
Após o registro do novo medicamento, é necessário ainda testá-lo em condições não controladas.
A doença de Chagas é uam das enfermidades que recebem
pouco ou nenhum investimento por parte da indústria farmacêutica
Tratamentos desenvolvidos
Realizando todo esse processo, a iniciativa já conseguiu produzir e disponibilizar, desde sua criação, seis novos tratamentos: dois contra a malária, dois contra a leishmaniose visceral, um contra a tripanossomíase humana africana (doença do sono) e um contra a doença de Chagas. Desses, dois foram desenvolvidos no Brasil.
Um deles é o ASMQ, que consiste numa combinação em dose fixa de artesunato e mefloquina, substâncias utilizadas no tratamento da malária. O fármaco, desenvolvido por uma parceria entre a DNDi e o Instituto de Tecnologia em Fármacos Farmanguinhos, da Fiocruz, trouxe – ao combinar ambas as substâncias, que eram utilizadas de forma separada – menos efeitos colaterais e, com isso, teve maior adesão dos pacientes. Uma pessoa adulta, na terapia convencional com quinino chegava a ingerir até 24 cápsulas. Com o ASMQ, são apenas seis. O novo medicamento também está disponível na forma líquida para crianças.
“Uma experiência de tanto sucesso chegou a ser transmitida para o laboratório indiano Cipla”, comenta Carolina sobre a transferência de tecnologia feita entre Farmanguinhos e a Cipla Global Limited, uma multinacional pública farmacêutica da Índia, o que facilitou a implantação mundial do ASMQ.
O outro tratamento desenvolvido pela DNDi no Brasil é uma formulação em dose pediátrica do benznidazol, medicamento usado no combate à doença de Chagas. O fármaco foi resultado de uma parceria da iniciativa com o Laboratório Farmacêutico de Pernambuco (Lafepe), segundo maior laboratório público brasileiro, que tem a função de produzir medicamentos de baixo custo para as populações de menor poder aquisitivo.
Por não haver uma dose pediátrica do benznidazol, a dose adulta, muitas vezes, acabava sendo fracionada para ser administrada em crianças. Contudo, o fracionamento não garantia a correta posologia. “Quando se quebra o medicamento em vários pedaços, você nunca pode ter a certeza de que está dando a dose certa”, explica Carolina. Sendo assim, foi desenvolvido o benznidazol pediátrico, um comprimido com a dosagem adequada para o uso em crianças e bebês com a doença de Chagas. O medicamento, já registrado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é também fornecido na forma líquida, para facilitar a administração aos pequenos.
Futuro
Apesar de já ter desenvolvido seis tratamentos contra as três principais “doenças-alvos” – Chagas, leishmaniose e malária – a DNDi pretende desenvolver, até 2018, de 11 a 13 novos medicamentos contra as enfermidades negligenciadas. Também há a possibilidade de a ONG atuar no desenvolvimento de fármacos para outras doenças. “Pensamos em, talvez, expandir o nosso portfólio de trabalho e ampliá-lo para outras doenças”, anuncia Carolina.
(Colaborou: Wellington Monteiro)