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Médico, poeta e criador da abreugrafia


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Edição 69 - Outubro// de 2014

HISTÓRIA DA MEDICINA (págs. 36 a 38)

Médico, poeta e criador da abreugrafia

Manoel de Abreu... grafia

O médico que inventou o método revolucionário de diagnóstico precoce da tuberculose, a baixo custo, também era poeta

 

A exemplo de Carlos Chagas, ele tampouco ganhou o Prêmio Nobel, mas bem que merecia. Afinal, sua invenção – a abreugrafia – revolucionou o diagnóstico e o tratamento da tuberculose, permitindo a detecção em massa da doença. Apesar disso, Manoel Dias de Abreu não é muito conhecido nem mesmo em seu próprio país, o Brasil. Médico e cientista brilhante, além de poeta, o terceiro filho da brasileira Mercedes da Rocha Dias e do português Júlio Antunes de Abreu – que desembarcou no Brasil aos 13 anos para trabalhar em uma casa de tecidos em Recife –, nasceu em São Paulo, no dia 4 de janeiro de 1892.

Precoce, aos 13 anos Manoel de Abreu conseguiu ser aprovado na Faculdade de Direito de São Paulo, porém devido à pouca idade não ingressou no curso. Decidiu ir para a Europa, ter aulas particulares. Em 1908, regressou ao Brasil, ano em que entrou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e formou-se em 1913. Sua tese de doutorado foi baseada na influência do clima tropical sobre a civilização, intitulada Natureza Pobre.

Estando em Lisboa, em 1914, durante a eclosão da I Guerra, Manoel e sua família tiveram de lá permanecer. No ano seguinte, o médico mudou-se para Paris, onde ficou durante oito anos. Na capital francesa teve acesso a obras de personalidades que marcariam sua inclinação para a escrita, como Baudelaire, Antero de Quental, Nietzsche e Darwin, mas foi frequentando os bulevares parisienses que o brasileiro decidiu seguir o caminho da ciência.

Iniciou, então, sua experiência com a medicina francesa, naquele mesmo ano, no Nouvel Hôpital de La Pitié, em Paris. Lá, ficou responsável por fotografar peças cirúrgicas, e começou a construir um dispositivo especial para obter fotografias da mucosa gástrica. No ano seguinte, o médico chegou ao hospital mais antigo da cidade, o Hôtel-Dieu, onde interessou-se pela especialidade criada por Roentgen – um físico alemão que, em 1895, produziu o que hoje chamamos de raios-X. Nesse mesmo hospital, Manoel de Abreu assumiu a chefia do Laboratório Central de Radiologia, iniciando suas pesquisas em busca da técnica que viria a se chamar abreugrafia.

Também em Paris, especializou-se em radiologia pulmonar, no hospital Laennec. Mais tarde, o médico brasileiro desenvolveu a densimetria e visualizou, pela primeira vez, na fotografia do écran fluo­rescente, o meio de realizar exames do tórax em larga escala e por um baixo custo. A intenção era diagnosticar precocemente a tuberculose pulmonar, mas alguns problemas técnicos o impediram de descobrir a abreugrafia naquele momento.

Em 1922, Manoel de Abreu decidiu retornar ao Brasil. Ao chegar ao Rio de Janeiro, o médico – que estava convicto de que o controle da tuberculose estava no diagnóstico prévio em massa – deparou-se com uma epidemia da doença. Novamente, iniciou suas pesquisas para obter a fotografia nítida do écran e instalar na cidade o primeiro Serviço de Radiologia.


Aparelho de abreugrafia conservado pelo Instituto Clemente Ferreira, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo 

 

O momento da descoberta
Ao assumir a chefia do Serviço de Radiologia do Hospital Jesus, também no Rio de Janeiro, Manoel de Abreu encontrou um grande número de casos de tuberculose em crianças, o que o motivou a tentar criar a fluorografia pela terceira vez. Finalmente, em 1936, o médico venceu o desafio e conseguiu obter as primeiras fluorografias nítidas, alcançando o objetivo de chegar ao diagnóstico radiológico rápido e barato. O próximo passo foi sistematizar o novo método, divulgá-lo e começar a utilização em massa.

O primeiro aparelho foi construído pela Casa Lohner e instalado no Rio de Janeiro, no Serviço de Cadastro Torácico, em 1937. Em um mês, 758 pessoas foram examinadas. Todas aparentavam estar em boas condições de saúde, porém, 44 delas apresentaram lesões pulmonares, que foram diagnosticadas pela fluorografia. Ao se comprovar sua utilidade e importância, a nova técnica passou a ser adotada massivamente em outros Estados do Brasil e também na Europa e América do Sul, até que, décadas depois, outros métodos de radiologia surgissem e o substituíssem, já que seu nível de radiação era alto.

O método do médico brasileiro recebeu inúmeras denominações, chegando a ser chamado de Roentgenfotografia, nome escolhido pelo próprio Manoel de Abreu. Mas, por sugestão do médico Ary Miranda – presidente do I Congresso Nacional de Tuberculose, realizado em maio de 1939 –, o procedimento recebeu o nome de abreugrafia.

Priorizando sempre o diagnóstico precoce e a diminuição de custos, Manoel de Abreu elaborou a técnica das tomografias simultâneas, eliminando o alto custo do estudo corte a corte de uma área determinada do tórax. Dessa forma, passou a ser possível a realização de vários cortes simultâneos em apenas uma exposição.

O cientista publicou vários livros e artigos em revistas científicas. Reconhecido no Brasil e no exterior, seu trabalho rendeu-lhe inúmeras homenagens em vários países. Foi, por exemplo, cavaleiro da Legião de Honra da França e, dentre muitos prêmios, recebeu a medalha de ouro como “Médico do ano”, em 1950, do colégio Americano de Médicos do Tórax. Por cinco vezes, foi indicado para o Prêmio Nobel de Medicina. Seu método impulsionou, também, a criação da Sociedade Brasileira de Abreugrafia e a publicação da Revista Brasileira de Abreugrafia, em 1957.

Poeta
Não bastasse sua importância na Medicina, Manoel de Abreu tinha uma faceta que poucos conhecem: era poeta. O cientista escreveu os livros de poesias Substâncias, com ilustrações de Di Cavalcanti; Poemas sem Realidade, que ele mesmo ilustrou; e Meditações, com ilustrações de Portinari.

Apesar de suas pesquisas abrangerem sempre o tórax, o médico manteve o hábito de fumar durante toda a vida, o que provocou sua morte por câncer do pulmão, em 1962.

Em homenagem aos 50 anos de sua morte, a Sociedade Paulista de Radiologia (SPR) lançou, em maio de 2012, a biografia O Mestre das Sombras – Um Raio x Histórico de Manoel de Abreu. A obra, escrita pelo jornalista Oldair de Oliveira, foi idealizada pelo tesoureiro da SPR, Rubens Schwartz, e conta cerca de 150 anos de história, que vai desde o nascimento do pai de Manoel, Júlio de Antunes de Abreu, até a morte de sua esposa, Dulcie, em 1983.


(Colaborou: Fátima Lopes)

 


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