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PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp


ENTREVISTA (pág.4 a 9)
James Childress


CRÔNICA (págs.10 a 11)
Luis Fernando Veríssimo*


SINTONIA (págs.12 a 15)
Dimensão étnico-racial nos estudos sobre saúde


DEBATE (págs.16 a 21)
Hospitais devem receber investimentos externos?


CONJUNTURA (págs.22 a25)
Dilemas éticos no atendimento a presidiários


GIRAMUNDO (págs.26 a 27)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades


PONTO COM (págs.28 a 29)
Informações do mundo digital


EM FOCO (págs.30 a 32)
Paixão pelo futebol e pela Medicina


CULTURA (págs.33 a 35)
Loucura e Literatura


MAIS CULTURA (págs.36 a 37)
Mostra no MAC USP apresenta o artista como autor e editor


HOBBY (págs.38 a 41)
Médico fotógrafo


TURISMO (págs.42 a 46)
Carcassone: cidadela medieval


LIVRO DE CABECEIRA (pág.47)
Henri Beyle


FOTOPOESIA (pág.48)
Mário Quintana


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Edição 64 - Julho/Agosto/Setembro de 2013

SINTONIA (págs.12 a 15)

Dimensão étnico-racial nos estudos sobre saúde

A questão étnico-racial

População negra tem os piores indicadores de saúde-doença-cuidados e morte

Estela María García de Pinto da Cunha*


A importância de enfocar a dimensão étnico-racial nos estudos do processo saúde-doença-cuidados e morte fundamenta-se no reconhecimento da discriminação histórica que a população negra sofreu no Brasil e a consequente vivência de condições de marginalidade e vulnerabilidade que se estende desde a abolição da escravatura até a atualidade.

A produção científica permite constatar que a população que se autodeclara negra1 é a mais numerosa no país; apresenta, comparativamente, maiores níveis de fecundidade e, consequentemente, uma estrutura etária relativamente mais rejuvenescida que a população branca. Também entre os negros observa-se maior proporção de domicílios chefiados por mulheres.

No âmbito educacional, verifica-se que os negros constituem o maior contingente de analfabetos; estão numa situação mais desfavorável em relação ao total de anos de estudo alcançados e são minoria dentre os que se matriculam e os que completam o ensino superior.

São eles que, majoritariamente, inserem-se no mercado informal de trabalho, exercem as ocupações menos qualificadas, com rendimentos domiciliares mensais per capita relativamente menores aos de outros grupos, e representam o maior contingente populacional que vive tanto abaixo da linha de pobreza como em estado de pobreza.

É de se esperar que estes indicadores que apontam uma situação comparativamente desvantajosa das condições socioeconômicas da população negra impactem negativamente seu perfil de saúde-doença-cuidados e morte.


       Ao fazer uma revisão bibliográfica dos estudos relativos ao tema dos diferenciais raciais na saúde, verifica-se que a população negra é a que apresenta maior probabilidade de adquirir enfermidades infecciosas; está mais exposta a riscos de sofrer violência; apresenta taxas mais altas de morte por homicídio, especialmente entre homens adultos jovens; e sofre maiores níveis de mortalidade infantil.2

Em relação aos diferenciais raciais da saúde reprodutiva das mulheres,3 observam-se algumas especificidades que apontam para uma posição relativamente desvantajosa comparativamente às mulheres brancas. Pode-se verificar uma maior proporção de negras de 15 a 24 anos que não usaram preservativo na primeira relação sexual; uma maior percentagem de mulheres negras de 15 a 19 anos que não desejaram engravidar do último filho; uma maior proporção relativa das mulheres negras que utilizaram como contracepção a esterilização; uma menor proporção de mulheres negras que fizeram exame ginecológico nos dois meses posteriores ao parto; um peso relativo maior das mulheres negras, com 40 anos ou mais, dentre aquelas que nunca fizeram exame de prevenção de câncer ginecológico mediante mamografia e/ou papanicolau.

Com relação aos diferenciais dos perfis de morbidade, as informações divulgadas recentemente pelo Sinam/Datasus/MS constatam que os negros sofrem maior prevalência de doenças de notificação compulsória. Estima-se que eles concentrem 70% dos casos de leishmanioses; 64% do Mal de Chagas, 63% do total de casos de lepra, 67% do total de registros de esquistossomoses e 57% de sífilis nas mulheres grávidas.

Ao tratar dos perfis de mortalidade, as informações mais atualizadas do SIM/Datasus/MS permitem verificar:


•  Mortalidade precoce da população negra quando comparada com a branca. Esta última, porém, tem índices proporcionalmente maiores nas idades mais avançadas;

•  Maior concentração de mortalidade por causa “ignorada” entre os negros em contraposição aos brancos, indicando, indiretamente, um diferencial no acesso à assistência medica;

•  Em que pese a diminuição constante dos níveis de mortalidade nos primeiros anos de vida, as diferenças nos riscos de morrer nesse período, segundo raça/cor declarada pelas mães, mostram uma sobremortalidade dos filhos de mães negras, quando comparados aos níveis de mortalidade dos de mães brancas;

•  São as crianças negras quem, em maior proporção, morrem por causas evitáveis como diarreia aguda, infecções respiratórias, desnutrição e outras doenças infecciosas e parasitárias;

•  O número absoluto das mortes de mulheres brancas em idade reprodutiva por causas relacionadas a gravidez, parto e puerpério se manteve quase constante no período de 2000 até 2010. Entretanto, os óbitos de mulheres negras mostram uma tendência constante de aumento, o que poderia dever-se ao real aumento das mortes, ou por uma possível melhoria na captação dos registros. Mas é importante salientar que a razão entre os óbitos por raça/cor aumentou neste período, ampliando a assimetria entre os dois grupos populacionais;

•  A razão bruta de mortalidade materna, estimada a partir de informações da PNAD 2008, mostra uma diferença de 65%, dependendo da raça/cor declarada, sendo 67 por 100 mil nascidos-vivos entre as negras e 40 entre as brancas;

•  O maior peso relativo da probabilidade de morte entre as mulheres em idade reprodutiva por causa do aborto – devendo-se reconhecer o alto sub-registro que apresenta esta informação – alcança 66% entre as mulheres negras;

•  Se é verdade que, para o total da população, a primeira causa de morte são as doenças do aparelho circulatório, no caso da população negra estas ficam em segunda posição; e o primeiro lugar com as causas externas, que apresentam um diferencial racial muito mais significativo entre os homens de 15 a 29 anos. Os homicídios são responsáveis por quase 50% das mortes externas na população negra, o que evidencia a vitimização altamente masculinizada entre jovens negros em comparação aos brancos.

As assimetrias enunciadas neste breve resumo apontam, mais uma vez, que o Brasil se caracteriza por ser um país onde existe discriminação racial. E que, apesar de ter alcançado algumas conquistas, está longe de lograr a equidade racial, pois perpetuam-se as diferenças significativas na apropriação dos bens produzidos e no acesso aos serviços públicos oferecidos, impactando negativamente na qualidade de vida da população negra.

Diante dessa realidade, vários desafios, de diversos âmbitos e naturezas, deverão ser enfrentados. Dentre eles se destacam:


•  Conscientizar a população em geral, e a negra em particular, sobre seus direitos como cidadãos, sejam eles gerais e/ou específicos da área da saúde para, assim, torná-los sujeitos protagonistas das melhoras que possam ser alcançadas no seu nível e qualidade de vida;

•  Monitorar e exigir a implementação plena da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra;

•  Continuar desenvolvendo pesquisas científicas que permitam: conhecer com mais exatidão os tipos de agravos a que a população negra está exposta e sua magnitude; identificar os fatores de risco; o desenvolvimento de novas técnicas de diagnóstico e terapia etc. Dentre essas, destacam-se a hemoglobinopatia (especialmente anemia falciforme) desde o momento do nascimento; e, especialmente, durante a gravidez, a mortalidade materna; a morbimortalidade por DST/Aids etc.;

•  Continuar reivindicando que todas as informações divulgadas pelos órgãos oficiais considerem o recorte étnico-racial;

•  Garantir à população negra, como direito básico, a atenção à saúde de forma integral, humanizada e igualitária, porém reconhecendo e respeitando suas especificidades e necessidades físicas, culturais e sociais.


Em resumo, reconhecer, no momento da definição e hierarquização das prioridades de pesquisa e das ações de saúde, a relevância de considerar, como um recorte prioritário, a raça/cor autodeclarada, pois permitirá identificar um grupo populacional com riscos e agravos diferenciados, específicos e singulares.



*Coordenadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp

1 Denomina-se população negra aquela autoclassificada preta ou parda nas categorias oficias utilizadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (FIBGE).
2 Resumo de dados divulgados pelo DATASUS/Ministério da Saúde.
3 Informações sistematizadas da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS 2006).


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