CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág.1)
Renato Azevedo Júnior - Presidente do Cremesp
ENTREVISTA (pág.4)
Susan Greenfield
CRÔNICA (pág.11)
Fabrício Carpinejar*
SINTONIA (pág.12 a 15)
Neurociência e Filosofia
DEBATE (págs.16 a 21)
Todos os cidadãos têm o direito à saúde garantido?
EM FOCO (págs. 22 a 25)
Medicina sobre rodas
GIRAMUNDO (pág.26)
Curiosidades de ciência e tecnologia, história e atualidades
PONTO COM (pág.28)
Informações do mundo digital
HISTÓRIA (págs. 30 a 33)
Com 112 anos de história, Intituto Butantan é um dos maiores centros de biomedicina mundial
HOBBY (págs.34 a 37)
Médicos dedicam-se a escrever poemas
CULTURA (pág.38 a 41)
Pinacoteca de São Paulo realiza mostra sobre gravura brasileira
LIVRO DE CABECEIRA (pág.42)
Por Marco Tadeu Moreira de Moraes*
CARTAS & NOTAS (pág.43)
Medicina na Bolívia atrai grande número de brasileiros
TURISMO (págs. 44 a 47)
Cidades de Santa Catarina guardam um pouco da cultura europeia
FOTOPOESIA (pág.48)
Oscar Niemeyer
GALERIA DE FOTOS
HOBBY (págs.34 a 37)
Médicos dedicam-se a escrever poemas
Rimando Medicina com poesia
“Quando escrevo, entro em outro mundo. Minha cabeça funciona diferente, pensa de outra forma. Sinto-me mais humano. É bom para mim como pessoa. É bom para mim como médico”. A afirmação, do psiquiatra Dênis Eduardo Bertini Bó, reflete o elo entre medicina e literatura, principalmente a poesia, presente na vida de muitos médicos. “O que me move é exprimir as coisas que chegam do mundo para mim (...) e a poesia trabalha mais a expressividade do que a literatura em geral”, acentua o também psiquiatra Mauro Aranha.
Muitos médicos dedicam-se a escrever poemas como hobby. Em alguns casos, porém, como o de Paulo Roberto Madureira, a qualidade dos versos extrapola a definição de entretenimento e coloca-o no patamar de verdadeiro poeta. Confira, a seguir, a história sucinta e um respectivo poema de alguns profissionais da Medicina.
Paulo Roberto Madureira
Médico infectologista, Paulo Roberto Madureira ficou em segundo lugar no Off Flip, evento complementar e independente ao Festival de Literatura de Paraty (Flip), considerado um dos melhores do mundo. Madureira participou do Off Flip na categoria Poesia, em 2012, com o poema “Discurso”.
Docente em tempo integral do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp desde 1981, Madureira começou a escrever na adolescência, mas, de maneira mais sistemática, a partir de quando se formou. Em entrevista publicada pelo Jornal da Unicamp, explica qual a marca dos seus escritos: “Escrevo poemas curtos, ligados à dualidade das palavras, da ambivalência. Às vezes, eles vêm prontos; outras, levam tempo para madurar. Deixo-os pendurados em casa e vou cortando as palavras até sentir que estão prontos. É algo impactante do ponto de vista emocional”.
Uma de suas obras, o livro O eu e o nós, foi publicado pela editora Hucitec em 2002. Também tem poemas avulsos veiculados em revistas conceituadas, como a Cult. Quanto à Medicina, sua atuação “é quase toda voltada para a supervisão de internos e residentes no HC da Unicamp e em Centros de Saúde da rede de Campinas”, diz. Desde 2009, é diretor-clínico do hospital.
Discurso
a palavra falada
dura o tempo
que o vento
volta a ser
ar
e silêncio.
Pipa
o menino
tinha o céu
por um fio.
Hospício
a poesia
é irmã da loucura
só que não tem cura.
Mauro Aranha
“O que me move é exprimir as coisas que chegam do mundo para mim”, define o vice-presidente do Cremesp, Mauro Aranha, que já recebeu várias menções honrosas em concursos poéticos. Para ele, a poesia tem, também, muito a ver com sua especialidade médica. “A poesia me levou mais à psiquiatria do que o inverso. Mas a psiquiatria reforçou esse vínculo, pois o sofrimento psíquico pede algo que o expresse. E a poesia trabalha mais a expressividade do que a literatura em geral”, ressalta. Desde pequeno, inclusive estimulado por sua mãe, leu muita literatura. “A poesia era o que mais me tocava”, lembra. Ele começou a escrever aos 13 anos, mas quando mais produziu foi na década dos 20 anos. Publicou quatro livros: Diálogo de amor, Vidraça, O cais do ser e As formas inconstantes.
Impressão I: Monet pintando
Tarde,
Quase noite em Giverny.
Contempla o homem seus nenúfares,
Não só os do jardim.
Agora mais os que, aéreos, flutuam
E lhe perpassam
Olhos adentro.
Pergunto-me onde pesam
(dentro?), quanto mais ascendem
em tempo
esvaído da matéria
e ali não tornam.
Jardim interior:
a obra,
em tela onde se imprimem
os vários tons
quanto sejam os tons
da memória-lembrança,
intuições fluidas
em pulsos de pouso,
o pouso que punge
e esparso redime
o homem já velho,
tornado sublime.
Punge, concentra-se,
definitiva e indefinida matéria
assim feita em círculos
de expansiva imprecisão.
Eu diria até
nada mais do que a vida:
provisório círculo,
provisória flor,
pois logo se expande
E que, de tão expandida,
se (des)forma
e se esbate pura
e tão somente em cor.
Dagmar Curinga
A médica natalense Dagmar Curinga, que trabalha como clínica geral da prefeitura de Valinhos, não se lembra precisamente quando a poesia entrou em sua vida. “A poesia surgiu ao acaso, e assim permaneceu”, conta. As ideias de seus textos surgem espontaneamente, em diferentes frequências, influenciadas por sensações e situações variadas. Ainda não possui nenhum material publicado, o que pretende fazer em breve. Por enquanto, seus trabalhos são lidos por pessoas com as quais a médica gosta de compartilhá-los.
Despropósito
essa coisa toda
bafafares e etc
tem um certo quê
– não para o quê –
mas apenas para.
se soa irritante
e perde-se o juízo, melhor
– a causa é nobre –
pois meu amigo,
percebe?
há um algo de sublime no despropósito
Lúcia E. Narbot Ermetice
Formada na Unicamp, dermatologista e sócia de uma clínica multidisciplinar, Lúcia Ermetice também iniciou sua escrita ainda adolescente. “É algo que me dá muito prazer. Escrever é uma forma de recriar a realidade, algumas vezes de embelezá-la, outras, quando ela se apresenta muito amarga, de fugir dela. (...) é, acima de tudo, um ato lúdico, prazeroso”, explica. Escreve as poesias e crônicas sobre temas cotidianos, por impulso, sem ter uma rotina. A médica divulga seu trabalho poético em portais eletrônicos como o Recanto das Letras (www.recantodasletras.com.br) e Portal do Poeta Brasileiro (www.portaldopoetabrasileiro.blogspot). No aniversário de 60 anos, foi presenteada pelo marido e filhas com uma edição do livro Versos ao longo do caminho, que reúne suas poesias.
Poesia
Escondida atrás da porta
a espreitar-me furtiva,
ora aparece, ora some,
provoca-me e logo se esquiva,
acena-me num gracejo,
sussurra-me numa brisa,
transporta-se com o vento,
fugaz, falaz, inconstante
se apossa do pensamento
e em seguida, distante,
transforma-se num arpejo
que se perde num instante.
Em vão busco o reencontro;
foi-se leve como um sonho
descansar noutras paragens
no rastro da fantasia,
em mim só deixando imagens
doces, ternas, tristes, vãs:
fugiu de novo a poesia.
Perboyre Lacerda Sampaio
Pernambucano de nascimento, cearense de criação e paulista de coração, otorrinolaringologista e especialista em cirurgia plástica facial, Perboyre Sampaio diz que suas influências vêm de Guimarães Rosa, Menotti Del Picchia e outros. “Sou leitor compulsivo, se não tivesse aprendido a ler, seria não só um analfabeto, mas também infeliz”, afirma. O médico foi membro da Academia Brasileira de Médicos Escritores e participou da publicação anual de contos e poesias. Em 2012, lançou o livro Felicidade: medicamento controlado para a alma, com textos sobre temas variados e, em especial, poemas.
Eu vencedor
A tudo venci
A fome, a ferocidade
Com força e imunidade
Venci a adolescência
As crises de identidade
A falta de crença
A minha pouca ciência
E as armadilhas da cidade
Com garra
Venci o sono e o cansaço
Com raiva, humildade e esperteza
Venci o medo, o poder e a clareza
Tive coragem de buscar remédio
Pra curar a rotina a posse e o tédio
Que bom que sou assim
Sou realmente um vencedor
Por que venci meu inimigo interior
Por que venci a mim
Ah! O tempo
Só não venci esse bandido
Que através dos ponteiros
Espeta meu olho
E com seu tic tac
Me agride o ouvido
Apesar de tudo
Dá pra ver
Que o tempo é poeta
E nas linhas tortuosas do meu rosto
Escreveu o único poema
Que não gosto de ler
Dênis Eduardo Bertini Bó
O psiquiatra Dênis Bertini revela um pouco de sua agitada rotina: “como a maioria dos médicos de hoje, trabalho muitas horas por dia. Tenho vários empregos e, nessa loucura, é difícil achar tempo para escrever e ler, mas procuro fazê-lo pelo menos uma vez por semana”. Sua paixão pela literatura começou ao ler os primeiros livros na infância. Possui dois livros publicados: Uma viagem (1987), de literatura infanto-juvenil; e O feminino sou (2004), de poesias. Também escreveu crônicas semanais para um jornal de Ribeirão Preto. “Escrever, para mim, é uma paixão, um hobby. Quando escrevo, entro em outro mundo. Minha cabeça funciona diferente, pensa de outra forma. Sinto-me mais humano. É bom para mim como pessoa. É bom para mim como médico”, assegura o psiquiatra.
Dias limpos
Vai
Ergue teus ombros
Ouve a música ao longe?
Ela canta
Dias claros
Dias lindos
Dias limpos
Dias que ainda não são
Mas todo crepúsculo é
Pai de uma aurora
Não guardes teu sorriso
Não guardes teu abraço
Deseja tua festa de amanhã
Dança
A vida é valsa, pede o passo
E sem esperança a música acaba
Toma minha mão
Anda comigo
Lá fora o sol nasce
Explodindo em mil sons.
Raimundo Célio Pedreira
Nascido em Porto Nacional, Tocantins, Raimundo Pedreira é também professor universitário, músico e vice-presidente da Sociedade Brasileira dos Médicos Escritores do Tocantins. Possui sete publicações, entre elas Porta, Agudas e Crônicas e Raimundo. Um de seus poemas, “Uso Interno” deu a Célio Pedreira a quinta colocação do primeiro Concurso Nacional de Poesia da Academia Tocantinense de Letras, em 2006. O jornalista Lailton Costa, ao escrever o perfil do médico, descreveu-o como “um portuense que passou a infância margeando o Rio Tocantins (...), que fez da indignação pela morte das margens do ‘rio-lago’ a força criativa de uma literatura que ecoa a voz do homem e da natureza impactados”.
Uso interno
Beba seu olhar
numa madrugada messe
que é precioso ceifar-se
Verta seus passos
numa manhã anzol
que é preciso pescar-se
Apanhe duas estrelas
numa noite rede
e ate-se.
Colaborou: Jonas Carvalho