CAPA
PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Luiz Alberto Bacheschi*
ENTREVISTA (pág. 4)
Jairo Bouer
AMBIENTE (pág. 9)
As comunidades quilombolas remanescentes no Estado de São Paulo
CRÔNICA (pág. 12)
Pasquale Cipro Neto*
CONJUNTURA (pág. 14)
Conselheiros analisam tratamento de saúde oferecido a estrangeiros
SINTONIA (pág. 19)
Renato Azevedo Júnior*
DEBATE (pág. 22)
Pesquisadores discutem estágio atual das pesquisas com células-tronco
GIRAMUNDO (pág. 28/29)
Curiosidades da ciência e tecnologia, da história e da atualidade
PONTO COM (pág. 30)
Acompanhe as novidades que agitam o mundo digital
EM FOCO (pág. 32)
Charges e desenhos sobre o ensino e a prática médica
CULTURA (pág. 34)
Marcelo Secaf *, presidente do conselho da Associação Pinacoteca
TURISMO (pág. 38)
Parque Estadual do Jalapão, em Tocantins
HOBBY (pág. 44)
Caratê: melhor concentração e controle das emoções
LIVRO DE CABECEIRA (pág. 47)
Obra da psicóloga e psicoterapeuta francesa Marie de Hennezel
POESIA( pág. 48)
Soneto de Machado de Assis
GALERIA DE FOTOS
TURISMO (pág. 38)
Parque Estadual do Jalapão, em Tocantins
PELAS VEREDAS DO JALAPÃO
Perdendo-se nas vastas paisagens descritas por Euclides da Cunha e Guimarães Rosa
Vaqueiro conduz o gado na comunidade Mumbuca
Por que gostamos de paisagens amplas, onde a vista pode se perder? Há quem diga que levam nossa memória atávica aos tempos em que os homens viviam nas savanas da África, de onde originaram-se os humanos. O cerrado (a savana do Brasil), que ocupa o território central do país, oferece paisagens assim. A maior parte já foi modificada pelo homem, mas o Parque Estadual do Jalapão, no Estado de Tocantins, é gloriosa exceção.
Junto com a Estação Ecológica da Serra Geral e o Parque Nacional das Nascentes do Parnaíba, o Jalapão forma uma das maiores áreas ainda preservadas do cerrado – que perdeu, de acordo com o IBGE, metade de sua vegetação original, de 1,052 milhão de km2, para o avanço da fronteira agrícola, principalmente da soja. Ali, quase nada foi modificado. Nas descrições sobre o Jalapão, a natureza é sempre protagonista. Em lentos movimentos, as águas arrasaram a superfície arenosa ao longo de eras para fazer surgir, na vastidão dos campos, serras em forma de tabuleiro.
Arbusto típico do cerrado, no Parque Estadual da Serra Geral
Euclides da Cunha, em algumas passagens do livro Os Sertões, nos coloca nessa região do país onde está Jalapão. A primeira descrição, ele faz para criar contraste com a caatinga, que recorta o olhar e afoga as pessoas em seus espinhos, folhas urticantes, gravetos estalados em lanças, galhos retorcidos, secos, entrecruzados. Mas nos campos gerais estão “os belos efeitos das denudações lentas, no remodelar os pendores, no desapertar os horizontes e no desatar – amplíssimos – os gerais pelo teso das cordilheiras, dando aos quadros naturais a encantadora grandeza de perspectivas em que o céu e a terra se fundem em difusão longínqua e surpreendedora de cores”. Não há maneira mais linda de descrever o Jalapão.
Belo pepalanto nas dunas do Parque Estadual do Jalapão
Mal nomeado deserto nos anos 90, o Jalapão é rico em águas. Ali correm os rios Sono, Soninho, Balsas, Preto, Caracol e Novo, da bacia do Tocantins. O rio das Balsas é afluente do Caracol, que vai dar no Sono, que aflui do Tocantins. Há cachoeiras, olhos d’águas cristalinos, veredas úmidas costuradas por buritizais. A região é, no entanto, quase deserta de gente, com densidade populacional de 0,8 por km² (no Estado do Amazonas, são 2,21). Em boa parte, os habitantes do Jalapão são descendentes de nordestinos, índios e negros, vindos principalmente da Bahia. Povoaram a região fugindo da seca e hoje vivem em pequenas comunidades quase engolidas pela paisagem.
Gavião de cauda branca, comum no cerrado
Cachoeira da Velha, no rio Novo
Dunas do Parque Estadual do Jalapão, formadas pela erosão da Serra do Espírito Santo
Ali há lugares em que se pode perder a vista por 360 graus e não ver uma única marca humana, além de estreitas e vazias estradas de terra. Os caminhos do Jalapão eram utilizados por vaqueiros da Bahia que buscavam gado no Centro Oeste. Também é Euclides da Cunha que descreve como alguns vaqueiros do sertão, “de ano em ano, arrancam dos pousos tranquilos para remotas paragens. Transpõem o São Francisco; mergulham nos gerais enormes do ocidente, vastos planaltos indefinidos em que se confundem as bacias daquele e do Tocantins em alagados de onde partem os rios indiferentemente para o levante e para o poente, e penetram em Goiás (Estado que integrava o Tocantins até 1977). (...) Vão à compra de gados. Aqueles lugares longínquos, pobres e obscuros vilarejos que o Porto Nacional extrema, animam-se, então, passageiramente, com a romaria dos baianos. São os autocratas das feiras. Dentro da armadura de couro, galhardos, brandindo a guiada, sobre os cavalos ariscos, entram naqueles vilarejos com um desgarre atrevido de triunfadores felizes”. A cidade de Porto Nacional é um dos limites do Parque Estadual do Jalapão.
Comunidade Mumbuca, o berço do artesanato do capim-dourado
Dona Miúda, da família à qual se atribui a invenção do artesanato com o capim
A Serra Geral da Bahia, a sudeste, que divide as bacias do rio São Francisco e do Tocantins, hoje é uma barreira natural para a cultura da soja, intensa no oeste da Bahia. Nos tempos de Riobaldo e de Diadorim, personagens de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, a serra era obstáculo aos baianos exilados pela seca. “É preciso de saber os trechos de se descer para Goiás: em debruçar para Goiás, o chapadão por lá vai terminando, despenha. Tem quebra-cangalhas e ladeiras terríveis vermelhas. (...) Por aí, extremando, se chegava até no Jalapão – quem conhece aquilo? – tabuleiro chapadoso, proporema. Pois lá um geralista me pediu para ser padrinho de filho. O menino recebeu nome de Diadorim, também. Ah, quem oficiou foi o padre dos baianos, saiba o senhor: população de um arraial baiano, inteira, que marchava de mudada-homens, mulheres, as crias, os velhos, o padre com seus petrechos e cruz e a imagem da igreja – tendo até bandinha-de-música, como vieram com todos, parecendo nação de maracatu! (...) Só era uma procissão sensata enchendo estrada, às poeiras, com o plequeio das alpercatas, as velhas tiravam ladainha, gente cantável. Rezavam, indo da miséria para a riqueza. E, pelo prazer de tomar parte no conforto de religião, acompanhamos esses até à Vila da Pedra-de-Amolar.”
Mão de artesão segura folhas amareladas da palmeira buriti
Mumbuca: menina colhe capim-dourado em campo próximo à comunidade. Acima, artesanato local
As fibras das folhas jovens do buriti são usadas na confecção de fios para amarração do artesanato com o capim
De acordo com o zoólogo Cristiano Nogueira, a região é chamada até hoje de Pedra de Amolar e fica entre os Estados de Tocantins e Bahia, próxima à pedra da Baliza. Por quase uma década, Nogueira fez viagens pelo Jalapão e Serra Geral para estudar a fauna regional. “Guimarães Rosa descreve exatamente a proeza de se descer dos patamares da Serra Geral para o que hoje é o Tocantins. Entre o planalto, a depressão e a bacia do Tocantins, há paredões abruptos”, explica ele, onde não é fácil achar o ponto certo para descida. “Uma das partes fáceis fica exatamente entre a vereda das cabeceiras do Sapão e do Galheiros, famosa e tão bela. Por ali mesmo fica a região dos Prazeres, a Baliza e a Pedra de Amolar.” Para Nogueira esse trecho de Grande Sertão é um exemplo de como a geografia moldava a vida das pessoas. E de como são pequenas dentro do Jalapão.
Das mãos dos baianos das procissões de Euclides e Guimarães, surgiu uma beleza hoje conhecida em feiras de todo o Brasil, o artesanato com capim-dourado (caule de uma espécie de sempre-viva que nasce próxima às veredas) e seda de buriti. No Povoado da Mumbuca, fundado em 1890 por descendentes de quilombos exilados do semiárido, surgiu o artesanato de capim-dourado. Guilhermina Ribeiro da Silva (dona Miúda), uma das mais idosas do lugar, e sua irmã Laurentina (a magrinha vó Grossa) aprenderam a tecer o capim com a mãe. Segundo elas, foi a mãe, costureira talentosa, quem primeiro teve a ideia de costurar, com fios da seda do buriti, o capim cor de ouro. A costura de palhas foi aprendida dos índios. Nem imaginavam que isso poderia, um dia, ter valor. Hoje, nas cidades próximas do Parque do Jalapão, muita gente vive desse artesanato.
Os buritis são outra presença constante no Jalapão. Eles pontuam as veredas e os cursos de água que recortam a região. Para chegar às dunas do Jalapão ao pé da Serra do Espírito Santo, formada pelas areias descascadas dos chapadões, se atravessa uma vereda e se adivinha o caminho pelo vasto da chapada, ao seguir, lá de cima, o curso dos buritis que vai com eles.
O pôr-do-sol nas dunas, de frente para os chapadões alaranjados do Espírito Santo, é o desatar de cores, céus, terras e amplidão descrito por Euclides da Cunha. Essa é somente uma das belezas do Jalapão, acessível por veículos com tração nas quatro rodas, tempo bom e mapas regionais para encontrar os seus belos recantos, que são muitos: o cânion de Suçuapara, os fervedouros de água onde se pode banhar sem afundar, as praias do rio Novo, o morro do Furo da Bigorna, as dunas, a cachoeira da Formiga e o povoado de Mumbuca. A sensação de amplidão, de se perder no tempo, em terras quase intocadas, com pessoas de outras épocas, só se encontra pelas veredas do Jalapão.
Como chegar
A partir de Palmas, capital do Tocantins, são 64 km pela rodovia TO-050 até Porto Nacional, mais 116 km pela TO-255, até Ponte Alta do Tocantins, considerada a entrada do Jalapão. No parque, as atrações ficam distantes umas das outras, sendo recomendável o uso de veículos com tração 4x4.
Onde ficar
Há pousadas e hotéis de variados preços nos seguintes povoados e cidades do Jalapão: Mateiros, Ponte Alta do Tocantis, Novo Acordo e São Félix do Tocantins. Muitos deles organizam passeios guiados pela região.
http://www.hotelinsite.com.br/regioes/jalapao.html
O que visitar
Gruta de Suçuapara – na altura do km 15 da estrada para Mateiros – de 15 m de altura e 60 m de comprimento, que forma um cânion com cachoeira.
Cachoeira do Lajeado – trecho de 25 m composto por degraus formando várias quedas e cachoeira do Brejo da Cama – sua queda tem apenas 3 m de altura e fica dentro de um buraco. Ambas acessíveis pela estrada para a fazenda do Chiquinho (45 km).
Cachoeira da Velha – Com cerca de 25 m de altura, essa cachoeira, que tem duas quedas em forma de ferradura, deságua no rio Novo. Para se chegar a ela, siga pela estrada para a fazenda Triagro (101 km).
Dunas – É possível ver as dunas de cor alaranjada no Jalapão – que chegam até 40 m de altura – no km 136 da estrada para Mateiros.
Fervedouro – poço de olho d’água, azul, que borbulha; e cachoeira do rio Formiga – de águas esverdeadas e transparentes, perfeita para banhos. Ambas acessíveis pela estrada para São Félix do Jalapão.
* Patrícia Cornils é repórter e documentarista. Trabalhou no Valor Econômico, Jornal do Brasil, Telecom, DCI, fez reportagens para diversas publicações e dirigiu documentários, entre eles Querida Mãe, premiado como melhor curta-metragem do festival É Tudo Verdade 2010. Luciano Candisani fotógrafo de natureza, cinco vezes ganhador do Prêmio Abril de Jornalismo por trabalhos publicados na revista National Geographic e autor de cinco livros.
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