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CAPA

PONTO DE PARTIDA (pág. 1)
Editorial de Luiz Alberto Bacheschi, que assumiu a presidência do Cremesp em janeiro deste ano


ENTREVISTA (pág. 4)
Acompanhe um papo informal com o compositor, médico e herpetólogo...


SINTONIA (pág. 9)
Pintores famosos e o legado - artístico - a seus médicos, na visão do conselheiro José Marques Filho


CRÔNICA (pág. 14)
Texto do premiado médico escritor, membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar


ESPECIAL (pág, 16)
A reforma do sistema de saúde americano por Lynn Silver, sub-secretária da Saúde de Nova Iorque


CONJUNTURA (pág. 22)
Dados do Cebrid mostram que os jovens experimentam a bebida muito cedo: entre 10 e 12 anos


DEBATE (pág. 26)
Em discussão a evolução da psiquiatria e o programa de saúde mental no país


GIRAMUNDO (pág. 32)
O que esperar da Conferência Mundial sobre o Clima realizada em Copenhague em dezembro passado?


PONTO COM (pág. 34)
Informações interessantes de acesso rápido, nos endereços eletrônicos selecionados. Clique!


HOBBY (pág. 36)
O médico cardiologista Maurício Jordão pratica o ilusionismo nas horas vagas


CULTURA (pág. 38)
A Bahia pelo traço, leve e característico, de Hector Julio Páride Bernabó


TURISMO (pág. 42)
Búzios: 24 praias belíssimas, além de mirantes com vista de 360 graus


CABECEIRA (pág. 47)
Sugestões de leitura da presidente da Academia de Medicina de São Paulo


POESIA (pág. 48)
Trecho de A Noite Tava Divina, de Paulo Vanzolini


GALERIA DE FOTOS


Edição 50 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2010

ESPECIAL (pág, 16)

A reforma do sistema de saúde americano por Lynn Silver, sub-secretária da Saúde de Nova Iorque

“A reforma nacional não será tão abrangente como gostaríamos”

Subsecretária de Saúde de Nova York comenta nova proposta de saúde em curso nos EUA


Passeatas tomaram o país. Acima, apoio em Los Angeles  

 O plano de reforma nacional da saúde em curso nos Estados Unidos desencadeou uma ampla  mobilização social no país  desde que o presidente Barack Obama entregou sua proposta original à Câmara dos Deputados, no segundo semestre de 2009. Políticos, profissionais ligados à área, empresários do setor  e cidadãos comuns  foram impelidos a tomar posição no processo. A subsecretária de Saúde da cidade de Nova York, Lynn Silver, de 51 anos, comentou as propostas em discussão e os bastidores da reforma na saúde dos EUA, após o projeto ter sido aprovado pela Câmara dos Deputados daquele país – e antes de ser discutido no Senado.  Pediatra, Silver conhece bem o Brasil e o Sistema Único de Saúde (SUS). Morou no país entre 1989 e 2004, como professora visitante da Fundação Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro e também ajudou a montar o curso de ciências farmacêuticas da Universidade de Brasília (UnB). Até hoje colabora, à distância, com o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). Desde 2004 está à frente da subsecretaria responsável pela prevenção e controle de doenças crônicas de Nova York. Em outra entrevista a Ser Médico, concedida em 2007, ela falou sobre os esforços da administração municipal de Nova York na busca de alternativas para uma assistência à saúde mais justa aos seus cidadãos, frente à falta de equidade do modelo vigente no país. Nesta entrevista, ela também fala dos avanços conseguidos e dos exemplos que Nova York pode dar ao novo plano nacional em debate.


Lynn Silver: "Os médicos também estão cansados dos abusos e da burocracia dos planos privados"

SM: Como a proposta de reforma repercute em setores ligados à área de saúde como o que a sra. trabalha em Nova York? Quais a rejeitam e quais apoiam?
Lynn Silver:
É um jogo político complexo. Há relativo consenso de que é preciso mudar, menos do setor de seguros de saúde privado. E eles precisam de uma ampla reforma. A negociação política tem sido difícil. Tanto a versão debatida na Câmara como a que está no Senado representa, basicamente, o possível dentro do ambiente político dos EUA. A aprovada pela Câmara tem muitos progressos, mas não resolve todos os problemas. Ela inclui uma opção pública. Porém, em vez fixar preços como faz o sistema Medicare, teria de negociá-los nos moldes dos planos privados, o que reduz sua eficiência. Somente após a negociação com o Senado saberemos se um plano público será criado, como vai funcionar e quem terá acesso. Nova York apoia a implantação de um plano público robusto, mas acredito que o resultado final da reforma não será tão abrangente como gostaríamos. Pessoalmente, preferia algo semelhante ao Sistema Único de Saúde (SUS), um modelo de pagador único, com prestadores públicos e privados, mas isso não vai acontecer aqui neste momento.

SM: Quais são os principais avanços?
LS:
O avanço mais importante é o incremento de subsídios públicos para garantir o acesso da maioria das pessoas de baixa e média renda, que hoje não consegue um seguro de saúde. Embora não cubra todos, reduzirá substancialmente o problema de falta de cobertura. Outro, importante, é o que pretende proibir que as seguradoras neguem cobertura com base em doenças pré-existentes – esse também foi um grande debate na regulamentação dos planos de saúde no Brasil. E, outro ainda, é o que proíbe às seguradoras fixar limites de valores a serem pagos para determinadas gravidades. Elas não poderão mais dizer: “só pagaremos até 100 mil dólares”. Uma medida também importante é a que exige das seguradoras, públicas ou privadas, a cobertura de serviços preventivos recomendados, como imunização, pesquisa de câncer etc, sem, por isso, cobrar co-pagamento ou aplicar franquia.

SM: Isso não acontece hoje?
LS:
Em alguns tipos de seguros, sim. É o que difere uns de outros. Alguns Estados o exigem também.

SM: Os indicadores apontam as baixas condições gerais de saúde da população dos EUA. Quanto maior a cobertura melhor a situação? Qual é a relação?
LS:
Não é o determinante mais importante, mas influencia alguns aspectos. Os determinantes mais importantes são distribuição de renda e educação. Comparado a alguns países, a distribuição de renda é muito desigual nos EUA, fato refletido em indicadores básicos de saúde. Os EUA ocupam o 30º lugar em mortalidade infantil. Temos um ambiente de saúde problemático também do ponto de vista de alimentação e atividade física, o que contribui para obesidade e doenças crônicas.

SM: A sra. falou que os EUA não olhavam para as mudanças do meio ambiente de forma a prevenir doenças. A nova proposta tem esse olhar?
LS:
Finalmente vemos mudanças nesse sentido por parte do governo federal que, gradativamente, passa do enfoque de “responsabilidade individual” para o de promoção de políticas mais ativas, em estados e municípios. Entre elas, o controle do tabagismo no ambiente, mudança da situação alimentar e promoção de transporte ativo – como andar a pé, de bicicleta ou usar meios públicos em vez de veículos particulares –, além de tributar pesadamente os produtos que afetam a saúde como tabaco e refrigerantes. Em 2009, os recursos do programa de recuperação econômica do centro de controle de doenças foram inteiramente focados aos de mudança de políticas para prevenir a obesidade. É uma grande alteração de enfoque do governo federal.

 SM: Nova York aprovou legislação que exige a rotulagem de caloria em cardápios de cadeias de restaurantes e, outra, que proibe o uso de gordura trans nesses estabelecimentos. Quais foram os impactos dessas medidas?
LS:
Hoje, em qualquer restaurante fast food de cadeias com mais de 15 estabelecimentos, as calorias estão relacionadas nos cardápios. Fizemos pesquisas, antes e depois, em 2007 e 2009, com mais de 20 mil frequentadores de 13 cadeias. O percentual de clientes que viu a informação aumentou, de menos de 8%, em 2007, para 56%. Em nove das 13 cadeias, houve redução no consumo de calorias e, em quatro delas, de forma significativa, caso do Mc Donalds, Starbucks, KFC e Au Bon Pain. Por outro lado, na Subway, o consumo aumentou porque fizeram uma grande promoção do sanduíche de 12 polegadas. Mas as pessoas que viram e utilizaram a informação da rotulagem compraram 106 calorias a menos que aquelas que não viram ou utilizaram. Não é uma completa vitória, mas a informação é utilizada por cerca de 15% dos consumidores. Pode parecer pouco, mas são mais de 250 mil pessoas por dia. A medida foi muito bem aceita pela população. Quanto à outra lei, as gorduras trans estão fora dos cardápios, com altíssimo nível de cumprimento, e ninguém nota a diferença quando come em restaurantes. Essas medidas foram reproduzidas em outros estados e municípios.

SM: E está incluída no pacote de reforma do governo federal?
LS:
Como essa prática está crescendo no país, as cadeias de restaurantes cederam e entraram em acordo com a Câmara Federal para incluir, no pacote de reforma, uma lei nacional sobre rotulagem de calorias.


Moradores de rua no metrô de Nova York

SM: Que outros exemplos de Nova York estão na proposta de reforma?
LS:
Nova York fomentou com muita força a inclusão de ações de promoção de saúde e prevenção de doenças crônicas no financiamento público. Eram áreas que tradicionalmente não tinham apoio financeiro federal. Já existia para prevenção das infecciosas. Mas, para as crônicas, que são as principais causas de morte, morbidade e têm maiores custos para o sistema de saúde, não havia investimentos significativos.

SM: Qual é a cobertura de saúde de Nova York?
LS:
Temos 15,2% sem seguro de saúde, 51% com seguro privado, 15% no Medicare (público, para maiores de 65 anos) e 18% no Medicaid (público, para deficientes físicos, adultos e crianças de baixa renda).

SM: O que apontam as pesquisas de opinião sobre a reforma?
LS:
As pesquisas apontam que a maioria do povo quer mudança no sistema de saúde. E quer também uma opção pública. O Medicare é imensamente popular no país. Surpreendentemente, até os médicos querem uma opção pública, segundo pesquisa do New England Journal of Medicine. Eles também estão cansados dos abusos e da burocracia dos planos particulares.

SM: A proposta de Obama é uma espécie de experimento socializante para os EUA?
LS:
Socializante? Acho que não vou responder essa pergunta (risos)... Eu diria que uma reforma à la americana, que teve de responder a um imenso jogo de interesses, que dificulta o processo. Tal como está definida e com a maioria do atendimento feito através de seguros privados, não é uma medicina socializada. Ainda estaremos muito longe de um seguro público nacional de saúde.

SM: Como essa proposta pretende o equilíbrio entre aumentar a cobertura, melhorar a assistência e reduzir o déficit da saúde?
LS:
O presidente Barack Obama deixou muito claro que não assinará nenhuma proposta que aumente a dívida nacional. É seu requerimento absoluto que todas as propostas estejam obrigadas a estabelecer mecanismos de financiamento. A da Câmara o prevê, principalmente, por meio de um imposto que incidirá sobre famílias de alta renda.

SM: Uma pesquisa do Diamond Institute indicou que quanto maior a oferta de leitos, tecnologia e especialistas, maior é a hospitalização nos EUA. Outra conclusão é a de que o país faz mais cirurgias do que os outros. Há muitos procedimentos médicos desnecessários nos EUA?
 LS:
A estranha coexistência entre uso excessivo de tecnologia e a falta de acesso para muitos que realmente precisam é característica do sistema nos EUA, mas o país não está sozinho. Por exemplo, há 20 anos, quando era recém-chegada ao Brasil, repeti uma pesquisa que havia feito nos EUA, sobre as taxas de cesarianas por hospital. Ambos países demonstraram ser campeões internacionais de partos cesáreas desnecessários. Seja qual for o sistema de saúde, a garantia do uso apropriado de tecnologias como cirurgias, medicamentos e meios diagnósticos mantém-se como um desafio imenso.

Massachussets foi pioneiro

Médicos avaliam sistema de saúde do Estado que tem cobertura quase universal


Prefeitura de Boston, capital de Massachussets: maioria da população aprova a lei local

A reforma nacional de saúde em curso nos Estados Unidos teve Massachussets, terra do falecido senador Ted Kennedy, como importante referência. Com mais de seis milhões de habitantes, o 13º Estado mais populoso do país aprovou, em 2006, uma lei que concilia regulamentação e subsídios para garantir assistência médica a todos. Em 2009, Massachussets apresentou a maior taxa de cobertura de saúde dos EUA, apenas 2,7% da população ainda estava fora do sistema. Comparado aos índices nacionais, é uma revolução. Dos 300 milhões de habitantes dos EUA, 50 millhões (17%) não têm nenhum tipo de cobertura, 140 milhões (48%) possuem seguro privado e 110 milhões (35%) são assistidos pelo programa público. A proposta de reforma nacional incluiu muitas medidas adotadas por Massachusetts. E também utilizou seus pontos críticos como exemplos do que deve ser melhorado. 

Em síntese, a lei de Massachussets obriga o sistema, em grande parte privado, a fornecer cobertura quase universal. Isso porque exige que um maior número de empresas garanta seguro de saúde a seus empregados. A maioria da população do Estado aprova a lei, mas há críticas, principalmente em relação aos investimentos para o financiamento. Políticos de oposição afirmam que os custos do novo plano estão fora de controle. Embora crescentes, os valores não ultrapassaram as projeções prévias.

Por outro lado, a eleição do republicano Scott Brown, em janeiro último, para o Senado, altera o equilíbro de forças no plano nacional e põe em risco a reforma do sistema de saúde patrocinada por Barack Obama.

Numa pequena amostragem on line do American College of Emergency Physicians, 138 médicos de emergência declararam que a reforma estava pressionando a capacidade dos prontos-socorros.

O New England Journal of Medicine divulgou, em novembro, abrangente pesquisa sobre as experiências e impressões de 2.135 médicos atuantes no Estado, após três anos de implantação da lei. O objetivo do trabalho era obter dados mais relevantes para auxiliar o debate nacional sobre a reforma da saúde. O estudo avaliou a opinião de médicos em três áreas: apoio à legislação, seus efeitos sobre a prática médica e a assistência à saúde.

A reforma de Massachusetts tem apoio de 70% médicos, apenas 13% não são favoráveis a ela. Os percentuais de apoio são semelhantes para generalistas e especialistas. Sobre o futuro da lei, 75% esperam que seja mantida – 46%, com algumas mudanças, e 29%, como está – e 7% pedem sua revogação. Aos que mencionaram necessidades de mudanças perguntou-se quais gostariam de ver – a expansão da cobertura (34%) e o enfrentamento dos custos (23%) foram as mais citadas. Quase 80% dos profissionais estão muito satisfeitos com sua prática médica. Porém, 50% consideram que sua atividade tinha piorado nos últimos três anos, enquanto 23% opinaram que tinha melhorado. Porém, poucos apontaram a reforma da saúde como uma das principais razões para as mudanças positivas (13%) ou negativas (11%).

Os médicos ainda foram questionados sobre os aspectos de sua atividade afetados pela lei. Para a maioria, não houve muitos efeitos positivos. De todos os aspectos, a carga de trabalhos administrativos decorrentes da lei, na prática do médico, provoca maior reação negativa entre os profissionais. Para 35%, esse é seu pior efeito. Um quarto dos médicos apontou efeitos negativos no custo total do atendimento aos pacientes, na sua situação financeira e no tempo que os pacientes esperam por uma consulta. Segundo 48% dos médicos, a lei reduziu o número de pacientes não segurados. Foi o maior percentual de respostas positivas em relação a qualquer aspecto da prática médica. Para 42%, a lei afetou positivamente a capacidade de seus pacientes sem cobertura de pagar pelo atendimento.

Quanto aos efeitos mais amplos, o novo sistema é bem visto. Comparado com a avaliação do plano nacional (33%), quase o dobro dos médicos considera o programa regional (63%) como excelente ou bom. Os médicos também avaliaram os impactos da lei nos cuidados de saúde de forma geral em Massachussets. A maioria considerou que não apresentou grandes efeitos positivos sobre a situação geral.

Para 79%, a lei foi mais positiva para as pessoas que antes não tinham seguro. O segundo aspecto positivo mais citado (37%) foi a melhora da qualidade do atendimento. A perspectiva positiva veio sempre associada à crença, de boa parte dos médicos, de que o programa está aumentando os custos da assistência no Estado. Para 53% deles, o impacto mais negativo da reforma é o seu custo.
 
Desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard, o estudo coletou dados entre agosto e setembro de 2009. Os médicos foram convidados a participar, por meio de carta, mediante incentivo que variou de US$ 50 a US$ 100, de acordo com a especialidade.


Apoio da população de Boston à reforma na Saúde


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