CAPA
EDITORIAL (SM pág.1)
A implantação plena do SUS no país depende, apenas, de vontade política
ENTREVISTA (SM pág. 4)
Um encontro com o autor de Caminhos para o desenvolvimento sustentável
CRÔNICA (SM pág. 8)
Se você duvida da resistência "sobrenatural" dos vírus e bactérias, leia ...
CONJUNTURA (SM pág. 10)
Robôs cirúrgicos: a esperança de sucesso em procedimentos de alta complexidade
SAÚDE NO MUNDO (SM pág. 13)
Os pontos positivos do sistema público de saúde canadense
MÉDICO EM FOCO (SM pág. 16)
O verdadeiro espírito da Medicina cativa moradores simples do litoral sul de São Paulo
AMBIENTE (SM pág. 20)
Guia Verde de Eletrônicos do Greenpeace: empresas e a reciclagem
DEBATE (SM pág. 22)
Como atua o sistema de cooperativas de trabalho médico no Estado
GIRAMUNDO (SM pág. 28)
Destaque para a exposição Cérebro - O mundo dentro da sua cabeça, realizada em outubro
HISTÓRIA (SM pág. 30)
Surge uma nova - e importante - área de atuação médica: a Medicina de Viagem
GOURMET (SM pág. 34)
Aprenda a preparar uma receita dos deuses: ostra à milanesa
CULTURA (SM pág. 37)
Cientistas voltam os olhos para o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí
TURISMO (SM pág. 42)
Acompanhe o passo-a-passo de uma viagem deslumbrante à Síria! Roteiro do médico Rodrigo Magrini
CARTAS (SM pág. 47)
Iniciativa da revista em papel reciclado recebe aprovação dos leitores
FOTOPOESIA (SM pág. 48)
Dante Milano, poeta modernista carioca
GALERIA DE FOTOS
CONJUNTURA (SM pág. 10)
Robôs cirúrgicos: a esperança de sucesso em procedimentos de alta complexidade
A era dos robôs cirurgiões
Da ficção para a realidade, robôs mimetizam e superam alguns movimentos humanos, mas para o bem
Por: Claudio Cernea, Antonio Vasconcelos Macedo,Vladimir Schraibman e
Gustavo Lemos*
A menção da palavra robô pode evocar determinadas imagens, dependendo da faixa etária do interlocutor. Para alguns, a figura daquele autômato assustador do clássico de ficção científica O dia em que a Terra parou, de 1951. Para outros, a do divertido robô que o dr. Smith chamava de “lata de sardinhas pretensiosa”, na série dos anos 60 Perdidos no espaço. Ainda dos anos 60, há a representação de Hal 9000, o supercomputador assassino de 2001 – Uma odisséia no espaço. Aos mais jovens, pode revelar-se a figura aterradora de Arnold Schwarzenegger como o androide de O exterminador do futuro, série de filmes iniciada em 1984.
A utilização de robôs revolucionou diversos ramos da atividade humana – por exemplo, a indústria automobilística. Assim, é curioso que apenas nos últimos tempos tenha surgido o interesse pelo uso deles. Talvez tenham contribuído para esse retardo o temor dos leigos de que um cirurgião assessorado por robô se transforme num autômato. Ou de que, pior dos pesadelos, a máquina possa atuar independente da vontade do cirurgião – como alguns dos arquétipos mencionados.
O impulso inicial para o desenvolvimento do robô cirúrgico ocorreu nos Estados Unidos, durante a primeira Guerra do Golfo. A eventual necessidade de submeter um soldado americano ferido no campo de batalha à operação complexa por um cirurgião especializado, nem sempre disponível no local, estimulou a pesquisa na área. Surgiu, então, a primeira geração de robôs cirúrgicos, que combinavam um mecanismo composto de três ou quatro braços mecânicos, equipados com as mais variadas opções de ópticas binoculares e instrumentos. Uma inovação revolucionária: as extremidades dos braços mecânicos mimetizavam todos os movimentos da mão humana, incluindo a pinça natural dos dedos e a rotação do punho em todas as direções. Esse sofisticado aparelho era operado pelo cirurgião, à distância de poucos metros ou de milhares de quilômetros, ergonomicamente instalado num console com todos os comandos ao alcance das mãos (que controlavam os braços mecânicos) e dos pés (responsáveis por ações como ajustes de imagem e uso de bisturi elétrico).
A imagem tridimensional visualizada pelo cirurgião no console representou mais um formidável progresso em relação às operações endoscópicas e laparoscópicas convencionais. Além disso, por um elaborado sistema óptico, o ponto de vista do cirurgião era transportado, como num passe de mágica, ao interior do paciente, oferecendo tão perfeita visão do campo operatório que compensava a perda do tato, sentido importantíssimo aos especialistas da área.
Entre o final da década de 1990 e o começo do século 21, os robôs cirúrgicos foram aprimorados e passaram a ser utilizados em algumas especialidades, entre elas a Urologia, Cirurgia de Aparelho Digestivo, Cirurgia Cardíaca, Ginecologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço – principalmente nos Estados Unidos. Nos últimos anos, alguns centros especializados começaram a realizar operações robóticas no Brasil.
Cirurgia de laringe realizada com auxílio de robô
Robótica urológica
Quando surgem novas técnicas cirúrgicas, são comuns as resistências à sua implantação e as comparações com os métodos anteriores. Essa discussão é saudável e está ocorrendo atualmente em relação ao uso do robô como facilitador nas cirurgias urológicas por via laparoscópica. O novo equipamento proporciona visão tridimensional, grande magnificação, controle de câmera pelo próprio cirurgião, giro de pulso de 540 graus (uma volta e meia) e eliminação do tremor das mãos. Além disso, a curva de aprendizado é curta. Entre as desvantagens são apontados o alto custo, possíveis falhas de funcionamento durante a cirurgia, maior investimento de tempo e dinheiro no aprendizado da técnica e a baixa disponibilidade de aparelhos.
No entanto, é fato que o robô está transformando o tratamento cirúrgico do câncer de próstata, facilitando a dissecção do feixe vásculo-nervoso e melhorando a qualidade da anastomose vésico-uretral. Também está indicado para a correção das estenoses de junção uretero-piélica, adrenalectomias, nefrectomias parciais, cistoprostatectomias, linfadenectomias e microcirurgia de canal deferente. Na experiência ainda inicial no Brasil, a técnica robótica supera a laparoscópica pura nas reconstruções. Algumas publicações mostram que o acesso robótico é, na pior das hipóteses, comparável à cirurgia aberta, com resultados superiores em alguns casos. Estão entre as vantagens menor sangramento, redução do tempo de internação e, consequentemente, retorno precoce do paciente às atividades habituais. Atualmente, mais de 60% das prostatectomias radicais nos Estados Unidos são feitas com assistência robótica. Novas perspectivas em desenvolvimento incluem a sensação tátil, aparelhos mais leves, fáceis de acoplar e desacoplar ao paciente, maior mobilidade dos braços e redução de custos para possibilitar o uso universal.
Aparelho digestivo
A efetividade e segurança da robótica foram demonstradas em várias publicações sobre procedimentos em cirurgia geral e do aparelho digestivo, com índices de morbidade (<10%) e mortalidade (0-1,8%) aceitáveis, com taxa de conversão para laparoscopia convencional e/ou laparotomia inferior a 5%. O sistema robótico permite procedimentos mais sofisticados e de difícil realização por via laparoscópica convencional, particularmente nos casos oncológicos, facilitando a execução das linfadenectomias. Algumas indicações incluem ressecções colorretais – com preservação de inervação pélvica – e cirurgias para tratamento da obesidade mórbida. Há ainda a possibilidade de utilização híbrida, quando parte das dissecções são efetuadas por via laparoscópica convencional; e a linfadenectomia e a reconstrução, por tecnologia robótica. No entanto, o tempo operatório e os custos são maiores.
Primeira Guerra do Golfo impulsionou a robótica cirúrgica
Em nossa experiência – ainda inicial e limitada a 30 casos até a elaboração deste artigo – não houve morbidade, mortalidade ou necessidade de conversão. Todo o procedimento operatório – principalmente o relacionado à montagem do robô – exigia muito tempo no princípio, mas já atingiu níveis comparáveis com os da literatura internacional. Realizamos os dois primeiros casos bem sucedidos do Hemisfério Sul de gastroduodenopancreatectomia robótica – para abordagem do tumor pancreático. Em ambos, a dissecção foi realizada por via laparoscópica e as reconstruções com o auxílio do robô.
É difícil avaliar a relação custo-benefício do método para cada indicação, mas é possível prognosticar a expansão dos limites de indicação para cirurgias minimamente invasivas. A curva de aprendizado também é curta, mas envolve o treinamento de toda a equipe cirúrgica e de enfermagem.
Cabeça e pescoço
Um dos objetivos da cirurgia oncológica é a completa retirada das neoplasias. Para isso, é essencial a boa e completa visualização da lesão. Entretanto, alguns tumores malignos localizam-se em áreas de difícil acesso cirúrgico. Por exemplo, para a exérese segura de um câncer de amígdala ou de base de língua, pode ser necessária uma mandibulotomia tática. Assim, essa foi uma das primeiras regiões anatômicas que despertou o interesse de alguns grupos norte-americanos, especialmente da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia; da Clínica Mayo, em Rochester; e do MD Anderson Cancer Center, de Houston. Foi, então, criada a sigla TORS (Trans Oral Robotic Surgery) para definir a nova abordagem operatória de câncer da orofaringe. Após estudos experimentais em animais e cadáveres, cerca de 500 casos foram operados com sucesso desde 2005. Desses, aproximadamente 350 na Universidade da Pensilvânia, instituição pioneira na técnica. No Brasil, foram efetuadas até o momento quatro ressecções robóticas de tumores de orofaringe, todas bem-sucedidas.
Alguns cânceres supraglóticos de laringe foram excisados com relativa facilidade. Mas, para a exérese de lesões glóticas, a tecnologia disponível ainda não é a ideal, principalmente em função das dimensões dos braços do robô. A mesma limitação existe para casos de lesões da base do crânio, o que impede sua introdução pela cavidade nasal. Felizmente, novos robôs com braços mais finos estão em desenvolvimento e, certamente, irão expandir sobremaneira as aplicações da cirurgia robótica.
* Claudio Cernea é professor associado de Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Faculdade de Medicina da USP e cirurgião de Cabeça e Pescoço; Antonio Vasconcelos Macedo é cirurgião geral; Vladimir Schraibman é doutor em Medicina pela Unifesp e cirurgião geral; Gustavo Lemos é doutor em Ciências Médicas pela USP e urologista. Os quatro autores integram o corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein.