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CAPA

PONTO DE PARTIDA (SM pág.1)
Editorial de Henrique Carlos Gonçalves aborda conflito de interesses da propaganda na Medicina


ENTREVISTA (SM pág. 4)
Fernando Reinach, premiado pesquisador, fala sobre biodiversidade em entrevista à SM


CRÔNICA (SM pág. 8)
Ignácio de Loyola Brandão descreve - com humor - a visita do médico para uma consulta doméstica...


SINTONIA (SM pág. 10)
A história da evolução do planeta está nas "mãos" dos micro-organismos, segundo o médico infectologista Stefan Ujvari


SOCIAL (SM pág. 15)
O esporte abre as portas para a cidadania e a dignidade de várias crianças e adolescentes carentes da Fundação Casa


CONJUNTURA (SM pág. 18)
Crianças obesas apresentam maiores riscos do excesso de peso também na vida adulta


DEBATE (SM pág. 21)
Paulo Seixas (SES) e Renato Antunes (Ameresp) discutem o papel da Residência Médica no país


SAÚDE (SM pág. 28)
O setor de saúde francês, público e privado, no atendimento da população e no exercício da Medicina


HISTÓRIA (SM pág. 31)
Embora tenha deixado de ser ditadura há quase três décadas, o Brasil não deve esquecer os horrores da época


CULTURA (SM pág. 36)
Doenças e sofrimento moldaram o conjunto da obra do pintor norueguês Edward Munch


HOBBY (SM pág. 40)
As telas do cirurgião Rubens Coelho Machado mostram todo seu talento e paixão também na arte do pincel


TURISMO (SM pág. 43)
Convidamos você a dar uma volta fantástica ao passado, viajando conosco ao sudeste asiático


CARTAS (SM pág. 47)
Acompanhe os comentários dos leitores sobre a edição anterior da Ser Médico


POESIA
Texto de Luís Vaz de Camões encerra esta edição da SM com emoção e realismo


GALERIA DE FOTOS


Edição 47 - Abril/Maio/Junho de 2009

CULTURA (SM pág. 36)

Doenças e sofrimento moldaram o conjunto da obra do pintor norueguês Edward Munch

Os gritos de Munch


Autorretrato com cigarro queimando
(1895, óleo s/tela, 110,5 x 85,5 cm - Galeria Nacional, Oslo)

Por José Marques Filho

Aristóteles se questionava: por que todos os homens notáveis da filosofia, poesia ou artes eram melancólicos? A genialidade de alguns pintores parece alcançar maior expressão nos momentos mais dolorosos de suas vidas, entre eles Van Gogh, Frida Kahlo, Toulouse Lautrec e Pablo Picasso. Talvez o exemplo mais emblemático seja o do pintor norueguês Edward Munch (1863-1944), cuja obra pode ser melhor interpretada à luz de sua biografia. Ele demonstrava consciência dessa situação: “prefiro continuar sofrendo desses males porque são parte de mim e de minha arte”.

Embora descendente de uma tradicional família da Noruega, que incluía clérigos em altas posições, intelectuais e artistas, o pai de Munch, um cirurgião militar, tinha poucos recursos financeiros. A infância do pintor foi marcada pela depressão do pai e pelas doenças e mortes da mãe e da irmã, além de sua própria saúde frágil.


Morte no quarto da doente
(1895, óleo s/tela, 59 x 66 cm - Galeria Nacional, Oslo)

Em Oslo, Munch inicialmente aprendeu um estilo naturalista. Na ausência de uma academia norueguesa das artes, sua formação foi substituída pelo autoestudo, sob orientação de um artista mais experiente. Quando jovem, Munch formulou um tipo de manifesto para ser seguido por ele e seus companheiros: “Queremos mais do que uma mera fotografia da natureza. Não queremos pintar quadros bonitos para serem pendurados nas paredes das salas de visitas. Queremos criar uma arte que dê algo à humanidade ou ao menos assentar suas fundações. Uma arte que atraia a atenção e absorva. Uma arte criada no âmago do coração”.

Munch, no entanto, foi o único artista norueguês de sua geração a seguir esse lema, fazendo parte da corrente de artistas como Michelangelo, Rembrandt, Manet, Van Gogh e Gauguin, que enfatizaram o aspecto humano da arte como um compromisso pessoal e intelectual. Uma citação de seu diário corrobora essa tese: “Não devemos pintar interiores com pessoas lendo e mulheres tricotando; devemos pintar pessoas que vivem, respiram, sentem, sofrem e amam”.


A mãe morta e a criança
(1897-1899, óleo s/tela, 105 x 178,5 cm - Galeria Nacional, Oslo)

Graças à ajuda financeira de seu rico companheiro e parente distante, Fritz Thaulow, Munch visitou salões de arte na Bélgica e França, em 1885. Depois dessa viagem, sua pintura absorveu as tendências da arte parisiense de então. Algumas críticas publicadas na época o classificaram como “o pintor das coisas feias”; e que seu trabalho era “o extremo do impressionismo, a imagem da arte de dentro para fora”. Embora tenha obtido cedo reconhecimento como o artista mais talentoso de sua geração, ele não buscava o sucesso, sua ambição maior era compreender a comunicação existencial por meio da arte. Munch influenciou artistas norte-europeus, principalmente os expressionistas alemães. Passou um longo período nesse país, onde produziu retratos monumentais, em tamanho natural, em cores vibrantes e fortes – entre elas, uma agressiva série sobre o amor.

As doenças e o sofrimento moldaram fortemente a arte de Munch. Dependente de bebidas alcoólicas e paranoico, durante toda a vida ele foi acometido por crises psiquiátricas, com algumas internações. Mas a doença que mais o marcou foi a tuberculose pulmonar, que matou sua irmã Sophie quando ela tinha apenas 15 anos e ele, 14. A mãe também morreu de tuberculose, quando Munch tinha cinco anos.


A criança doente
(1896, óleo s/tela, 121,5 x 118,5 cm - Galeria Nacional, Oslo)

Uma das primeiras obras que expressa o sofrimento de Munch com a morte de Sophie é A criança doente, de 1886. O quadro provocou discussões quando foi apresentado na Exposição de Artes de Oslo, pois mais parecia um esboço do que uma obra concluída.

O grande travesseiro branco que aparece na tela, repete uma pintura de seu mestre, Christian Krohg, o mais importante artista norueguês antes de Munch. A obra de Krohg também era uma expressão da morte de sua irmã.

Em 1889, Munch concluiu A primavera, que também remete à doença de Sophie. Outros representativos das situações dolorosas foram a Morte no quarto da doente, de 1895, e A mãe morta e a criança, de 1900, no qual Sophie aparece em primeiro plano, perto da cama, tapando os ouvidos com as mãos para não ouvir o grito silencioso da morte que a chama. 


O Grito (1893, óleo s/tela, 91 x 73,5cm - Galeria Nacional, Oslo) e Madonna (1894-95, óleo s/tela, 91 x 70,5cm - Galeria Nacional, Oslo)

Esse gesto da irmã seria repetido em O grito, série de telas consideradas como as mais importantes do movimento expressionista. O quadro tem cerca de 50 versões, pois ele tinha mania de pintar a mesma cena várias vezes. A mais famosa está na Galeria Nacional de Oslo – roubada em 1994 e felizmente recuperada pouco tempo depois.

O grito representa uma figura andrógena num momento de profunda angústia e desespero. O pano de fundo é a doca de Oslofjord, em Oslo, ao pôr-do-sol. O pânico sentido pelo artista teria ocorrido em 26 de agosto de 1883. Nesse dia, um grande tsunami tirou do mapa a ilha vulcânica de Krakatoa, em Java, na Indonésia. A explosão de lava vulcânica colidindo com imensas ondas pôde ser sentida em várias partes do mundo. O pintor, que passava com seus amigos na zona portuária, escreveu em seu diário: “De repente, tudo ficou vermelho e uma profunda melancolia e tensão se apossou de mim. Meus amigos foram embora e eu fiquei só, trêmulo e ansioso, como se tivesse ouvido um grito cortante e interminável atravessando a natureza”.

Ao pintar O grito pela primeira vez, em 1883, ele expressou o inferno interior e o mal-estar que a loucura lhe causava, afirma o médico Armando Bezerra, autor do livro As belas artes da Medicina. Em 1880, o pintor ficou internado durante dois meses em Le Havre, na França, para “tratamento nervoso”. Tratou-se também na Suíça e em outros centros médicos, sendo diagnosticado, à época, como portador de “grave neurastenia”. Sabe-se hoje que Munch sofria de doença bipolar, mesmo diagnóstico de sua irmã mais nova. A relação entre criatividade e doença bipolar é bem reconhecida atualmente, com extenso rol de artistas portadores.

Nas últimas décadas de vida, Munch produziu uma série de autorretratos em que esboçou os efeitos do tempo sobre si mesmo, suas mudanças físicas e mentais frente à morte que se aproximava. O grande expressionista parou de pintar em 1936 devido a uma grave doença ocular. Perto de morrer, Munch escreveu: “A vida representa uma vitória temporária sobre a força da gravidade; mantemo-nos erguidos de pé, mas um dia temos de nos deitar para morrer”.

* José Marques Filho é  reumatologista e conselheiro do Cremesp

Fontes e referências bibliográficas na pág. 47.


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