CAPA
EDITORIAL
Nesta edição, um grande debate sobre a propaganda de medicamentos de venda livre
ENTREVISTA
Polêmico e verdadeiro, o cineasta Ugo Georgetti fala sobre futebol. Imperdível!
CRÔNICA
Pasquale Cipro Neto: texto sempre bem-humorado e incontestável quando o foco é nosso idioma...
CONJUNTURA
Telemonitoração, Telehomecare, Telecirurgia Robótica. A Medicina Digital já é realidade
MEIO AMBIENTE
Edwal Campos Rodrigues, infectologista, alerta p/a necessidade de normatização na fiscalização de resíduos hospitalares
SINTONIA
Conheça um pouco da vida de Camilo Salgado, cultuado como santo popular no Pará
DEBATE
Debate sobre a propaganda de medicamentos: Sim ou Não?
HISTÓRIA DA MEDICINA
Hospital Santa Catarina: dedicação e perseverança desde sua fundação, em 1906
GOURMET
Não duvide: tem médico à frente de tradicional padaria no Bixiga...
EM FOCO
Vamos rodar pela Transamazônica numa expedição dedicada à saúde?
ACONTECE
Uma visita educativa - virtual - ao Museu da Língua Portuguesa
CULTURA
José Bertagnon: médico pediatra e artista premiado internacionalmente
TURISMO - CHILE
Viaje conosco até o Chile e conheça Puerto Williams e Porvenir. Inesquecíveis!
CARTAS & NOTAS
Pesquisa Datafolha mostra que a Ser Médico tem 100% de aprovação
LIVRO DE CABECEIRA
Sugestão de leitura para quem gosta de histórias de terror realista: Colapso...
POESIA
A poesia "Civilização Ocidental", de Agostinho Neto, finaliza com brilho esta edição
GALERIA DE FOTOS
DEBATE
Debate sobre a propaganda de medicamentos: Sim ou Não?
A propaganda de medicamentos deve ser proibida?
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa, pretende alterar a regulamentação da propaganda de medicamentos no Brasil, regida pela Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 102, de 2000. Para isso, elaborou uma proposta que foi submetida à consulta pública (nº 84/2005) entre novembro e março últimos. Os maiores problemas hoje verificados no setor estão relacionados à publicidade de medicamentos sem exigência de prescrição médica, chamados de venda livre. Em sua proposta, a Anvisa mantém a propaganda para esses medicamentos, embora modifique os critérios de regulamentação. A questão vem gerando polêmica.
Nesta edição, Ser Médico apresenta dois artigos sobre o assunto. O primeiro é assinado por Paulo Roberto Teixeira, da Coordenação de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. “O artigo é fruto da compilação de propostas encaminhadas à Anvisa pela Secretaria de Estado, a propósito da consulta pública e do texto de apoio sobre o tema elaborado com a participação de diversos órgãos inclusive o Cremesp, sob a coordenação do Instituto de Saúde e do Centro de Vigilância Sanitária. O segundo é de autoria de Franklin Rubinstein, diretor da Anvisa e presidente da Câmara Setorial de Propaganda e Publicidade de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária, do mesmo órgão. Rubinstein ajudou a elaborar a nova proposta de regulamentação. A seguir, confira as posições de ambos:
EM TERMOS...
A discussão acerca da propaganda de medicamentos cresceu vertiginosamente nos últimos cinco anos, tanto no meio acadêmico quanto na sociedade em geral. Este fato coincide com a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa – em 1999 e com a posterior criação de uma gerência específica para tratar de propaganda de produtos sujeitos à vigilância sanitária. Em 2000, foi publicado o primeiro instrumento eficaz para regulamentar, monitorar e fiscalizar as ações envolvidas na promoção de medicamentos - a Resolução da Diretoria Colegiada RDC 102.
Esta resolução foi construída a partir de intensa parti-cipação de vários atores sociais envolvidos na questão da propaganda de medicamentos; estabelece critérios pa-ra a promoção de medicamentos de venda livre e para os de venda sob prescrição. A principal diferença entre a propaganda dos dois tipos de medicamentos está na permissão da propaganda de medicamentos de venda livre para o público em geral. Isso devido à observação de que o risco implícito no consumo de medicamentos de venda livre pode ser praticamente eliminado, desde que consumido de maneira consciente e responsável.
Esta é a grande questão quando se trata da propaganda de medicamentos desta categoria: como estabelecer critérios que assegurem à população informação e instrumentos suficientes para uma análise crítica e uma escolha responsável?
Atualmente, a discussão da propaganda caminha junto à política do uso racional de medicamentos, preconizada pela Organização Mundial de Saúde e acatada pela Política Nacional de Medicamentos do Ministério da Saúde, de 1998. Tal diretriz estabelece que especial ênfase deve ser dirigida ao processo educativo dos usuários acerca dos riscos da automedicação e indica a adequação das propagandas de produtos farmacêuticos aos preceitos legais vigentes, bem como aos padrões éticos aceitos internacionalmente.
De acordo com os critérios éticos para promoção de medicamentos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde – OMS, em 1988, toda forma de promoção de medicamentos deve ser confiável, verdadeira, informativa, atualizada, balanceada na divulgação de riscos e benefícios, com informações passíveis de serem comprovadas cientificamente e de bom gosto.
A atual regulamentação (RDC 102/2000) prevê a inserção de uma série de informações na propaganda de medicamentos que, de acordo com dados da Anvisa, contribuíram para a melhoria da qualidade das propagandas. Entretanto, ainda há fortes evidências de que os preceitos éticos, em parte significativa das propagandas de medicamentos, continuam sendo preteridos em benefício de preceitos mercadológicos. Tal evidência demonstra a necessidade de o Estado continuar atento à regulamentação das propagandas de medicamentos, observando as mudanças socioculturais e a conseqüente necessidade de sua reformulação e atualização.
Entre novembro de 2005 e março de 2006, foi aberta consulta pública para o recebimento de contribuições para nova regulamentação que irá substituir a RDC 102. Apesar de ainda não estar consolidada, é previsto que haja grande número de contribuições no sentido de se proibir toda e qualquer propaganda de medicamentos de venda sem exigência de prescrição para o público em geral. Entretanto, há que se observar que determinações desta abrangência devem ser embasadas por requerimento social, amplamente debatidas na sociedade e no Congresso Nacional para que possam ser asseguradas por lei.
* Franklin Rubinstein é diretor da Anvisa e presidente da Câmara Setorial de Propaganda e Publicidade de Produtos sujeitos à Vigilância Sanitária da Anvisa.
SIM...
A Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, depois de consultas internas e a órgãos envolvidos no tema no Estado, decidiu encaminhar as seguintes propostas referentes à Consulta Pública nº 84/2005 da Anvisa, no que diz respeito à regulação da publicidade de medicamentos sem exigência de prescrição (chamados de venda livre):
1 – Proibir totalmente a propaganda de medicamentos de venda livre nos meios de comunicação;
2 – Substituir, nas bulas dos produtos, a frase “Persistindo os sintomas, o médico deverá ser consultado”, pela advertência “Antes de usar este produto, consulte um médico ou um farmacêutico”;
3 – Proibir estratégias de promoção que possam induzir ao uso de medicamentos, tais como prêmios, brindes ou qualquer outra vantagem para o consumidor;
4 - Proibir a prática de distribuição de amostras gratuitas aos prescritores, com o único intuito de demonstrar o produto, no período de lançamento no mercado.
Dessa maneira, as informações sobre o produto se restringiriam àquelas contidas em embalagens e bulas, de acordo com normas de regulação específica, e às orientações prestadas por profissionais de saúde, em especial farmacêuticos. Embora o país ainda careça de sistema efetivo de farmacovigilância, são muitos os estudos que demonstram o dano em potência da propaganda de produtos farmacêuticos de dispensa sem exigência de prescrição nos meios de comunicação em geral (1,2,3).
Esses estudos demonstram que a propaganda induz ao autotratamento, prática incompatível com o seu uso racional e seguro, como recomendado pela Organização Mundial da Saúde. Para a moderna saúde pública, ou saúde coletiva, que atua com base no conceito de risco sanitário e de como preveni-lo, não é possível admitir a propaganda de produtos farmacêuticos nos meios de comunicação em geral, pelo simples fato de que não representam um produto qualquer de consumo, pois sempre encerram riscos e assim exigem orientação profissional para serem utilizados. É o procedimento comum na maioria dos países desenvolvidos onde há regulação eficiente, sistema aperfeiçoado de farmacovigilância e participação ativa do farmacêutico em todas as circunstâncias.
No país, é evidente o conflito entre os veículos de comunicação, agências de publicidade e produtores farma-cêuticos, de um lado, e do outro as instâncias de regulação pública (federal, estaduais e municipais).
Os primeiros argumentam, com freqüência, que a Cons-tituição Federal ampara a livre manifestação do pensamento (artigo 5, IV) e, portanto, não admitem qualquer tipo de controle sobre a propaganda de produtos de interesse para a saúde, mas ignoram deliberadamente o artigo 220, § 4, que estabelece a sujeição da propaganda comercial de medicamentos, terapias e outros a restrições legais. Infelizmente, há consenso de que a RDC nº 102/2000, da Anvisa – depois de cinco anos de vigência – revelou-se ineficaz para o controle da propaganda de produtos farmacêuticos isentos de prescrição. Especialistas no assunto são unânimes ao afirmar que o modelo de regulação atual não produz nenhum benefício para a população. Também resultaram inócuas as exigências anteriores à Lei Federal nº 9.294, de 1996, que dispõe sobre restrições ao uso, conforme o parágrafo 4 do artigo 220 da Constituição Federal. Daí a necessidade urgente de modificações.
A proposta da Consulta Pública nº 84, no entanto, não difere da norma vigente e não considera a resolução aprovada na primeira Conferência Nacional de Vigilância Sanitária realizada em Brasília, de 26 a 30 de novembro de 2001, que deliberou pela “proibição da propaganda de medicamentos em todos os meios de comunicação (item 43 do relatório final). Tampouco atende disposições do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de l990), particularmente o artigo 6, inciso III, que exige a enunciação minciosa de indicações de uso, contra-indicações e advertências, de difícil conformação em peça publicitária, do modo como são correntemente realizadas. À título de ilustração, veja-se o intenso debate e o inconformismo dos profissionais de saúde e consumidores diante da advertência que tem origem na Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996 –“A persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”.
Trata-se, dizem muitos, de total contra-senso, e outros a vêem até como motivo de galhofa. É indispensável, portanto, que se reafirme e se tenha consciência, nesse debate, da função básica do poder pú-blico de regulação, qual seja, a de proteger a saúde da população. Para tanto, não há outro caminho que não seja a completa proibição.
* Paulo Roberto Teixeira é assistente técnico da Coordenação de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Referências bibliográficas à pág. 47 “Estudos demonstram que a propaganda induz ao auto- tratamento, prática incompatível com o seu uso racional e seguro”