PESQUISA  
 
Nesta Edição
Todas as edições


CAPA

PONTO DE PARTIDA
Entre os temas desta edição, detaca-se um debate sobre alimentos transgênicos


ENTREVISTA
Norman Gall: "O Brasil tolera muito a bagunça nas instituições públicas"


CRÔNICA
Uso subcutâneo, intramuscular, tópico...


BIOÉTICA
Medicina Fetal - Muito além do binômio


SINTONIA
Ressonância: Prêmio Nobel Magnetizado


DEBATE
Alimentos Transgênicos


450 anos de São Paulo
Pelas Ruas da Cidade


CONJUNTURA
Crianças trabalhadoras. Adultos desempregados


COM A PALAVRA
Duas Guerras


HISTÓRIA DA MEDICINA
O Código Sanitário de 1918 e a Gripe Espanhola


MÉDICO EM FOCO
Navegar é preciso


LIVRO DE CABECEIRA
Proust não é tempo perdido


CARTAS E NOTAS
Dr. Manoel (Dias) de Abreu e Dr. (Manoel de Abreu) Campanario


POESIA
Carlos Drumond de Andrade


GALERIA DE FOTOS


Edição 26 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2004

DEBATE

Alimentos Transgênicos

Os alimentos transgênicos estão na pauta do dia. A técnica é nova e a sociedade desconhece o assunto. A produção de soja transgênica suscitou discussões no Brasil, mas em muitos países já se utiliza esse tipo de tecnologia. As conseqüências à saúde dos seres humanos e à biodiversidade são o foco das preocupações em relação a esses alimentos. Os médicos também são questionados pelos pacientes a respeito dos riscos. Nesta edição, Ser Médico reúne o Ph.D. em Agronomia e professor titular de Genética da Esalq/USP, Ernesto Paterniani e o diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e também professor titular da Esalq/USP, o geneticista Paulo Yoshio Kageyama, para esclarecer alguns pontos a respeito da produção, riscos, tecnologia e uso da transgenia nesse debate mediado pelo conselheiro Renato Françoso Filho.

RENATO FRANÇOSO. O debate sobre transgênicos é  importante  à sociedade e, especialmente, à classe médica. Precisamos conhecer o assunto para desenvolver nossos conceitos e transmitir essas informações aos pacientes. Por essa razão, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo resolveu convidá-los para este debate. Primeiramente, como são obtidos os alimentos transgênicos?

ERNESTO PATERNIANI. A transgenia é conseqüência dos conhecimentos que a genética adquiriu no século passado, especialmente depois da descoberta da estrutura do DNA, que é a base molecular da herança genética. A partir daí, verificou-se que o código genético é universal, igual para todos os seres vivos. Ele funciona da mesma maneira para uma bactéria, um inseto, mamíferos, peixes e, inclusive, para a espécie humana. Esse código é determinado em função da seqüência de apenas quatro letras, que são as bases nitrogenadas do DNA ? adenina, timina, citosina e guanina ? representadas pelas iniciais ATCG. Se inserirmos uma palavra em português num texto em inglês, não fará sentido porque são códigos diferentes. Já o código genético é universal. Essa é a propriedade fundamental da transgenia. Se um gene de uma espécie que produz uma determinada proteína for transferido para outra, fará na segunda o mesmo que fazia na primeira.

FRANÇOSO. Por que os transgênicos geram tanta discussão, com correntes favoráveis e outras reticentes?

KAGEYAMA. Por ser uma técnica nova e desconhecida, existem dúvidas, apesar de que alguns consideram que se conhece muito sobre genética. Acreditou-se, por exemplo, que, conhecendo o genoma humano, a seqüência dessas quatro letrinhas, se saberia o que era o gene. No entanto, por milhões de anos, desde as bactérias no início da vida até chegar aos seres mais complexos, como o homem ou  símios, o processo de evolução foi se concretizando nessa estrutura. Alguns pensam que é simplesmente pegar um gene de uma bactéria aqui e colocar lá, porque funciona exatamente igual, mas não sabemos quais são as conseqüências.

FRANÇOSO. Como essa transgenia está sendo empregada no melhoramento de plantas?

PATERNIANI. No melhoramento convencional, procura-se aproveitar a variabilidade genética dentro da mesma espécie, cruzando milho com milho, soja com soja, arroz com arroz etc. Mas há interesse em características que não existem na mesma espécie, por exemplo, para obter um milho resistente à uma lagarta. Se encontro um gene que produz uma toxina contra a lagarta numa bactéria que vive no solo, ele pode ser transferido para o milho, que, então, ficará resistente à lagarta.

FRANÇOSO. professor Kageyama, o senhor é contrário à utilização dessa tecnologia?

KAGEYAMA. A biotecnologia não está em discussão. O que está em discussão é a biosegurança. Não negamos a tecnologia, ao contrário. Sendo eu um geneticista, seria absurdo ser contra a tecnologia. Mas indústrias querem lançar algo no mercado rapidamente, ganhando em competitividade. Em vários momentos, apareceram manifestações que não se conheciam nestas plantas. Em quê a decomposição de uma planta transgênica pode afetar a microbiótica do solo? E o fluxo gênico de uma planta para outra? Se este gene escapar da natureza, pode afetar os organismos do solo, plantas e animais? Somos o país mais rico do mundo em biodiversidade, temos de seguir o princípio da precaução.

PATERNIANI. O fluxo gênico não começou com a transgenia. Há milhares de anos as plantas cruzam umas com as outras, mas fala-se muito em fluxo gênico depois dos transgênicos. O milho, por exemplo, cruza com milho. Para preservar uma variedade crioula, o agricultor tem de mantê-la isolada. Se plantar uma espécie ao lado de outra, seja transgênica, híbrida ou comum, pode perdê-las. O fato de um gene passar para outra espécie, não quer dizer que acarretará um desastre. O importante é a dinâmica do gene na população e para isso existem estudos. Existem vários fatores de seleção que fazem com que um gene permaneça ou desapareça na população. O fluxo gênico vem ocorrendo há muito tempo e tem sido benéfico.

KAGEYAMA. É lógico que sempre existiu o fluxo gênico. Mas as espécies trocam genes de forma, digamos, normal, entre espécies muito próximas ou semelhantes, do mesmo gene, da mesma família, no máximo. Introduzir um gene de um organismo de uma espécie em outra é algo novo.

FRANÇOSO. O milho, algodão e soja transgênicos introduzem gene de uma espécie em outras?

PATERNIANI. Hoje existem dezenas de plantas como o trigo, arroz, feijão, mamão, batatinha, inclusive flores. A transgenia permite aproveitar toda a variedade genética existente na natureza. Por razões técnicas, explora-se mais a genética das bactérias, que têm um DNA mais simples e fácil de ser manipulado. Quando se fala em bactéria, as pessoas pensam nas patogênicas, que representam apenas 3% de todas as conhecidas. Mas 97% delas são benéficas e produzem nitrogênio para as plantas, fazem a decomposição dos materiais, sínteses de proteínas e tudo mais. A vida humana não seria possível sem as bactérias.

FRANÇOSO. O senhor diz que não há controle sobre a reprodução destes organismos trangênicos e que desconhecemos as conseqüências destes  eventos? 

KAGEYAMA. Por exemplo, o algodão Bt, é um algodão inseticida. Bt é um gene de uma bactéria inseticida que foi colocado no algodão e no milho. O Brasil é um centro de origem do algodão. Do Norte de Minas até o Nordeste há algodão no fundo das casas, usado como planta medicinal além de tecido. Houve uma tentativa de se introduzir o algodão Bt no Brasil. Eu fui contra. Com relação ao milho, igualmente. Temos centenas de variedades cultivadas por pequenos produtores. O grande problema é a passagem do gene para a natureza ou a perda de controle.

PATERNIANI. O milho Bt tem uma toxina, que é uma proteína obtida da bactéria bacillus thuringiensis. Esse milho foi testado com relação à toxidade. Verificou-se que só é tóxica só para um grupo insetos da ordem lepidóptera, mostrando-se totalmente inócua para os demais insetos e animais. Em ratos, por exemplo, isola-se a toxina/proteína, dando uma dose equivalente a 100 quilos de milho durante três ou quatro meses. E um rato não pode comer 100 quilos de milho por dia. Depois de sacrificadas, as cobaias também são analisadas. Para verificar o consumo humano, esse milho é colocado em tubo de ensaio com suco gástrico humano para ser digerido. Os resultados indicam que os produtos da digestão são idênticos nos dois casos.

KAGEYAMA. O fato de cientistas e a sociedade estarem divididos, é porque a dúvida existe. O geneticista que usa essa tecnologia muitas vezes tem dúvidas, tanto quanto à saúde humana quanto à  biodiversidade. E isso se transportou para a sociedade.

PATERNIANI. Quem mais se preocupa com a manutenção da biodiversidade são os geneticistas, que desenvolveram os Bancos de Germoplasma. No caso do Brasil, a Embrapa tem armazenadas no Cenagem???Centro de Recursos Genéticos???todas as variedades silvestres de algodão, milho etc. Seria arriscado esperar que plantas mantidas no campo por agricultores, permanecessem disponíveis por centenas ou milhares de anos.  A maior garantia é a preservação nos Bancos Germoplasma. Eu participei da coleta de milhos em vários Estados do Brasil e em outros países.

KAGEYAMA. Não concordo que o Banco de Germoplasmas resolve tudo. Podemos guardar alguns produtos na geladeira, mas a melhor forma de se conservar é in situ.

PATERNIANI. Concordo que se deve manter germoplasma tanto em Banco como in situ. Mas é arriscado confiar na manutenção de germoplasma in situ. Uma tribo de índios do Brasil Central perdeu uma variedade de milho que cultivava. A Embrapa deu a eles a semente que tinha guardada no Banco de Germoplasma.

FRANÇOSO. Quais produtos comemos no dia a dia que são transgênicos?

PATERNIANI. O trigo do pão que comemos é resultado do cruzamento de três espécies. Misturamos mais ou menos 20 ou 30 mil genes de cada uma. Também existe uma nova espécie que é o triticale, resultado do cruzamento do trigo com centeio. Aí, combinamos cerca de 25 mil genes do centeio com uns 30 ou 40 mil do trigo, resultando numa variedade mais resistente e utilizada amplamente. O morango que comemos é resultado do cruzamento de uma espécie dos Estados Unidos com outra da América do Sul. São exemplos de amplas misturas de genes que são benéficas.

FRANÇOSO. No tomate, por exemplo, conseguiu-se uma maior durabilidade com a transgenia?

PATERNIANI. Essa maior durabilidade conseguiu-se tanto por métodos convencionais, como por transgenia. O cruzamento não é intrinsecamente do mal. Claro que em todas essas manipulações podem aparecer problemas e defeitos. Mas o geneticista não faz a manipulação hoje e amanhã divulga. Não existe nenhuma tecnologia em que exista mais precaução e avaliação mais rigorosa do que a dos transgênicos. É de tal ordem que se os produtos que estão nos supermercados fossem avaliados com o rigor dos transgênicos, muitos não seriam aprovados.

FRANÇOSO. Há algum relato de efeitos deletérios à saúde humana causado por alimentos transgênicos?

KAGEYAMA. Apesar de se dizer que os testes são muito rigorosos e que milhões de pessoas estão consumindo, a maioria da soja transgênica e de outros produtos adquiridos em grande escala, é comida por animais. Os povos orientais, que consomem shoyo e tofu à base de soja, não usam transgênicos. Por isso, o Brasil é considerado um líder de mercado importante. Aliás, o Brasil, com pouca soja trangênica, ultrapassou os  Estados Unidos com relação às exportações. Há o medo de que o Brasil, com a soja tradicional, ultrapasse certos mercados transgênicos.

PATERNIANI. O Brasil é muito eficiente tanto com soja transgênica como a convencional. Uma tonelada de soja custa para o agricultor americano 200 dólares e para o brasileiro, 100, a metade. Se  ele usar uma tecnologia que reduza ainda mais esse valor, aumenta a competitividade.

KAGEYAMA. Além disso, grande parte dos transgênicos, na maioria dos países, não é rotulado. Então, não é possível acompanhar, rastrear. Não há nenhum caso porque não sabemos se as alergias são devidas a isso ou não. Os testes não são rigorosos, são de curta duração, com animais ou em laboratório. Na Inglaterra, fizeram estudos com três espécies muito utilizadas. Essa, sim, foi  rigorosa, com cerca 60 a 70 ensaios por espécie. Verificou-se que havia influência no ambiente em que as espécies estavam sendo cultivadas. Um estudo de solo para a colza - comparando a cultura tradicional com a transgênica - mostrou que houve redução significativa na biodiversidade. 

PATERNIANI. Esse trabalho na Inglaterra está sendo contestado, não porque produziu resultados conflitantes, mas porque não deu pleno resultado nas três espécies.Verificou-se que as plantas resistentes à herbicida, têm menos ervas daninhas, o que significa que têm menos insetos se alimentando dessas ervas. Tenho aqui um trabalho intitulado: "A Inglaterra diz que os agricultores precisam produzir mais ervas daninhas e menos alimentos". Isso é contra a agricultura. Você não pode ter uma variedade com uma característica diferente, esperando que não haja nada.

FRANÇOSO. A detentora da patente da tecnologia da soja transgênica diz que seu produto diminui o consumo de defensivos agrícolas porque adquirem maior resistência a pragas, aumentando a produtividade. Essa economia não deve ser considerada nessa análise?

KAGEYAMA. A soja trangênica só é resistente à herbicida. Como ela é resistente, usaram mais herbicida, contaminando o solo, a água, coisas preciosas. Principalmente para o pequeno  produtor, a soja trangênica é uma tecnologia imprudente. O grande agricultor passa herbicida por avião, promovendo o desvio para a plantação ao lado, que não é transgênica. No Rio Grande do Sul, o herbicida desviado sobre pequenas plantações de soja prejudicou muitos agricultores.

FRANÇOSO. Com todas essas colocações negativas, qual é a  vantagem da soja trangênica?

PATERNIANI. Sabe por quê se gasta mais em glifosato? Quando se planta soja convencional, tem de usar um coquetel de  herbicidas. Com a planta transgênica basta usar só o glifosato, que é o herbicida menos tóxico de todos, degradável rapidamente no solo, não absorvido pela raiz, só pela folha. Claro que aumentou o uso de glifosato. A não ser que a pessoa esteja preocupada porque diminuiu a das outras marcas, mas o agricultor não está interessado nisso. O agricultor vai plantar se convém.  Tenho um depoimento de uma pessoa do PT, que foi junto com o Paulo Pimenta, fazer uma visita ao Rio Grande do Sul, segundo a qual pequenos mamíferos, aves e peixes nas redondezas da produção de soja têm voltado a aparecer. Há melhoras com relação à biodiversidade. Acho que as pessoas deveriam ir lá para ver o que está acontecendo. 

KAGEYAMA. Por quê não querem fazer testes de biossegurança adequados? Para alegar a introdução da soja transgênica no Brasil, apresentaram testes feitos nos Estados Unidos. É lógico que não podemos aceitar. O Brasil é um país tropical, com biodiversidade maior que a de países temperados, como os Estados Unidos. Nós, do Governo somos favoráveis a testes seguros, que nunca se quis fazer, para, inclusive adotar a rotulagem.

FRANÇOSO. Além da rotulagem, o que mais faltaria para que o governo brasileiro aceitasse os transgênicos?

KAGEYAMA. A rotulagem é muito importante, para  o controle a longo prazo, pois os testes de laboratório, com animais, são insuficientes para isso. É preciso um Projeto de Lei, baseado na representatividade da sociedade que consome e tem direito a saber o que pega na prateleira. Que haja transparência, porque ainda não se entende o que é um transgênico.

PATERNIANI. Esses produtos são consumidos por milhões de pessoas nos últimos sete anos no mundo inteiro. E até hoje não existe um único caso registrado de qualquer efeito prejudicial à saúde. A avaliação é rigorosa. Por exemplo, o nosso feijão é deficiente em metionina, um aminoácido essencial. Isolou-se o gene da castanha do Pará, responsável pela metionina e colocou-se no feijão, para que o produto se tornasse mais nutritivo. Depois disso, soube-se que existem pessoas alérgicas à castanha do Pará. Essa pesquisa foi paralisada. Agora, mais precaução do que essa é simplesmente paralisar tudo.

KAGEYAMA. Se fosse inquestionável, não haveria tanta discussão. Os cientistas estão divididos e a sociedade muito mais. Por exemplo, a preservação de espécies vem sendo ameaçada pelo uso da tecnologia. Dizendo-se preocupados com a questão do fluxo gênico, estão produzindo uma planta não se reproduz mais.

FRANÇOSO. É como esterilizar a planta para controlar sua reprodução?

PATERNIANI. O terminator não é devido um gene só, são três, que fazem com que a semente não germine. Mas ninguém mais está interessado nele, está fora de cogitação. Foi uma descoberta da empresa Delta Pine, dos Estados Unidos, que faz melhoramento de algodão. Embora seja um assunto interessante do ponto de vista genético, que pode até ajudar a impedir o fluxo gênico, está fora de cogitação. Não vejo nenhum sentido em voltar a mencioná-lo.

FRANÇOSO. O senhor já se sentiria seguro para utilizar os transgênicos, sem preocupação?

PATERNIANI. Não só eu como praticamente todos os geneticistas. Os geneticistas mesmo, praticamente 100% estão tranqüilos. No caso da soja transgênica, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biosegurança) fez um parecer aprovando-a, apresentando na literatura as razões para dizer que não há risco. Apesar disso, também queria fazer monitoramento comercial durante cinco anos. O projeto está pronto e seria feito às expensas da Monsanto, com pesquisadores estranhos à Monsanto e à CTNBio. Só não foi feito porque uma liminar na justiça proibiu essa comercialização. É um projeto detalhado, que avaliaria várias coisas. Algum dia isto será feito. Tudo bem que a sociedade deve ser informada. O problema é que ela foi extremamente desinformada, algumas organizações se preocuparam somente em divulgar informações falsas.

FRANÇOSO. Com que interesses estas organizações  insistem na desinformação  dificultando a liberação e desenvolvimento da tecnologia da transgenia?

PATERNIANI. Esses transgênicos, principalmente a soja e o milho, tornam dispensáveis o uso de agroquímicos. A Argentina, país em que 100% da soja é transgênica e mais de 50%  do milho é Bt, reduziu em 500 milhões de dólares por ano o gasto em agroquímicos. Mas milhares de folhetos divulgados em supermercados dizem que estão envenenando seu alimento, combinando milho com bactéria, soja com escorpião etc. Sabe-se que todas as empresas do mundo que produzem agroquímicos estão no vermelho.

KAGEYAMA. Os cientistas não estão unânimes. Sou geneticista molecular, trabalho exatamente nisso, tenho críticas e dúvidas, como muitos outros. Agora, se as agências financiadoras começam a incentivar um lado da moeda, é lógico que o geneticista preocupado com o financiamento de sua pesquisa procure  defender o seu laboratório. Às vezes, ele pode ser crítico, mas tem de preocupar-se com seu laboratório que é financiado por empresas. Os geneticistas que são críticos ou que pensam no aspecto social da pesquisa se preocupam.

PATERNIANI. Dá a impressão que tenho interesse na defesa dos transgênicos, porque preciso de financiamento para fazer pesquisa. Estou aposentado há 20 anos e não faço mais pesquisa. Não tenho vínculo funcional com nenhuma instituição, nem pública nem privada. Se o Brasil aprovar ou proibir os transgênicos, a minha vida não vai mudar em nada, não vou ganhar nem perder um centavo. Estou defendendo a ciência que aprendi ao longo da vida, por princípios, simplesmente.

FRANÇOSO. Esses princípios consideram os riscos?

PATERNIANI. Pelo princípio da precaução, a Índia proibia os transgênicos, como no Brasil, mas permitia a pesquisa. Até que, no ano passado, houve um ataque violento de lagarta com prejuízos enormes para os agricultores que plantavam algodão convencional. Muitos agricultores se suicidaram. Os únicos que tiveram sucesso foram aqueles que ilegalmente plantaram o Bt. Isso fez com que o presidente da Índia aprovasse os transgênicos. É um caso de risco contrário. O princípio da precaução dá a idéia de que deve ter risco igual a zero. Não existe nada que tenha risco igual a zero. O que é preciso fazer é monitorar.

FRANÇOSO. Existe uma discussão ideológica com relação a transgenia?

KAGEYAMA. De certa forma, quis se criar essa discussão ideológica. Ou você é a favor ou contra. Os dois lados passaram a usar propaganda, às vezes enganosa. Os dois lados da moeda têm que ser profundamente  analisados, porque existe muita dúvida.

PATERNIANI. Parece que estamos na idade média. Já incendiaram um laboratório de genética molecular no Rio do Sul porque trabalhava com transgênico, estão ameaçando incendiar outro em Santa Catarina. Daqui a pouco vão incendiar os geneticistas. Quem é responsável por isso?  Não é um cientista, mas alguém que foi convencido por organizações. Um tal Tomás Balduino, presidente da Comissão Pastoral da Terra amaldiçoou os transgênicos como uma praga a ser extinta. Que competência tem esse tal Balduino para dizer isso? O Brasil está entrando numa era medieval nesse assunto.

FRANÇOSO. Na sua visão, estamos ficando a reboque da história?

PATERNIANI. A China gastou 115 milhões de dólares em biotecnologia agrícola, a Índia, 25 milhões e o Brasil, 15 milhões. A China, maior investidor em transgênico, é um país comunista, toda a agricultura é familiar. Hoje, mais da metade da soja cultivada no mundo é transgênica. Será que todo mundo está fazendo isso para agradar a Monsanto?

FRANÇOSO. O que o senhores poderiam deixar de mensagem para a classe médica e para a sociedade em relação a este importante assunto?

KAGEYAMA. Não somos contra a biotecnologia, muito pelo contrário. Queremos que avance, mas não de forma simplista, usar para ver no que vai dar. O Projeto de Lei que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, está propondo, apesar de muita polêmica, conseguiu um consenso, protegendo as áreas prioritárias para conservação, dando indicação correta para a pesquisa e para o plantio. Está sendo criado um Conselho Nacional de Biosegurança, formado por 12 ministros. Este tema tem de ser tratado com a seriedade e a importância que merece. Não estamos sendo obscurantistas, mas dando a atenção devida aos transgênicos.

PATERNIANI. Considero que a ciência tem de progredir e dificilmente se consegue impedir o progresso científico e tecnológico. Com  muito esforço, podemos atrasar. A campanha contra os trangênicos no Brasil é radical.  As restrições tornam praticamente impossível a pesquisa de campo. Para fazer um ensaio de milho Bt do tamanho desta sala, a dificuldade é de tal ordem, que nenhuma instituição pública tem condições de atender. A Embrapa está tentando fazer uma pesquisa com banana trangênica resistente à sigatoka negra, em Honduras, porque aqui no Brasil não conseguiu. Isso interessa ao Brasil? Se a coisa fosse desastrosa,  já teria havido algum problema. Transmitir a idéia de que o cientista é uma pessoa irresponsável, aventureira, interessada em prejudicar a sociedade é uma crítica lamentável. A qualidade de vida, a longevidade, deve-se em grande parte ao avanço da ciência. Essa é uma das finalidades da ciência.

FRANÇOSO. Em nome do Conselho, agradeço aos eminentes professores a disponibilidade para debater  assunto de tal importância para os médicos e a sociedade brasileira. Muito obrigado.


* Ernesto Paterniani  é engenheiro agrônomo e geneticista, professor titular da Esalq/USP, membro da Academia Brasileira de Ciências e  membro fundador da Academia de Ciências do Estado de São Paulo. 
Renato Françoso Filho é cirurgião geral e conselheiro do Cremesp.
Paulo Kageyama é geneticista, diretor de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, professor titular da Esalq/USP.




Este conteúdo teve 282 acessos.


CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CNPJ: 63.106.843/0001-97

Sede: Rua Frei Caneca, 1282
Consolação - São Paulo/SP - CEP 01307-002

CENTRAL DE ATENDIMENTO TELEFÔNICO

Imagem
(11) 4349-9900 (de segunda a sexta feira, das 8h às 20h)

HORÁRIO DE EXPEDIENTE PARA PROTOCOLOS
De segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

CONTATOS

Regionais do Cremesp:

Conselhos de Medicina:


© 2001-2024 cremesp.org.br Todos os direitos reservados. Código de conduta online. 713 usuários on-line - 282
Este site é melhor visualizado em Internet Explorer 8 ou superior, Firefox 40 ou superior e Chrome 46 ou superior

O CREMESP utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no site implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Cookies do CREMESP. Saiba mais em nossa Política de Privacidade e Proteção de Dados.