CAPA
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Nesta edição
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Entrevista
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Crônica
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Dossiê: Reprodução Assistida - História
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Dossiê: Reprodução Assistida - Em foco
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Dossiê: Reprodução Assistida- Vanguarda
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Dossiê: Reprodução Assistida - Repercussão
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Dossiê: Reprodução Assistida- Debate
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Tecnologia
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Medicina no mundo
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Opinião
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Agenda Cultural
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Resenha
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Fotopoesia
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Entrevista
Rumo ao coração artificial bioimpresso
O médico e cientista Gabriel Liguori, apontado como jovem com potencial de liderança pela Fundação Estudar, desenvolveu um promissor hidrogel que possibilita criar vasos sanguíneos e patches em bioimpressora 3D
Por Fátima Barbosa
Gabriel Liguori, no Laboratório de Pesquisa em Órgãos e Tecidos, do InCor, da FMUSP
No mesmo piso do estacionamento do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), duas pequeníssimas salas acomodam o Laboratório de Pesquisa em Órgãos e Tecidos. Diametralmente oposto ao tamanho delas é o objetivo dos cientistas que lá trabalham: nada mais, nada menos, que o desenvolvimento de um coração artificial bioimpresso. O caminho é longo, mas já começou a ser percorrido.
O primeiro passo foi o desenvolvimento de um hidrogel para bioimpressão, feito para suportar a construção de tecidos fabricados com as células do próprio paciente, evitando, assim, a rejeição. O autor da façanha foi o médico Gabriel Liguori, de apenas 29 anos, que lidera uma das duas equipes de pesquisadores do laboratório. Também chamado de biotinta, quando combinado com células, o material já está sendo utilizado por ele na impressão de pequenos vasos sanguíneos e patches, espécie de band-aids de células-tronco que, colocados no coração, visam à sua regeneração
Formado com destaque pela FMUSP, em 2014 – tendo recebido o prêmio Prof. Dr. Edmundo Vasconcelos de distinção em Cirurgia –, Liguori prepara-se, este ano, para defender sua tese de doutorado, desenvolvida na Universidade de Groningen, na Holanda, entre 2015 e 2017.
Protótipo de coração bioartificial impresso em 3D
Durante sua graduação, o jovem cientista – que nasceu com uma cardiopatia congênita – passou um período na Universidade de Harvard e fez estágio no Boston Children's Hospital. Foi, ainda, selecionado, entre 80 mil candidatos, como um dos 24 bolsistas da Fundação Estudar, que fornece apoio financeiro e de orientação acadêmica a jovens com potencial de liderança.
Confira, a seguir, a entrevista exclusiva de Liguori à Ser Médico, sobre sua trajetória pessoal e suas pesquisas.
Ser Médico – Você tem uma cardiopatia congênita... Pode nos contar sua experiência?
Gabriel Liguori – Quando nasci, aparentemente estava tudo bem, mas após alguns dias meus pais começaram a notar que eu ficava com um tom azulado, cansado, e não conseguia mamar direito. O médico recomendou que me trouxessem ao InCor. Com sete dias de vida, vim para cá e comecei a ser acompanhado clinicamente, fazendo
consultas de rotina por dois anos, no grupo de cardiopatias congênitas. Tenho atresia pulmonar com comunicação interventricular. É um tipo específico de cardiopatia em que a criança nasce sem o tronco pulmonar, um dos principais vasos do coração. O sangue acaba fluindo só pela aorta e o fluxo dele no pulmão fica baixo; a oxigenação, consequentemente, também é baixa. Além disso, há uma mistura do sangue venoso e do arterial por causa da comunicação. Quando completei dois anos, os médicos acharam melhor fazer a cirurgia para um rearranjo dos vasos, de maneira a aumentar o fluxo pulmonar e a oxigenação. É uma cirurgia paliativa e não corretiva. Funcionou bem comigo e não precisei reoperar. Desde então, faço acompanhamento aqui no InCor; em determinadas épocas mais, em outras menos. Desde criança, até hoje, a minha médica é a dra. Maria Angélica Binotto.
Ser – Este fato o influenciou a fazer Medicina?
Gabriel – Não lembro o momento exato, mas eu sempre falava que queria ser médico. O fato de frequentar sempre o hospital despertou minha curiosidade. Além disso, quando criança, eu não podia fazer muita atividade física. Apesar de a cirurgia ter ajudado a melhorar o fluxo pulmonar e a respiração, não foi suficiente para que eu pudesse acompanhar as outras crianças nos esportes coletivos, como futebol, por exemplo. Então, não saía muito. No máximo, fazia natação porque nas atividades
individuais podia seguir meu ritmo. Estudava e lia muito em casa, fazendo experiências, coisas de criança.
Tubo com hidrogel para impressão em 3D de órgãos e tecidos
Ser – E quando ficou claro que gostaria de trabalhar com pesquisa?
Gabriel – Quando entrei na faculdade, queria fazer o mesmo que os médicos que cuidaram de mim. Por isso, desde o início da graduação, participei de atividades na área de Cardiologia e Cirurgia Cardiovascular. Sempre gostei mais da área cirúrgica e foquei nela durante todo o curso. No primeiro ano, matriculei-me na disciplina de Anatomia das Cardiopatias Congênitas. Não era uma matéria daquele ano, mas a prof.ª Vera Aiello permitiu que eu a fizesse. Comecei, também, a entrar em projetos de pesquisa. Fundei a Liga Acadêmica de Cirurgia Cardíoca Pediátrica na faculdade, sob
orientação do prof. Marcelo Jatene. É um grupo que reúne alunos para acompanhar cirurgias, fazer trabalhos científicos, estudo e discussão de casos nessa área. Tive a oportunidade também de ir ao Congresso da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular e fundar, juntamente com presidentes de outras ligas do Brasil, o Departamento Brasileiro das Ligas Acadêmicas de Cirurgia Cardiovascular. É uma representação estudantil dentro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Cardiovascular. Já
no primeiro ano, conseguimos, entre vários acadêmicos, escrever um livro, o Manual Acadêmico de Cirurgia Cardiovascular, que hoje é referência na área de graduação. A partir daí, participei de congressos em vários lugares e comecei a trabalhar em uma série de projetos de pesquisa que me permitiram fazer apresentações dentro e fora do Brasil. Tomei gosto por esse contato internacional. No final da graduação, envolvi-me com a área de engenharia de tecidos, que é um pouco diferente.
Ser – Como se deu o envolvimento com a engenharia de tecidos?
Gabriel – No último evento do qual participei no sexto ano, o World Congress of Pediatric Cardiology and Cardiac Surgery, realizado aqui no Brasil, conheci a engenharia de tecidos por meio de uma pesquisadora holandesa que apresentou um projeto de fabricação de vasos sanguíneos em laboratório, para crianças com cardiopatia congênita. Percebi que essa área seria o futuro da Medicina e comecei a focar nela. Entrei em contato com o líder do grupo de pesquisa holandês, prof. Marco Harmsen, com quem viria a desenvolver meu doutorado e, algum tempo depois, recebi a notícia de que fora aceito para me juntar a eles. Em seguida, contatei o prof. Luiz Felipe Moreira, responsável pela área de pesquisa em Cirurgia Cardiovascular no InCor, que apoiou a ideia e aceitou ser meu orientador de doutorado aqui no Brasil. Nesse programa, tenho dois orientadores: um lá e um aqui.
Ser – Você fez Residência?
Gabriel – Não, quando estava no último ano da graduação, decidi fazer o doutorado antes da Residência, pois, depois que você é cirurgião, não consegue parar por dois anos para fazê-lo fora do Brasil. E eu queria trazer a área de engenharia de tecidos para o nosso país. A intenção era fazer o doutorado, em seguida a residência em Cirurgia Cardíaca e continuar a vida como médico. Mas me envolvi muito e hoje estou
focado praticamente só em pesquisa. Fiz o doutorado em cotutela
Holanda. Vou defender minha tese, este ano, sobre o desenvolvimento de vasos sanguíneos, em laboratório, para a revascularização do miocárdio, com a utilização de algumas técnicas novas de engenharia de tecidos. A ideia é substituir a safena ou a mamária, utilizadas hoje, por vasos artificiais, pois muitos pacientes não têm disponibilidade dessas artérias.
Ser – Essas técnicas utilizam o hidrogel que você criou? Como ele funciona?
Gabriel – Meu doutorado visava à pesquisa de técnicas inovadoras para a fabricação de vasos sanguísanguíneos, uma delas é a bioimpressão desses vasos. Mas, para isso, tínhamos de criar uma biotinta, que é o hidrogel. Ele é misturado junto com as células para a impressão. Eu precisava desenvolver esse material, pois já tínhamos as células. Na bioimpressão, no lugar de derreter um plástico como nas impressoras 3D comuns, usa-se o gel com as células em uma seringa, que, pressionada, vai soltando-os. O objetivo é, também, que não haja rejeição, pois os vasos são feitos com as células-tronco do próprio paciente. A rejeição é um dos grandes limitadores dos transplantes, atualmente.
Ser – Pode dar mais detalhes sobre esse gel?
Gabriel – Durante as pesquisas, na Holanda, vi que existia a possibilidade de transformar a matriz extracelular em hidrogel. A matriz extracelular é o componente do
corpo que dá sustentação a todas as células e é produzido por elas mesmas. Fazendo uma analogia, as células são como os tijolos de um prédio e a matriz extracelular é o cimento. Muitos pesquisadores fazem a impressão com materiais sintéticos, mas eles não dão às células o microambiente que elas têm no corpo, o que é possível com o gel
que desenvolvi. Fiquei otimizando esse método durante mais de um ano, na Holanda. Dependendo do tecido que se quer imprimir, usamos a matriz daquele tecido, porque as proteínas são diferentes. A proteína do tecido cardíaco é diferente da do vaso, que é diferente da proteína da pele. Começamos com material animal. Compramos de abatedouros órgãos de animais e retiramos as células, deixando apenas a matriz. Esse processo é feito com uma solução de detergente até saírem todas as células e ficar só a matriz. Em seguida, dissolvemos essa matriz para fazer o gel.
Ser – Como ocorre a utilização prática do gel?
Gabriel – Na área cardiovascular, estamos desenvolvendo os vasos e, também, patches para a regeneração cardíaca. Os patches são "band-aids" de células-tronco que, colocados no coração, visam à sua regeneração. Eles são feitos com o gel. Quando ele se solidifica, transforma-se em uma membrana, que é o patch. Estamos iniciando, agora, a bioimpressão de vasos. Imprimimos alguns vasos utilizando a técnica FRESH, que consiste em fazer a impressão dentro de um outro gel baseado em gelatina. No meu doutorado, usei uma técnica bidimensional para fazer vasos. Na
verdade, é uma técnica que começa bidimensional e depois se torna tridimensional. Basicamente, fazemos o cultivo de grandes folhas de células e, em seguida, enrolamos as folhas, que se transformam no vaso. Sua vantagem é ser menos frágil, porém é mais complexa.
Ser – Em que fase está a pesquisa sobre os vasos e os patches?
Gabriel – Estamos na fase de testes em animais. Inicialmente, testamos os vasos em coelhos, mas agora iremos testá-los em porcos. Quanto aos patches, estamos testando em ratos com cardiomiopatia dilatada e temos tido bons resultados. Se tudo der certo, até o final do ano publicaremos esses trabalhos. Também testamos o gel em ratos para ver a resposta imunogênica a ele, o que nos deixou tranquilos porque o material conseguiu se degradar com facilidade e não despertou uma resposta imune muito expressiva. Estamos, até agora pelo menos, confiantes na sua utilização.
Ser – Quando serão feitas experiências em humanos? E o hidrogel, em que etapa está?
Gabriel – Calculamos que a finalização da experimentação animal levará pelo menos mais três anos. Em relação ao hidrogel, estou abrindo uma empresa, em sociedade com o engenheiro da Escola Politécnica da USP, Emerson Moretto, que construiu a nossa bioimpressora 3D, e o colega Viktor Sinkunas, para comercializá-lo para outros pesquisadores e, também, pensando na venda futura dos tecidos. Estamos começando muita coisa neste momento.
Ser – Então a bioimpressora 3D utilizada nas pesquisas foi desenvolvida no InCor?
Gabriel – Sim, essas impressoras existem ao redor do mundo, mas custam muito caro. Em média, a mais barata, cerca de 30 mil euros. Nós compramos uma delas no início do ano e a recebemos recentemente. Mas, enquanto não tínhamos aqui uma igual a que eu tinha na Holanda, o Emerson desenvolveu uma para usarmos. E funciona tão bem quanto, se não melhor!
Ser – Há outros projetos em vista?
Gabriel – Fechando o ciclo desses primeiros projetos, devemos começar a trabalhar com tecidos um pouco mais complexos, como o músculo cardíaco. É bem mais difícil, pois ele tem vascularização e é preciso desenvolvê-la também, de forma que ele consiga ter nutrientes e oxigênio mesmo com uma espessura maior. Além disso, as células têm de estar alinhadas, não podem estar espalhadas, pois o coração contrai
todas no mesmo sentido. Vamos mudar também o tipo celular. Hoje usamos células-tronco adultas. Apesar de ser um tipo de célula fácil de utilizar, é limitada e não permite diferenciação em todos os tipos celulares. Usaremos as células pluripotentes induzidas, que funcionam como embrionárias. Acredito que começaremos esse novo projeto no segundo semestre deste ano.
Ser – Acredita que é mesmo possível criar um coração artificial?
Gabriel – Sim. Acredito que ainda vamos descobrir muita coisa que nem imaginamos. Como tudo na ciência, você tem um plano, ele pode dar errado e será preciso descobrir
como acertar. Estamos começando agora a pensar nos tecidos cardiovasculares.
Até transformar um pequeno tecido de 2mm em um coração, leva muito tempo. Naturalmente, é preciso começar com corações menores. Fazer o tecido em si não é tão difícil, a questão é atingir a dimensão do coração. Para crianças talvez seja mais fácil, mas o tecido do coração de adulto é bem mais espesso e complexo, como também o do fígado e do pulmão. Certamente, outras áreas terão órgãos artificiais
antes, por exemplo, glândulas como tireoide e pâncreas. Em animais, o transplante de tireoides artificiais impressas em 3D já está sendo feito com sucesso. A vantagem das
glândulas é que não dependem do formato, basta ter um acumulado de células envolvido no gel. Já o coração depende completamente do seu formato.
Ser – O gel que você desenvolveu pode ter outras aplicações, além da pesquisa cardiológica?
Gabriel – Sim, pode ser utilizado na pesquisa de qualquer tecido.Temos parceria com o pessoal da Cirurgia Plástica, que está fazendo regeneração de pele em ratos, para usar
em queimaduras, por exemplo.
Ser – Como os projetos são financiados?
Gabriel – Espero que consigamos levantar os fundos necessários para continuar. Eles são caros, pois exigem equipamentos, material de consumo etc. Conseguimos uma verba da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de R$ 1,5 milhão, no ano passado, para equipamentos, mas precisaremos do apoio de outras instituições públicas, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para a compra de reagentes em geral. Também acredito ser importante a participação de doadores privados, apesar de no Brasil isso não ser comum. Tenho esperança de conseguirmos progredir ao ponto de, daqui a 10 ou 15 anos, estarmos fazendo esses órgãos em laboratórios, chegando à altura de outros centros internacionais. Estamos começando do zero, enquanto eles já estão desenvolvendo projetos nessa área há 20 anos.
Ser – É mais difícil fazer ciência aqui do que na Holanda?
Gabriel – Verba, aqui, é difícil, mas a maior dificuldade é a burocracia. Às vezes, compro alguma coisa que na Holanda chegaria no dia seguinte, e aqui demora três meses, e isso dificulta o planejamento do experimento. Temos viajado até a Holanda
para fazer lá alguns experimentos, pois é mais barato e mais rápido comprar uma passagem de avião, fazer o experimento e voltar.
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