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Crônica


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Dossiê: Psiquiatria/ História


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Dossiê: Psiquiatria/ Estatísticas


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Edição 86 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2019

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Gourmet

Lugar de médico é (também) na cozinha!

Que o alimento seja teu medicamento e que o medicamento seja teu alimento.” Há 500 anos a.C., a ideia da alimentação como ferramenta para saúde já era evidenciada por Hipócrates, o grego considerado o “pai da medicina”. Ainda assim, a adoção de práticas saudáveis acaba muitas vezes em segundo plano, não só pela sociedade de modo geral, mas também pelos próprios profissionais da saúde.

“Os médicos estão doentes. Quando se trata de estilo de vida, muitas vezes eles também são pacientes”, afirmam as endocrinologistas Tassiane Alvarenga e Paula Pires, idealizadoras do projeto Médicos na Cozinha, que visa auxiliar os especialistas a aderirem ao autocuidado e, consequentemente, estimular seus pacientes, por meio da culinária e da reeducação alimentar.


Cortar legumes é um dos empecilhos da alimentação caseira

O projeto nasceu após frequentarem o curso Medicina do Estilo de Vida (Life style Medicine) e gerenciamento do estresse, sono e qualidade de vida, ministrado pela Harvard Medical School, em Boston, EUA, em junho de 2017. Lá, ambas descobriram uma nova vertente, pouco vista e comentada: a medicina culinária. Este campo emergente consolida-se por meio do desenvolvimento em habilidades como compras de alimentos, armazenamento e preparação de refeições, e se firma no propósito de ensinar estudantes de Medicina a cozinhar durante o curso, como parte da grade de disciplinas. “Aprendemos no curso que o paciente é reflexo de seu médico. Se o profissional não sabe cozinhar e não se alimenta adequadamente, não conseguirá incentivar devidamente o paciente a aderir à vida saudável”, explica Paula.


A ideia é não sucumbir à facilidade

Dados do Ministério da Saúde, referentes ao período de 2006 a 2016, demonstram que o Brasil encontra-se em um cenário alarmante: em dez anos, o índice de obesos cresceu 60%, representando 18,9% da população. Consequentemente, o número de hipertensos e diabéticos também foi amplificado, oscilando de 22,5% a 25,7% e de 5,5% a 8,9%, respectivamente. De acordo com Tassiane, esses levantamentos demonstram a ineficácia de algumas condutas médicas normativas. “Os pacientes não mudam por medo, e, sim, por paixão. É nosso papel como médico encontrar qual é a motivação intrínseca deles e não apenas recomendar que adotem medidas que nem o próprio profissional adotou, como se exercitar e comer corretamente”, comenta.  


O curso é uma oportunidade de mudança de hábitos

O dia a dia corrido e o estresse acumulado são os principais inimigos dos médicos quando se trata de mudança de hábitos. A praticidade e a rapidez fazem com que alimentos industrializados e os famosos junk foods participem assiduamente dos hábitos alimentares dos especialistas e da população, como mostra um estudo feito pela EAE Business School. Ele revela que, só em 2014, os brasileiros gastaram um total de R$ 53,7 bilhões em redes de fast food, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (R$ 290,2 bilhões) e China (R$ 130,2 bilhões). A análise reforça o que já se sabia: a cozinha, cada vez mais, é vista como uma realidade distante, enquanto a lei do mínimo esforço enraíza-se progressivamente.

Cortar legumes é um desafio

O  projeto Médicos na Cozinha se contrapõe justamente à ideia de sucumbir à facilidade. O curso é composto por um amplo leque de profissionais, como endocrinologistas, psicólogos, nutricionistas e chefs de cozinha, e incentiva os médicos a colocarem a “mão na massa”. Contando com a média de 10 a 15 participantes, é dividido em uma etapa teórica e outra prática. Inicialmente, os integrantes aprendem sobre a relação entre a saúde do médico e a do paciente, além de conferirem dicas de alimentação regrada e técnicas para colocá-las em prática, todas embasadas nos conceitos estudados em Harvard. Feito isso, organizam-se para realizar, em duplas, a preparação das receitas, sempre com o respaldo das idealizadoras do projeto. Por fim, a melhor parte: reúnem-se e experimentam todos os pratos preparados. Aventais personalizados, apostila de estudo, fotos do grupo e um certificado de conclusão estão inclusos no pacote, e também servem de estímulo para os especialistas. 

“Muitas vezes, o médico faz o curso para si mesmo, não só para o paciente. É uma oportunidade de mudança de hábitos”, explica Tassiane. Por mais que os profissionais saibam que seus costumes interferem no diagnóstico e no modo como ele é exposto ao paciente, eles não se atentam à importância de preparar a própria comida e, quando o fazem, notam que a cozinha pode ser um ambiente repleto de desafios.


Paula e Tassiane, idealizadoras do projeto de medicina culinária

“Durante as atividades, percebemos que cortar legumes, por exemplo, torna-se um empecilho. Os  participantes  possuem experiência quase nula em relação à alimentação caseira, o que dificulta a aderência ao mundo saudável”, complementa Paula. No decorrer da parte prática, as endocrinologistas oferecem auxílio do início ao fim, até nas situações mais simples, e enfatizam o fato de que o tempo não é um inimigo, uma vez que sobras de alimentos podem ser reutilizadas, assim como determinados ingredientes podem ser preparados previamente. 

Ao todo, oito cursos foram ministrados, contemplando uma média de 100 médicos de diferentes especialidades. O objetivo é expandir o projeto para todo território brasileiro, e unir a medicina culinária com a ciência médica, conscientizando a população e os profissionais sobre a necessidade da inserção de condutas saudáveis na rotina, principalmente por meio da alimentação caseira.

Neste ano, segundo Paula e Tassiane, está previsto o lançamento do livro Médicos na Cozinha, contendo capítulos que abordam  o sono, felicidade, exercícios físicos, meditação e receitas. “Tanto o curso quanto o livro servem para darmos um conselho aos médicos, que adotamos para nós mesmas: você não precisa perder sua saúde para ‘dar’ saúde ao paciente. Pelo contrário, o médico que está bem física e mentalmente cuida melhor do paciente, e de si mesmo”, concluem.

Colaborou: Júlia Remer


 


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