Consulta nº 153.613/16
Assunto: Sobre a participação de médicos estrangeiros, que fazem parte do programa "Mais Médicos", no antedimento do SAMU.
Relator: Conselheiro Renato Françoso Filho.
Ementa: Enfatizamos que é da total responsabilidade do médico que está examinando um paciente a decisão pela internação, e que, muitas vezes, no caso pacientes psicóticos, persiste a situação de emergência. A não observância destes preceitos pode configurar-se negligência médica. O procedimento esteriotipado de não internar psicóticos por não estarem acompanhados é, ao nosso entendimento, uma conduta temerária.
O consulente, Dr. A.O.N., solicita parecer do CREMESP acerca de internação involuntária com pacientes psicóticos desacompanhados e a responsabilidade da fonte encaminhadora para o cumprimento do ritual de identificação e localização de familiares, assim como providenciar o exigido acompanhamento destes à internação.
O consulente é psiquiatra que trabalha em hospital psiquiátrico subordinado à Secretaria de Estado de Saúde, que acolhe para internação pacientes provenientes do "CRATOD" e da "Central de Vagas", após terem recebido os primeiros atendimentos em hospitais gerais ou prontos-socorros, podendo as internações ser de caráter voluntário ou involuntário.
A questão levantada pelo referido psiquiatra é se ele pode manter a conduta de reencaminhar os pacientes em regime involuntário, que estejam desacompanhados dos seus representantes legais, de volta às unidades encaminhadoras, para que providenciem a identificação, localização e acompanhamento da internação do paciente sob sua tutela. Pergunta também se este seu procedimento tem amparo ético.
PARECER
A resposta à Consulta, sendo vista simplesmente pelo ponto de vista da Resolução CFM 2.057/13, pode parecer simples, mas analisada por diversos ângulos da questão, do médico que procede a internação, das fontes encaminhadoras, da situação social do paciente, da estruturação da rede de assistência psiquiátrica e dos direitos do cidadão, se torna mais complexa.
Para a Resolução acima citada, em seu Capítulo XII, que trata da "Internação Psiquiátrica", a internação em ambiente hospitalar deve ocorrer de forma explicitamente circunstanciada em seus motivos, podendo ser classificada como voluntária, involuntária e compulsória. No presente caso, a internação involuntária se dá contrariamente à vontade do paciente, sem o seu consentimento expresso ou com consentimento inválido (incapacidade psíquica para entender o caráter do ato). Para que ocorra a internação involuntária faz-se necessário a concordância de representante legal do paciente, exceto nas situações de emergência médica, onde o médico assume a responsabilidade da internação na ausência ou mesmo com a discordância do responsável. As condições para que haja indicação médica de internação involuntária incluem a incapacidade grave de autocuidados, risco de vida, prejuízos graves à saúde, risco de autoagressão ou de hetero-agressão, risco de prejuízo moral ou patrimonial e risco de agressão à ordem pública. No prazo de 72 horas, o estabelecimento psiquiátrico, através do seu diretor técnico, deve comunicar o Ministério Público Estadual, informando desta internação e adotar a mesma medida quando da respectiva alta. Portanto, a conduta de não internar involuntariamente pacientes em situação de não emergência, sem responsáveis e reencaminhar à unidade de origem, pode ter algum amparo na Resolução.
No entanto, para uma prestação de assistência adequada em saúde mental na rede pública, é fundamental que exista uma consistente integração entre as várias unidades que atendem ao usuário (UBS, PS, CAPS, ambulatórios, hospitais gerais e psiquiátricos, central de vagas e outros) onde a comunicação entre os profissionais médicos é imperiosa, tanto do ponto de vista administrativo, técnico e, porque não, ético. Entendemos que a demanda nos serviços que acolhem o usuário é grande, há pressão de rotatividade pela grande procura, e os usuários, depois de devidamente examinados pela equipe, devem receber a melhor forma de atendimento, que muitas vezes é a internação involuntária em hospital psiquiátrico. E nesse processo, o paciente está muitas vezes desacompanhado e o serviço social incapacitado de localizar os seus familiares.
Apontamos também nos princípios constitucionais que o cidadão, quando doente de qualquer tipo de patologia, tem o direito de ser atendido da melhor forma possível e, portanto, seria injusto "penalizá-lo" não o internando quando necessário pela falta do seu representante legal, sendo que muitas vezes, principalmente na nossa população carente, encontram-se em situação de abandono familiar, como no caso dos doentes mentais de rua, que mais uma vez seriam os mais prejudicados.
Entendemos que o médico assistente que interna o paciente de modo involuntário, em parte, tem o direito de exigir o representante legal; que as unidades encaminhadoras, assoladas pela pressão de demanda e que optaram pela internação involuntária, não deveriam medir esforços para localizar responsáveis e envolver os mesmos na assistência em geral (da internação ao seguimento) e obrigatoriamente se comunicar com os hospitais psiquiátricos a respeito das condições clínicas e legais, evitando-se susceptibilidades entre os profissionais. O médico está obrigado pelo Código de Ética Médica a empenhar-se para melhorar as condições de saúde e os padrões dos serviços médicos e assumir sua responsabilidade em relação à saúde pública (Cap. 1, artigo 4º), bem como a manter com os demais profissionais relações baseadas no respeito mútuo, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente (Cap. 1, artigo 18). Uma rede de assistência é comunicação entre seus membros, é orgânica, não existe rede no papel, e sim no relacionamento entre os trabalhadores da saúde mental.
Enfatizamos que é da total responsabilidade do médico que está examinando um paciente a decisão pela internação, e que, muitas vezes, no caso de pacientes psicóticos, persiste a situação de emergência. A não observância destes preceitos pode configurar-se negligência médica. O procedimento estereotipado de não internar psicóticos por não estarem acompanhados é, ao nosso entendimento, uma conduta temerária.
Este é o nosso parecer, s.m.j.
Conselheira Kátia Burle dos Santos Guimarães
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA DE PSIQUIATRIA, REALIZADA EM 21.10.2016.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA TÉCNICA INTERDISCIPLINAR DE BIOOÉTICA, REALIZADA EM 12.01.2017.
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 24.03.2017.
HOMOLOGADO NA 4.772ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 04.04.2017.
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