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    27-11-2023

    4ª Conferência Estadual da Lei do Ato Médico

    Cremesp debate danos clínicos e infrações legais em procedimentos estéticos invasivos

    Casos verídicos de procedimentos estéticos invasivos realizados por não médicos e os graves danos causados às vítimas foram debatidos pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) com especialistas e representantes de Conselhos e Sociedades de Especialidades, durante a 4ª Conferência Estadual da Lei do Ato Médico, realizada no dia 25 de novembro, com transmissão online pelo canal do Conselho no Youtube.

    Entre as principais reflexões está a que aponta para o crescimento vertiginoso de casos e sequelas nas vítimas – quando não são levadas a óbito –, em procedimentos cirúrgicos estéticos realizados por não médicos, nas áreas mais vulneráveis à violação do Ato Médico, como a Cirurgia Plástica, Vascular, Dermatologia e Anestesiologia. 

    Também foi destacada a importância de orientar os próprios médicos quanto aos riscos inerentes a qualquer intervenção cirúrgica, sobretudo se esses profissionais não tiverem formação adequada e especializada na área.

    Foi consenso ainda a necessidade de aperfeiçoar a atuação dos Conselhos de Medicina junto ao Poder Judiciário no sentido de esclarecer dúvidas sobre quais os limites cabíveis aos procedimentos de cada área da Saúde. Orientação que já está em andamento, a exemplo dos projetos de lei que obrigam a notificação compulsória de eventos adversos em procedimentos estéticos e do que regulamenta os limites de cada especialidade na área da Saúde ao realizar procedimentos no campo da Medicina.

    “Essa conferência é uma das bandeiras do Conselho na defesa da Lei do Ato Médico. Uma oportunidade para discutir casos que causaram e tiveram grande repercussão em função de graves complicações em procedimentos realizados por não médicos”, declarou o presidente do Cremesp, Angelo Vattimo, na abertura da conferência. “Cada profissional tem de se ater à sua atividade, atuar de acordo com sua formação e competência curricular. O médico também não deve ultrapassar barreiras e realizar procedimentos para os quais não foi habilitado, pois toda intervenção implica riscos.” 

    Óbito em procedimento estético

    O primeiro caso apresentado na Conferência, que discutiu um óbito em procedimento estético realizado por endolaser, contou com o depoimento emocionado de Anastácio Correa, marido da fotógrafa Roberta Correa, que morreu após a intervenção. Ele relatou que o local não tinha alvará nem preparo para atender sua esposa e, embora houvesse um hospital a dois quarteirões, ninguém a levou para lá.

    “Essa conferência está sendo realizada para que tragédias como essa não aconteçam novamente”, alertou o cirurgião plástico Alexandre Kataoka, coordenador da Assessoria de Comunicação do Cremesp, que presidiu a mesa. Segundo ele, a hipótese sobre a causa da morte da fotógrafa foi decorrente de intoxicação anestésica por imperícia na realização do procedimento. “A profissional que aplicou a anestesia não soube identificar o que estava acontecendo e a clínica não tinha suporte para o atendimento e as intercorrências”, observou. 

    A mesa teve como debatedores o especialista Rolf Gemperli, professor titular de Cirurgia Plástica e chefe do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP); o representante da Sociedade Brasileira de Dermatologia e Delegado do Cremesp em Taubaté, Erico Pampado Di Santis; e a dermatologista Juliana Toma. Pelo Cremesp, também participou o conselheiro e anestesiologista, Edson Umeda; e o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro e ginecologista, Walter Palis Ventura.

    Cirurgia Plástica

    “O que se tem visto é um número crescente de atos médicos realizados de forma inadequada e com indicações inapropriadas por profissionais não habilitados para executar os procedimentos médicos”, alertou Gemperli. 

    Segundo ele, o endolaser é um ato médico que envolve as especialidades de Anestesiologia e de Cirurgia, com todos os cuidados necessários em assepsia. “O que vemos é biomédico executando um procedimento que não tem capacidade de realizar. Como consequência, estamos recebendo no hospital-escola do HC complicações de toda espécie. Virou um cemitério de complicações. O número de ocorrências é inimaginável. Outro agravante é que muitos cursos que habilitam os profissionais a realizar procedimentos são precários e oferecidos fora das universidades”, denunciou.

    Di Santis, por sua vez, destacou a importância do PL 9602 – aprovado pela Câmara dos Deputados e que segue para o Senado –, que torna obrigatória a comunicação compulsória de efeitos adversos em procedimentos estéticos. “Com essa medida, teremos números de casos reais e, a partir daí, poderemos exigir mudanças. O relato apresentado (da fotógrafa que veio a óbito durante o procedimento) exemplifica a necessidade de notificação compulsória, pois temos todos os dados e tem ampla cobertura da imprensa, que relata todos os fatos”, completou. 

    Anestesiologia

    Na avaliação de Umeda, é preciso determinar a matriz de atuação dos colegas médicos e dos profissionais que violam o ato medico em relação ao uso do anestésico. “Como médico, preconizamos a informação ao paciente por meio do termo de consentimento relacionado aos atos cirúrgico e anestésico. Temos de ter essa interação anterior com o paciente para saber quais as patologias eventualmente ele tem, assim como de quais medicamentos faz uso, antes de ser submetido à anestesia”, orientou. 

    Ventura comentou a invasão da Medicina no Rio de Janeiro. “Lá não é diferente e vemos as vítimas de casos estéticos aflorarem com mais evidência. Quando acionada, a Justiça patina e considera apenas como se fosse briga por mercado, quando nossa preocupação não tem nada a ver como isso, mas sim com a saúde da população”. 

    Dermatologia

    “Na Dermatologia, vemos uma invasão imensa por não médicos. Tenho recebido muitos pacientes com complicações decorrentes de preenchimentos”, disse Juliana. Segundo ela, o laser para remoção de tatuagem é muito potente e se não tomar cuidado, causa muitos danos, como feridas, bolhas e cicatrizes. “Por isso, esse equipamento deve ficar restrito ao uso médico, que sabe lidar com as complicações. Mas o que se vê na internet é que a maior parte da divulgação sobre a realização desses procedimentos vem de casas de tatuagem”, lamentou. 

    Complicações em blefaroplastia

    O segundo caso analisado no evento, Complicação em blefaroplastia realizada por dentista” foi presidido pela dermatologista Juliana Toma e apresentado pelo cirurgião plástico Rodrigo Itokazu. Também participaram do debate o procurador do Cremesp, Carlos Magno Michaelis Junior, e o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, Armando Lobato.

    Para Itokazu, a atuação de outros profissionais no campo da Medicina é muito antiga e extrapola a área de competência de cada um. “Hoje vemos enfermeiros passando cateter em procedimentos da área de Cirurgia Plástica. Nesse cenário, as redes sociais são um fator de complicação. Antes havia a relação médico-paciente. Agora essa mistura faz com que profissionais de diversas áreas tenham acesso e convençam a população de que são capazes de realizar procedimentos médicos”, avaliou. 
    Ele acredita que embora os Conselhos de Medicina estejam lutando contra essa invasão, os caminhos são difíceis porque outros Conselhos validam os seus profissionais para realizar os procedimentos. “Temos visto um movimento cada vez mais invasivo e complexo; e modificar a legislação pode ser o caminho mais efetivo para a solução desses problemas.”

    Cirurgia Vascular

    Lobato afirma ter visto muitos colegas cirurgiões plásticos ensinando a escleroterapia em cursos a distância. Por isso ele acredita que a saída é regulamentar a prática em outras áreas da saúde. Ele considera, entretanto, que as resoluções dos Conselhos Federais não estão acima da lei, e devem atender a três requisitos: basear-se nos limites legais de cada especialidade, possuir embasamento cientifico robusto e apresentar resultados dentro do padrão aceitável para tratamento estético. “Precisamos de uma lei que não proíba ninguém de realizar a prática, desde que atenda esses requisitos. Já temos um projeto de lei tramitando no Congresso nesse sentido”, afirmou. 

    Ativismo jurídico dos Conselhos

    Ao comentar os aspectos jurídicos envolvendo os casos de invasão do Ato Médico, Michaelis destacou os resultados importantes que têm colocado Cremesp e outros Regionais – com o apoio do Conselho Federal de Medicina – em papel de destaque na batalha para conter a invasão do Ato Médico.

    “Existe um ativismo muito grande por parte dos Conselhos Regionais em prol da Lei do Ato Médico, mas a grande dificuldade que temos é a questão legalista. Para um juiz, é complicado saber por que um dentista não pode utilizar anestesia em procedimentos estéticos na face, se ele o utiliza em sua prática no consultório”, questionou.

    Ele discorreu sobre a importância de explicar a um juiz por que o profissional não pode realizar um ato médico em função de uma possível intercorrência ou insucesso no procedimento. “Qual é a vedação administrativa ou legal existente?”, questiona. “Esse é um alinhamento que temos feito com o CFM porque senão daqui a pouco criamos jurisprudência negativa”, alertou. “Com o indeferimento de liminares, improcedência nas ações, contribuímos negativamente para a defesa do Ato Médico e para o próprio projeto de Lei. Temos de fazer uma reflexão – e, se possível, levar para a próxima conferência – sobre como extinguir as dúvidas que o Ministério Público e os magistrados têm em relação às nossas alegações”, finalizou.
     


    Confira as fotos do evento


    Fotos: Osmar Bustos
     


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