Mesa de abertura: Mauro Aranha, Bráulio Luna Filho e Reinaldo Ayer
A descriminalização do porte por usuários de Cannabis foi debatida, em seus aspectos e desdobramentos médicos (psiquiátricos e das políticas de saúde pública), jurídicos, antropológicos e sociológicos, em plenária temática do Cremesp, no dia 4 de dezembro. O consenso entre os debatedores é de que eliminar a criminalização não seria suficiente se não houver uma regulamentação detalhada sobre o uso da droga.
O Conselho não tem posição definida sobre o tema, mas acredita que ele extrapole o universo restrito da Medicina, carecendo de ampla reflexão por parte de toda a sociedade. De acordo com Mauro Gomes Aranha de Lima, coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatra e vice-presidente do Cremesp, a intenção é que a análise de profissionais da Medicina, da Saúde, Direito, Antropologia e Sociologia culmine em eventuais instruções para futuros pronunciamentos, uma vez que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) analisam a constitucionalidade do artigo 28, da lei nº 11.343/2006, que prevê como crime os atos de adquirir, guardar ou portar drogas para consumo próprio.
Para Bráulio Luna Filho, presidente do Cremesp, o Conselho de São Paulo sempre esteve na vanguarda das discussões políticas do País e não seria coerente adotar uma posição política conservadora ou se omitir diante dessa discussão democrática. Também o conselheiro Reinaldo Ayer, coordenador do Centro de Bioética, lembrou que o Cremesp é o único conselho que mantém uma área dedicada aos estudos bioéticos, sob o ponto de vista do conhecimento científico, da definição de valores e das normas.
Definição de usuário
Estima-se que haja 182 milhões de usuários de Cannabis no mundo, mas não há consenso sobre as definições de usuário, traficante e nem mesmo parâmetro para a dosagem de tetraidrocanabinol (THC), principal substância psicoativa da maconha. De acordo com estudos apresentados por André Malbergier, médico psiquiatra e coordenador executivo do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (GREA/IPq-HC/FMUSP), um a cada 10 homens adultos experimentou maconha ao longo da vida e o número de usuários homens seria três vezes maior que o de mulheres e que desses. Ele também comentou que estudos do GREA/IPq demonstraram que 9% das pessoas que usam maconha irão se tornar dependentes e que o número sobe para 17% naqueles que começam a usar antes dos 20 anos; e de 25% a 50% entre os usuários diários em geral. E que os usuários de skunk (maconha mais potente) teriam 25% mais chances de surtos psicóticos, enquanto quem utiliza nos finais de semana, 3%. Ele acredita que a decisão sobre a descriminalização aumenta o consumo, os benefícios da descriminalização e os riscos potenciais é da sociedade, mas que os médicos também deveriam ser ouvidos. “Acidentes automobilísticos matam mais que álcool ou maconha, mas aceitamos o direito do cidadão em dirigir automóveis. Descriminalizar não resolve todos os problemas. É preciso saber se a sociedade aceita os riscos para a tomada da decisão da descriminalização”, disse.
“Sabemos que a indústria farmacêutica está se mobilizando para comercializar o THC. Se houver descriminalização, a regulamentação é fundamental. O THC isolado, e não a maconha fumada, pode ter uma função em dores crônicas e outros usos terapêuticos em condições clínicas refratárias a tratamentos convencionais, mas temos que estar atentos a vieses que podem tirar o foco da discussão”, ressaltou Lima, que moderou também o debate após as exposições dos palestrantes.
Evento era aberto a profissionais de saúde e de outras áreas
Luís Fernando Tófoli, professor doutor e coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos da Unicamp, fez comparações entre os países em que há descriminalização, política de tolerância, leis sobre maconha medicinal e legalização. “Em países como os Estados Unidos, por exemplo, a descriminalização desloca o uso de drogas mais pesadas para a maconha, considerada relativamente mais segura que as outras”, destacou.
Nos atendimentos na Unicamp, Tófoli relatou que a maioria deles não aponta riscos sociais significativos, sendo o maior deles em adolescentes, mas há resultados contraditórios. Ele acredita que se há mais chances de episódios psicóticos em usuários de maconha, a prevalência destes transtornos em encarcerados deva ser ainda maior.
Avaliação de riscos
Os advogados João Daniel Rassi e Vicente Greco Filho, destacaram o atual contexto do Legislativo, destacando que não há diferenciação na lei sobre os tipos de drogas. “A análise sobre a descriminalização tem que passar por uma avaliação de riscos e regulamentação. No mínimo, teria que ter os mesmos controles que o álcool e o fumo”, disse Greco. Para ele, não seria o STF quem teria que decidir sobre a regulamentação, mas deveria haver uma discussão entre os congressistas, que representam o povo.
Participaram ainda do evento o antropólogo Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, e a socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (RJ). Fiore afirmou que nos países europeus que discriminalizaram a maconha, não houve aumento do índice de criminalidade. Já Julita enfatizou as políticas equivocadas da polícia, cujo combate violento ao tráfico tem produzido mortes de civis e militares, em uma tragédia cotidiana nos grandes centros urbanos.
Fotos: Osmar Bustos
Tags: Cannabis, plenária, Cremesp, psiquiatria, direito, antropologia.
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