A necessidade de encontrar soluções para que médicos não prescrevam tratamentos beneficiando-se de vantagens financeiras, levou o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) a realizar o Seminário: A relação entre os médicos e a indústria farmacêutica, de equipamentos, órteses e próteses, neste 14 de agosto de 2015, na subsede da Vila Mariana, proporcionando uma discussão ampla e isenta de preconceitos ou discriminações com todos os setores presentes.
De acordo com o presidente do Cremesp, Bráulio Luna Filho, essa é uma preocupação do Conselho há mais de 5 anos. “Realizamos estudos científicos sobre o tema, além de diversas reuniões com representantes das entidades envolvidas, indústria farmacêutica, hospitais públicos e privados”, contou Luna Filho.
“Nos últimos meses repercutem nos noticiários, denúncias sobre esse relacionamento entre médicos e as empresas, o que acaba manchando a imagem da categoria junto à sociedade”, relatou Florisval Meinão, presidente da Associação Paulista de Medicina (APM), presente na mesa de abertura do seminário.
Esse relacionamento deveria pautar-se exclusivamente em questões técnicas, mas muitas vezes isso não ocorre, devido a incentivos constantes da indústria, e quem acaba pagando por isso são os pacientes, segundo Éder Gatti Fernandes, presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp).
Porém, para José Roberto Baratella, presidente da Academia de Medicina de São Paulo, o suporte que a indústria oferece aos eventos científicos é importante. Segundo ele, na década de 1970, junto com colegas e com o apoio da indústria, divulgou o Suporte Nutricional Pediátrico, e essa atividade foi extremamente benéfica, salvando muitas crianças. “A corrupção existe, mas cabe à legislação regulamentar essa relação, combatendo o uso de propinas e punindo tanto o médico, quanto a indústria”, resumiu Baratella.
O mercado
Durante a palestra Perspectivas do Mercado de OPME: Existe crise?, o representante da Unimed do Brasil e da Comissão de Órteses e Próteses da Unimed, Otto Cézar Barbosa Júnior, apresentou o atual cenário financeiro das empresas de saúde suplementar. De acordo com Barbosa, quando se comparam as receitas e as despesas das operadoras, apenas as de grande porte continuam com saldo positivo. As operadoras de médio e pequeno porte ficam com valores zerados ou apresentam déficits.
“Uma importante parcela dos custos das internações hospitalares é a aquisição de órteses e próteses, sendo essa a despesa que mais cresce”, definiu Barbosa, alegando que isso ocorre porque existe uma alta carga tributária sobre importações, constantes evoluções tecnológicas que não acompanham a abrangência das tabelas, e preços que diferem nas regiões do País, variando até 1.000%, além da inexistência do papel de regulamentação das OPME’s, por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Barbosa destacou que os hospitais possuem grande influência no relacionamento entre o médico e a indústria, pois também realizam a compra e venda desses equipamentos, com uma margem de lucro que fica entre 10 e 30%. “Dentro do centro cirúrgico tem funcionário das distribuidoras de órteses e próteses oferecendo seus produtos. E eles estão ali, pois pagam ao hospital uma taxa, conhecida como ‘taxa de rolha’”, relatou.
Segundo ele, para a resolução dos problemas é necessário implantar um novo modelo assistencial na Saúde Suplementar, criar políticas regulatórias, padronizar nomenclaturas, protocolos e normas de uso das OPME’s, definir um órgão responsável e o estabelecer critérios para aferição de qualidade dos produtos utilizados.
A visão dos fabricantes
“Órteses e próteses são equipamentos externos, utilizados em deficiências físicas”, ressaltou Peter Kuhn, vice-presidente da Associação Brasileira de Ortopedia Técnica (Abotec). Ele destaca que não há nenhum apoio no Brasil para a categoria, pois a profissão sequer é reconhecida. “Temos o contato com o médico, porém sofremos um preconceito maior, pois muitas vezes ortesistas e protesistas são vistos como mecânicos”, contou.
A existência de produtos com cada vez maior qualidade é um dos pontos essenciais para Kuhn, pois o paciente merece ter os melhores equipamentos, mas a tabela SUS, que não é alterada há 10 anos, não permite a aquisição de produtos melhores, e o paciente acaba ficando com os mais simples. Segundo ele, em Brasília não há movimentação para a regulamentação do setor, o que é prejudicial para todos.
“Não há como negar que existem jogadas que estimulam os médicos ter preferências, mas a Abotec faz o seu trabalho visando pacientes deficientes físicos”, destacou Kuhn, relatando que no Brasil os gastos com órteses e próteses são muito inferiores aos que são gastos em países mais desenvolvidos.
A visão dos gestores da Saúde
José Grillo Neto, representante da Unimed Fesp, ressaltou que esse é uma questão com o qual o setor convive há muito tempo. “O problema não está na fábrica, mas no médico corruptível, nos hospitais, nos distribuidores e na Anvisa. A corrupção é algo cultural”, observou Neto. “Essa questão não se limita à ortopedia, outras especialidades médicas também passam por isso”, lembrou David Uip, Secretário de Estado da Saúde, ao relatar que se o homem for corrupto, por consequência, a instituição será corrupta. Uip garantiu que o Estado de São Paulo irá solucionar o problema e que logo será deflagrada uma grande operação onde serão responsabilizados fabricantes, funcionários de instituições e médicos. “Essa grande operação envolve várias cidades do Estado e muitos médicos”, contou.
Uma das medidas que o secretário pretende adotar no Estado é que o médico não prescreva terapias que não estão disponíveis, sem apresentar nome, CRM e justificativa. Uip contou que recentemente assinou um decreto para que os hospitais estaduais que prescreverem o que não está acordado tenham que arcar com os custos correspondentes.
Durante as perguntas da plateia, muitos médicos apontaram a má remuneração paga pela tabela SUS como um dos fatores que levaram à criação desse mercado paralelo de pagamento de comissões. Porém, para Neto, é uma questão de caráter e não de oportunidade.
A diretora segunda secretária do Cremesp, Silvia Helena Rondina Mateus, destacou que por mais que os honorários médicos fossem maiores, nunca seriam próximos aos valores pagos nas propinas oferecidas pelos distribuidores, e que uma coisa não justifica a outra. Silvia garantiu que o Cremesp vai receber todas as denúncias apresentadas pelos presentes.
Ricardo Bastos, membro do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), destacou que há 25 anos aconteceu um Congresso no seu Estado sobre as mesmas diretrizes e com representantes de todos os setores, mas não havia interesse em resolver o problema, e que hoje, enfim, todos querem resolver.
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Fotos: Osmar Bustos
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